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terça-feira, 14 de maio de 2013

Coroa do império de São Brás, ilha Terceira/Açores
Trabalho de ourivesaria de bom nível artístico, consubstanciado em coroa, cetro e prato, tudo em prata finamente trabalhada. Profusa ornamentação barroca, patenteando a coroa seis imperiais afeiçoados no estilo das cúpulas gomadas setecentistas com a charola superior abatida (curva e contracurva).

Coroa do Divino Espírito Santo da paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Lagoinha/Brasil
Apresenta dois curiosos elementos pré-barrocos: imperiais encimados por orbe cristão e cruz; pomba fixada num sobrecéu interior.
O fato de apresentar seis hastes de prata leva-nos a perguntar se não será obra feita nos séculos XIX/XX.

Coroa magiar, dita de Santo Estevão, fabricada por volta do século X, preservada no Parlamento de Budapeste. Uma ilustração da presença de nervuras superiores, quatro braços ou imperiais que formam um sobrecéu e rematam com cruz encimante.
Embora não fossem usadas na Península Ibérica, as coroas com imperiais e o orbe não eram desconhecidos dos ocidentais. Em Portugal e no Brasil as coroas do Espírito Santo acompanharam com maior ou menor capacidade de atualização a evolução artística da coroa dos monarcas reinantes. As mais antigas, de que não conheço exemplar, terão replicado o modelo consagrado entre finais do século XVI e inícios do século XVII, com quatro imperiais singelos e abatidos. O orbe com a pombra de asas abertas ainda não era obrigatoriamente disposto no ponto de convergência dos quatro braços. Poderia constituir uma peça separada que se transportava sobre um coxim e exibia no ato da coroação ou ser fixado no interior da coroa com quatro finas varetas de prata. Dado curioso, nenhuma das coroas do Espírito Santo que chegaram ao presente exibe o orbe à portuguesa, em conformidade com a iconologia manuelina. Com efeito, foi no reinado de D. Manuel I que se começou a usar o globo ou "spera mundi" centrada num bastão rematado por charola de envoltas metálicas.  

Imagem de uma coroa do Divino Espírito Santo preservada por uma família particular no sítio do Paiol (Alenquer/Portugal) e ultimamente reintegrada nas festividades do Espírito Santo (imagem disponível em http://www.cm-alenquer.pt/).
Formato troncónico invertido, com a base mais estreita, definida por cercaduras, e aro superior mais largo, graciosamente recortado e ornamentado com motivos florais e ramos entrelaçados. Assente em salva lavrada, ainda sem pedestal. Caso não seja obra revivalista tardia, pode tratar-se de uma coroa de tipo régio do século XVI, próxima do modelo usado por D. Manuel I e D. João III. Uma análise mais minuciosa do perímetro do aro inferior pode eventualmente confirmar se se trataria de uma insígnia própria para a coroação de meninos imperadores.
Não apresenta cetro, orbe ou imperiais, ornamentação que se tornará apanágio das coroas barrocas e rocaille, incluindo os modelos brasileiros diretamente inspirados na coroa imperial de D. Pedro I (1822).

Coroa do Divino Espírito Santo dos Cedros (ilha do Faial/Açores) guardada na igreja paroquial local e usada até ao século XX nas cerimónias de coroação dos imperadores.
Datável dos séculos XVI/XVII, trabalho artesanal em prata batida com figurinhas engastadas. Aro inferior delimitado por duas molduras paralelas e preenchido com abundante figuração vegetalista à base de flores abertas. Aro superior alteado, ornamentado com cabos, flores de lis e folhagens abertas. Na parte frontal, símbolos do Espírito Santo dispostos num medalhão ovalado.
Esta coroa é uma das mais antigas atualmente conhecidas em Portugal. Conquanto associada a um relato local de ataque de piratas mouros às ilhas, não apresenta sinais evidentes de ornamentação mourisca.

Coroa régia do Divino Espírito Santo de Aljezur (Algarve/Portugal), em depósito no Museu de Arte Sacra Monsenhor Manuel Francisco Pardal, proveniente da igreja do Espírito Santo de Aljezur. Datável dos séculos XV-XVI (?). Imagem divulgada em http://arquivodaljezur.blogspot.pt/2010/11/coroa-do-espirito-santo-exposta-no.html.
Trabalho (local?) artesanal rudimentar em prata batida e recortada. Desenhos esquemáticos de florinhas de quatro pétalas no aro inferior e flores abertas no aro superior com pedúnculos espiralados. Os recortes não apresentam sinais de trabalho de polimento.
Poderá tratar-se do mais recuado exemplar conhecido em Portugal de coroa do Espírito Santo, apontando para modelos reproduzidos a partir da função de Alenquer, aqui já com o aro superior a acusar uma altimetria inexistente nas coroas mais antigas do período dionisino/isabelino. Provado que a coroa do jacente tumular de D. Dinis, existente no mosteiro de Odivelas, não pode tomar-se por documento fidedigno (Cf. Carla Varela Gomes - "O bom rei sabe morrer", http://www.academia.edu/1140782/_O-Bom_Rei_Sabe...), resta a coroa da arca tumular da rainha Santa Isabel (mosteiro de Santa Clara-a-Nova, Coimbra) que é de aro expressivamente baixo, podendo-se ainda tomar-se como referência complementar as dos jacentes de D. Pedro I e Inês de Castro (mosteiro de Alcobaça).
Estamos muito distantes do imaginário imperialístico, cujas coroas apresentarão quatro imperiais em forma de nervuras, cruz e globo terrestre. As primitivas coroas eram de tipo régio, em prata, ou em prata dourada, e não apresentavam símbolos incisos do Espírito Santo.

domingo, 12 de maio de 2013

Custódia do Divino Espírito Santo do império de São João d'El-Rei, Brasil, fabricada em 1868 por Manoel Pereira Maya. Esteve guardada longos anos no altar-mor da igreja do Senhor Bom Jesus. Imagem disponível em http://www.familiagocalves.com.br/igreja/
Custódia em metal policromado com base, fuste, resplendor dourado e encimado por cruz, e centro inscrito em céu delimitado por anjinhos e nuvens. Apresenta a pomba de asas abertas, dois cetros cruzados e uma coroa inspirada nas insígnias da casa real brasileira.
Em gravuras de Débret, as irmandades brasileiras do Espírito Santo saem em peditório com custódias cujo desenho e ornamentação não eram claramente percetíveis. Em Portugal as insígnias da coroa eram constituídas pelos seguintes elementos:
a) pendão processional (Eiras, Tomar, Alenquer, Sintra);
b) bandeira da folia;
c) bandeira do mastro da casa;
d) bandeira ou estandarte da coroa;
e) estoque imperial;
f) coroa e cetro;
g) varas dos mordomos e oficiais (Açores, Brasil);
h) as braçadeiras e laços de peito ou de braço (Açores, Penedo, Alenquer noutros tempos);
 i) opa vermelha (antiga veste dos irmãos e dignitários);
j) as toalhas bordadas (presas entre o ombro e o flanco, como faixas, ilha de São Jorge, Açores).