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sábado, 24 de agosto de 2013

Insígnias doutorais de Cânones no enxoval de Santo Ivo

Foto 1: Coxim processional com as insígnias doutorais de Santo Ivo, respetivamente borla e capelo conforme o modelo barroco usado na extinta Faculdade de Direito Canónico da Universidade de Coimbra.
Peças de indumentária do enxoval de Santo Ivo da Bretanha, imagem de roca do expressivo acervo da Venerável Ordem Terceira de São Francisco, Museu das Cinzas, cidade de Vila do Conde, Portugal.
Créditos fotográficos: fotografias captadas no local em 2013
Estado de conservação da imagem de roca: muito bom
Condições técnicas de acondicionamento: bom
Capacidade de evacuação em caso de sinistro: deve ser melhorado
Estado de conservação da indumentária: bom (beca e estola)
Estado de conservação das insígnias: sinais de desbotamento provocados por elementos naturais durante as saídas processionais (chuva, humidades), secura e desintegração
Recomendações: encapsular o conjunto original, evitar o manuseamento direto (usar luvas) e as saídas processionais; estudar hipótese de encomendar réplica fiel;
Valor atribuído ao conjunto: excecional interesse artístico e patrimonial, não estando mapeado até ao momento em Portugal trabalho semelhante.
Referência técnica: esta borla doutoral vem referenciada em AMNunes, «Identidade(s) e moda. Percursos contemporâneos da capa e batina e das insígnias dos conimbricenses» (2013), com base na informação presente num vídeo da última procissão das Cinzas disponível no youtube. A visita ao Museu das Cinzas revelou a (surpreendente) existência de conjunto completo.

Foto 2: Frente da sobremurça que constitui o capelo doutoral, pano de seda verde muito desbotada e ressequida. Ornamentação peitoral com quatro rosáceas, duas em cada peitilho (e não três, como era mais corrente nas bordadeiras ativas em Coimbra).

Foto 3: Feitio do capuz dorsal e ornamentação dos peitilhos da murça interna com dois jogos de três rosáceas (total de seis), estando bem visível as azelhas.

Foto 4: O capelo doutoral aberto com a murça interna, o capuz e, na frente superior, a sobremurça. Veludo verde de padrão floral. Os antigos capelos doutorais das universidades ibéricas e iberoamericanos eram de duas murças sobrepostas e capuz dorsal, podendo ser abertas na frente com carcela ou integralmente fechadas. O capelo de duas murças lembra o fanon papal. Raras serão na atualidade as universidades que usam capelo de romeira dupla: em todo o caso, salientamos Coimbra e Minho (Portugal) e a maior parte das universidades brasileiras que seguem a tradição de Coimbra. Em Espanha, apresentam estrutura dupla os capelos (mucetas) pretos dos reitores das universidades públicas e privadas, abotoando estes com carcela de botõezinhos.
Outros nomes: muceta, mozetta, mozette, romeira, pélegrine

Foto 5: Chapéu de verão de imperador chinês, armado em brocado com pega superior e capela franjada a toda a volta do fundo. Um chapéu doutoral próximo deste modelo está documentado nos séculos XVI/XVII na Universidade de Alcalà de Henares (atual Complutense).

Foto 6: Ornamentação de chapéu de inverno de alto dignitário do império chinês
A pega e o fundo falso apresentam semelhanças com a técnica de confecção de barretes doutorais usados nas universidades de Espanha, Portugal e vice-reinos da América espanhola (México e Perú). Neste exemplar, a franja de seda apenas cobre o fundo, mas existem espécimes sinalizados em que a franja é aplicada a toda a volta da ilharga.

Foto 7: Vista superior-lateral do barrete doutoral de Direito Canónico mostrando a franja comprida. Na mesma época, em universidades latino-americanas, a franja do barrete académico chega quase aos ombros do graduado, confirmando a tradição das coberturas de cabeça de aparato próprias para exibição em cavalgadas e cortejos solenes. Hoje em dia, nos barretes doutorais da Universidade de Coimbra, observa-se um encolhimento da franja, opção que desfeia o barrete e não justifica o exorbitante preço que lhe anda fixado.

