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quarta-feira, 6 de março de 2013

Masterclass sobre vestes judiciárias

Por AMNunes

Inicie o seu estudo com uma recolha prévia de gravuras e fotografias sobre as vestes judiciárias existentes no seu país. Recorra a arquivos, bibliotecas, imagotecas, fototecas, museus, Ordem dos Advogados, galeria de retratos de presidentes de tribunais. Consulte e reproduza legislação do século XIX que possa conter regulamentação do traje talar. Contacte tribunais instalados no século XIX e procure obter reproduções de retratos de magistrados. Solicite a tribunais seus vizinhos fotografias de vestes profissionais. Constitua um dossiê de trabalho ou uma base/banco de dados online para partilha com outros colegas. Obtenha antigos manuais de alfaiataria com descrições e desenhos técnicos. Localize reportagens sobre magistrados e vestes talares em revistas ilustradas da Belle Époque (ca. 1880-1914). Pesquise algumas fotobiografias de jurisconsultos ilustres e livros de memórias que possam conter alusões às vestes profissionais (ex: Albino José Barbosa de Oliveira – Memórias de um magistrado do Império. São Paulo: Companhia Educação Nacional, 1943). Recolha informação em memórias históricas de antigos tribunais de fundação anterior a 1822 como o Tribunal da Relação de Pernambuco. Veja Maria de Lourdes Rosa Soares Campos (coordenação) – Memória judiciária de Pernambuco. Desembargador José Ferraz Ribeiro do Valle. Recife: Tribunal de Justiça de Pernambuco/Centro de Estudos Judiciários, 2009, disponível em WWW: http://www.tjpe.br/cej/Livros/Livros_06_JoseFerrazRibeiroValle.pdf>.

 EXERCÍCIO 1
A primeira sessão tem como objectivo principal constituir um dossiê de apoio ao trabalho do cerimonialista. Pretende-se elaborar um índice cronológico dos diplomas que nos séculos XIX e XX publicaram disposições sobre as vestes talares judiciárias e insígnias. Neste exercício de sinalização, é importante distinguir entre diplomas gerais (comuns a todo o país) e normativos publicados a nível de um Estado ou de um tribunal superior.

Exemplos:
Lei de 18 de Setembro de 1828: cria no Rio de Janeiro, em substituição da Casa da Suplicação (fundada em 1808) o Supremo Tribunal de Justiça, instituição instalada a 20 de Janeiro de 1829, de que é herdeiro o STF.
o artigo 1.º refere expressamente que os conselheiros (=ministros) usarão beca talar (é o modelo de dois corpos à portuguesa) e capa talar, tradição ainda hoje mantida no STF, apesar de a beca ter passado a ser confeccionada num corpo único (ainda mantém o fechamento de trespasse e o cinto).

 Decreto de 3 de Janeiro de 1833: regulamenta os tribunais superiores de 2.ª instância ou apelação, designados por tribunais de relação. A beca dos desembargadores é de porte obrigatório, podendo estes usar capa talar, caso fossem detentores do título de conselho. Os oficiais de justiça e demais serventuários usariam sobre a indumentária preta civil uma capa preta e volta branca de tipo clerical. De salientar que estas disposições são rigorosamente iguais às publicadas na legislação portuguesa da época.
Decreto n.º 1.326, de 10 de Fevereiro de 1854: dispõe sobre as vestes profissionais dos diversos agentes judiciários, incluindo juízes, representantes do Ministério Público e funcionários de Justiça. No essencial é mantida a tradição vestimentária de origem portuguesa, incluindo a capa dos funcionários/servidores dos tribunais superiores e não superiores.

 Decreto n.º 1.431, de 15 de Junho de 1893: dispõe sobre as vestes dos pretores.
Decreto n.º 2.464, de 17 de Fevereiro de 1897: disposições republicanas sobre a organização judiciária. Mantém em vigor, no essencial, os artigos do Decreto n.º 1.326, de 10 de Fevereiro de 1854, sobre as vestes das magistraturas togadas, advogados e funcionários dos tribunais. Disponível em WWW: http://ww2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-2464-17-fevereiro>.

  • na Secção VIII, artigo 40.º, Do vestuário dos juízes e outros funcionários, enuncia-se:
  • alíneas 1) e 2), é mantido para os juízes de Direito e para os desembargadores o mesmo vestuário corporativo consagrado em 1854;
  • alínea 3), para pretores, o vestuário profissional é o declarado no Decreto n.º 1431, de 15 de Junho de 1893;
  • alínea 4), para o Procurador Geral, o vestuário continua a ser o mesmo consagrado em 1854, com gravata (plastron?) para promotores públicos, curadores e subprocuradores;
  • Parágrafo único, “Os secretários da corte de apelação e do tribunal civil e criminal usarão da capa que usavam os antigos secretários das relações”.
Decreto n.º 24.236, de 14 de Maio de 1934. Dispõe sobre as vestes talares dos desembargadores da Corte de Apelação do Distrito Federal, clarificando disposições do Decreto n.º 1.326, de 12 de Fevereiro de 1854. Pormenoriza o sentido da letra do Regimento de 2 de Junho de 1924 sobre as vestes e insígnias da Corte de Apelação do Distrito Federal. Disponível em WWW: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=21631>. O normativo terá sido publicado com desenhos de apoio à confecção.

