Virtual Memories

sábado, 10 de janeiro de 2015

Santo Juan Duns Escoto prega na cátedra de sagrada teologia o dogma da imaculada Conceição. Representação de uma lição na antiga universidade real e pontíficia do México, estando os doutores com insígnias de Teologia (branco) e Leis (vermelho/rojo). Os capelos são claramente de duas murças (esclavinas ou mucetas) sobrepostas, com capuzes, mas sem rosetas nem alamares e os barretes são de quatro cantos com pega ornamentada. Junto da cátedra avistam-se duas maças de prata.
Fonte: pintura na parede da sacristia da igreja de Santo Tomás de Palma (século XVIII?), cidade do México

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Borla ou barrete doutoral laureado de Teologia e Cânones (branco e verde) próximo do tipo pombalino usado pelos lentes doutorados na Universidade de Coimbra (pileus rotundus). Esta insígnia pertence ao enxoval de festa de Santo Ivo, da Ordem Franciscana de Ovar/Portugal e apenas costuma ser exibida sobre uma almofada junto aos pés da imagem nos dias de festa e na procissão anual das cinzas. Nesta fotografia, capturada na internet, podemos constatar que o modelo de barrete era semelhante ao da imagem existente na Ordem Terceira da cidade do Porto (cujo paradeiro desconheço), mas morfologicamente diferente do existente da Ordem Terceira de Vila do Conde. Este exercício comparativo demonstra que o barrete exibido pela imagem de Santo Ivo da Ordem Terceira de Aveiro não é um barrete doutoral.

Imagem de roca de Santo Ivo (Aveiro), uma análise preliminar





Fotografias da imagem e enxoval de Santo Ivo Doutor, capelas de Santo António e São Francisco da Venerável Ordem Terceira de São Francisco, Aveiro, Portugal
Fotos digitais enviadas por João Baeta, 13.12.2014

Imagem de roca ou de vestir com manequim (boneco) em estrutura de maneira, com membros articulados e cabeça polícroma ornada com resplendor. Trata-se do jurisconsulto francês Santo Ivo, conhecido por Saint-Yves des Bretons ou Saint-Yves Helori (1253-1303). Detentor de grau académico, costuma ser representado com insígnias de doutor em Sagrada Teologia (branco) e Direito Canónico (verde), embora também se possam encontrar antigas figurações portuguesas e espanholas com as cores científicas de Direito Canónico (verde) e Direito Civil (vermelho), como acontece na imagem que visualizei em Mafra. Santo Ivo é considerado o patrono dos juristas europeus. À sua festa anual concorrem magistrados e advogados de toda a Europa com as suas vestes talares e coberturas de cabeça.
Esta imagem de Santo Ivo corresponde a padrões de figurações compagináveis com a gramática escultórica dos séculos XVIII e inícios do século XIX. Quanto ao enxoval, que apenas conheço pelas fotografias, não escondo as minhas muitas dúvidas. Quanto a elementos mais recuados, apenas reconheço o capelo doutoral verde e branco e os sapatos de fivela. Os calções pretos foram substituídos por calças compridas de fraque, listadas, peça que destoa fortemente do conjunto indumentário. A volta branca está correcta. A batina é de um corpo, de tipo talar, munida de carcela frontal dupla, a interior e a ornamental. Os pespontos, os botões e o caseado ornamental indiciam tratar-se de uma réplica relativamente recente. Seria necessário analisar medidas, costuras e saio posterior para chegar a conclusões mais objetivas. A capa talar, que também me parece ser réplica recente de modelo mais antigo, apresenta cauda, não tem rebuço nem estolas, integrando-se na tradição do mantéu talar ibérico, ainda hoje usado pelos lentes da Universidade de Coimbra. O barrete quandrangular causa-me estranheza por não corresponder minimamente ao barrete laureado dos doutores de Coimbra, sendo antes um barrete de padre ornado de cristas e pompom. Será que o barrete doutoral desta imagem ficou de tal maneira danificado que não foi possível a sua conservação? O tipo de barrete próprio desta imagem e condizente com o capelo, seria armado em cartão, redondo, com pega alta e láurea de seda em verde e branco, muito semelhante ao que existe no enxoval do Santo Ivo de Ovar, e do que existia na Ordem Terceira do Porto (cujo paradeiro me foi dado por desconhecido em 2012). O capelo doutoral em veludo verde e seda branco está correcto, correspondendo ao modelo de duplas murças que se usou nas universidades ibéricas e latino-americanas do México e de Lima. O que me parece menos conseguido é o capuz posterior e a ornamentação em passamanaria. Esta parece corresponder a um trabalho artesanal barroco, mas pouco aprimorado e sem as convencionais azelhas e alamares de abotoamento dianteiro.
Penso que houve uma sobreposição de peças do enxoval que são próprias da exposição diária da imagem com peças que apenas eram ostentadas em dias de festa. Comparando a imagem de Aveiro com a imagem sacra do Porto, verificamos que o Santo Ivo da Ordem Terceira do Porto tinha uma sobrepeliz com estola e barrete preto eclesiástico. A imagem de Aveiro apresenta o enxoval de festa com hábito talar conimbricense e capelo doutoral. Seria interessante analisar a configuração dos dedos da mão direita para averiguar se tem o dedo polegar aberto na posição de quem segura a pega ou florão da borla doutoral.
AMN

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

«Estudante de Coimbra», litografia de João Macphail, datada de 1841
Traje corporativo dos estudantes da Universidade de Coimbra e do Liceu de Coimbra, gravura polícroma enquadrada num trecho do claustro inferior dos gerais.
Após a extinção das ordens religiosas (1834) e dos colégios universitários ligados a estas congregações, o polimorfismo dos trajes académicos usados em Coimbra foi substancialmente reduzido, tendo prevalecido o hábito talar negro masculino de tipo abatina, sem prejuízo do hábito romano que era usado por lentes e estudantes da Faculdade de Teologia.
À data da sua publicação (1841 e não 1844 como mencionei noutro estudo), esta gravura deu origem a protestos alimentados por estudantes simpatizantes dos ideais anticlericais e da laicização do ensino público. Na revista Literária, Vol. IX, 1842, um alvitrista anónimo "B", critica entre outros pormenores as "falsas casas da loba (...) são de chimarra de padre ou formigão" (=estudante seminarista), referindo ainda desencontros entre calças compridas e calções e o livro metido na mão em vez de debaixo do braço ou mesmo no gorro. O protesto do autor encerra algum desconhecimento, pois loba talar e abatina eram vestes morfologicamente muito distintas no corte e no sistema de fechamento. O traje de abatina já tinha sido usado em Portugal no Real Colégio dos Nobres (Lisboa), foi até 1851 o traje de cerimónia da corte pontifícia (em pano de seda, evidentemente) e era usado por pastores protestantes e prelados no mundo católico e anglicano.
Agradeço a João P. Baeta o envio de dados adicionais sobre este documento.