Foto 8: Vista superior do barrete doutoral com o fundo falso ornamentado com florinhas, a pega ou florão de bolbos de madeira revestidos, o galão de simples fiapos e a láurea de aparato com franjas torsas e 15 borlas de pingentes florais. Apresenta sinais de desbotamento e a parte superior da pega carece de consolidação. Trabalho artesanal barroco datável de finais do século XVIII, inícios do século XIX, anterior ao modelo  que já documentámos no Santo Ivo que se venera na igreja do Carmo/Coimbra.

Foto 9: Base cilindriforme do barrete doutoral em cartão forrado de pano de seda verde-esmeralda. Une ao fundo falso com um cordão e não com parafuso. A pega superior e as franjas são aplicadas numa copa falsa, seguindo uma técnica de confecção próxima da utilizada nos chapéus de inverno dos antigos imperadores da China e altos dignitários tibetanos.

Foto 10: Interior da estrutura cartonada e forrada do barrete doutoral, não se vendo neste exemplar o parafuso tradicionalmente usado nas oficinas de passamanaria de Coimbra para unir a copa do barrete ao fundo falso, que atravessa toda a estrutura da pega.

Foto 11: Imagem da borla e do capelo integrantes do enxoval de Santo Ivo, Museu das Cinzas da V.O.T.S.F/Vila do Conde. Primorosa confecção artesanal, pode ter sido encomendada a bordadeira de Coimbra, do Porto ou mesmo de Braga. Admito que este modelo fosse mais próximo do existente na V.O.T.S.F. do Porto, mas infelizmente as fotografias disponíveis não permitem chegar a qualquer conclusão. Em todo o caso, é um modelo morfologicamente distinto do que já sinalizei no Santo Ivo de Mafra. Três importantes curiosidades a assinalar no conjunto de Vila do Conde: 1) perímetro da copa do barrete mais pequeno, solução que confere ao barrete doutoral um aspeto arredondado; 2) forro do capelo em veludo de padrão floral descontínuo; 3) o número de rosáceas aplicadas nos peitilhos da sobremurça é inferior ao da murça interna.

Foto 12: Santo Ivo, plano superior da beca e resplendor. O feitio da sobremanga, muito curtinho e plissado, prova que a beca não é de confeção anterior às décadas de 1960-1970. A estola vem pelo menos do século XIX.

Foto 13: Santo Ivo fotografado de lado. Embora todas as imagens de roca do Museu das Cinzas da V.O.T.S.F./Vila do Conde estejam visíveis a quem circula na sala, nem todas apresentam acesso frontal direto. Esta situação coloca problemas em matéria de plano de evacuação. No caso de Santo Ivo, para limpar, retirar ou recolocar a imagem é necessário entrar por uma porta à direita do expositor e caminhar de lado com alguma dificuldade e bastante cuidado. Imaginando um cenário de catástrofe, caso ocorresse uma infestação de traças nos enxovais ou um incêndio nocturno, seria difícil conseguir remover as imagens para local seguro com rapidez.

Foto 14: Imagem de roca de São Ivo/Santo Ivo da Bretanha em exposição na vitrina. Apresenta nas imediações da base do andor quatro urnas douradas com palmitos verdes ornados de laços, idênticos aos que observamos no Museu da V.O.T.S.F. de Ovar. Podem ter sido confeccionados manualmente na mesma oficina de passamanaria ou podem ter sido copiados localmente. Uma das caraterísticas predominantes na arte sacra é a replicação estável de modelos a partir de imagens e de gravuras! A maioria das imagens processionais de Santo Ivo que conheço veste hábito talar religioso, que vai da túnica franciscana ao hábito talar dos lentes da Universidade de Coimbra. Nesta imagem do Museu das Cinzas de Vila do Conde, Santo Ivo traja uma beca talar de juiz, completada por estola bordada a ouro, que não me parece ser propriamente antiga. Só estudando o enxoval da imagem nos arquivos da V.O.T.S.F. seria possível perceber se este Santo Ivo sempre vestiu hábito talar judiciário ou se inicialmente vestia de lente de Coimbra. O extraordinário interesse desta imagem reside não na beca mas nas insígnias de doutor em Direito Canónico que exibe aos pés, conjunto completo, composto por borla e capelo, conforme usança na Universidade de Coimbra, num verde esmeralda já muito desbotado, num surpreendente e notável trabalho de passamanaria barroca. Creio que estas insígnias ainda costumam ser levadas aos pés da imagem quando o santo sai em procissão, mas dado o preocupante estado de fragilidade em que se encontram, é altamente recomendável que não sejam expostas a condições ambientais adversas.

Foto 15: Insígnias do governo da Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Vila do Conde/Portugal
Conjunto de varas altas, afeiçoadas em torno e pintadas de preto, sendo cada uma encimada por remate dourado com brasão e comportando o número de anéis próprios de cada hierarquia: ministro, três anéis, vice-ministro, dois anéis, irmãos, um anel. Estas insígnias eram exibidas em todas as solenidades e procissões públicas, devendo os membros da V.O.T.S.F. vestir túnica e capa castanha de lã. As túnicas cairam em desuso na maior parte das irmandades e confrarias entre as décadas de 1920-1930, tendo-se apenas mantido as capas. Existem ainda em algumas irmandades umas varas curtas de madeira, de tipo bastão, que podem ter ornatos pintados e em prata, que são levadas na frente dos andores pelos mordomos. Com varas se faziam e fazem os governos das procissões, competindo aos irmãos destacados para o papel de mestres de cerimónias garantir o ritmo da marcha, as paragens, as distâncias entre os andores e as precedências.
A V.O.T.S.F./Vila do Conde guarda o seu acervo no Museu das Cinzas numa sala anexa à igreja de São Francisco, concebida para fins custodiais e expositivos pelo Eng. Eça Guimarães. O património expressivo do referido museu é constituído pelas imagens de roca, no geral de altura superior à natural, que estão expostas com os seus enxovais de festa em vitrinas fechadas. Este conjunto é bastante completo, embora lhe falte o São Francisco prostrado nas silvas. O São Ivo da Bretanha, patrono dos juristas, é repleto de interesse artístico e patrimonial. Os andores apenas saem em procissão quaresmal de anos a anos, segundo nos foi explicado por razões de ordem financeira, sendo rara a oportunidade de assistir à festa pelos visitantes e estudiosos.
Agradecimentos: uma palavra de agradecimento ao Museu das Cinzas da V.O.T.S.F./Vila do Conde, e muito em especial ao Sr. Fernando Aguiar pela valiosa informação prestada e pelo cativante humanismo que põe nas suas falas

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Retrato a óleo de São João Nepomuceno com hábito talar franciscano e o barrete doutoral barroco de Teologia da Real e Pontifícia Universidade do México, século XVIII, México.

Convite oficial da Exma. Presidente do TJERJ para a solenidade de lançamento do Carimbo Comemorativo dos 25 Anos do Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que terá lugar no edifício do MJERJ em 23.08.2013

domingo, 18 de agosto de 2013

São Cirilo de Alexandria com um grupo de sábios e doutores. Presença de pelo menos três barretes doutorais hispânicos. Tela de proveniência não identificada.

Beato Juan Duns Scoto, sermão em defesa da imaculada conceição de Maria. Tela a óleo existente na capela da Ordem Terceira de São Francisco/Convento Franciscano de São Gabriel/San Pedro Cholula/México.
Fotografia de Tacho Juárez Herrera. Pintura do século XVIII, regista diversos doutores com borla e capelo de Teologia. O capelo é duas murças. O barrete é armado com capela de passamanaria branca.