  • o traje oficial dos desembargadores é constituído por “beca”, “capa” e “barrete”;
  • a beca era uma veste talar preta de dois corpos sobrepostos: a “batina”, em forma de túnica, com mangas, abotoada verticalmente na frente com uma fileira de botõezinhos (carcela dita à francesa), descendo até aos pés; a “capa”, isto é, a antiga garnacha portuguesa, do mesmo comprimento, sem mangas, com sobremangas, duas bandas dianteiras, cabeção dorsal e amplo saio traseiro plissado;
  • o barrete, mais conhecido por capelo, de configuração troncónica, revestido de veludo preto, com dois galões de cordão trançado vermelho;
  • como acessórios um cinto (faixa) preta pregueada, apertada na frente com fivelão metálico, um cordão com duas borlas pendentes sobre o peito, em vermelho, uma gravata de renda de estilo barroco (jabot) e punhos de renda.
Regimento Interno do STF, de 1940, publicado no Diário da Justiça, Ano XV, n.º 48, de 28 de Fevereiro de 1940. Disponível em WWW: http://www.stf.jus.br/ARQUIVO/NORMA/REGIMENTOINTERNO1940.pdf>.

  • o Capítulo III, artigos 77.º a 84.º dispõe sobre os actos solenes e as precedências (a não perder);
  • o artigo 288.º refere expressamente que o secretário e o subsecretário quando tiverem de comparecer em actos solenes usarão a capa dos antigos meirinhos e oficiais de justiça sobre fato preto civil. Os demais funcionários usariam uniforme a designar pelo Presidente;
  • de acordo com a letra do artigo 2.º, a veste profissional dos ministros continuava a ser a beca, a capa talar e o barrete, conforme disposições contidas no Decreto do Supremo Tribunal, de 1 de Julho de 1908.
Código Judiciário do Estado do Pará, Lei n.º 5.008, de 10 de Dezembro de 1981. Pará: Poder Judiciário/Tribunal de Justiça do Estado do Pará, disponível em WWW: http://www.pge.pa.gov.br/files/u13/Codigo_Judiciario_do_Estado_do_Para.pdf>. Normativo estadual, no seu artigo 301.º dispõe sobre “Trajes e insígnias no Estado do Pará:

  • a toga preta talar é de uso obrigatório nas sessões do tribunal, completada com capinha de arminhos fixada no ombro esquerdo e faixa (cinto) branca com borla na mesma cor;
  • o Procurador Geral usa “beca” (sic) igual e capinha de arminhos no ombro direito;
  • os juízes de Direito usam toga preta talar com gola revestida de arminhos, que descem até à abertura do peito, faixa branca com borla;
  • os pretores usam toga preta talar, com gola guarnecida de arminhos, faixa branca com borla;
  • os advogados usam “beca” preta talar com gola avivada a vermelho, faixa branca e borla. Se forem provisionados, a faixa e a borla são de cor preta;
  • os auditores, os promotores, os advogados de ofício, os escrivães e oficiais do foro militar usam os uniformes militares a que têm direito.
Leitura aconselhada:

Tableau des Costumes Judiciaires, França, aprovado pelo Code d’Organization Judiciaire de 1978, WWW: http://www.ca-paris.justice.fr/art_pix/tableau.pdf>.
Reglamento 2/2005, de Honores, tratamientos y protocolo en los actos judiciales solemnes. Acuerdo de 23 de noviembre de 2005, del Pleno del Consejo General del Poder Judicial (Espanha), publicado no BOE, n.º 302, de 19 deciembre 2005, pp. 41404-41413. Disponível em WWW: http://www.boe.es/boe/dias/2005/12/19/A41404-41413.pdf>.
Regulamento do Trajo Profissional. Deliberação n.º 3/97, de 25 de Outubro, da Ordem dos Advogados de Moçambique. Com desenhos anexos. Disponível em WWW: http://www.oamoz.org.legislacao/REGULAMENTO%20Do/TRAJO%20PROFISSIONAL.pdf>.
Regulamento do Traje e Insígnia profissional, n.º 31/2006, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados (Portugal), publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 81, de 24 de Abril de 2006. Disponível em WWW: http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=30819&idsc=25368&ida=44699>.

 EXERCÍCIO
Na sessão de hoje vamos consolidar conhecimentos práticos ao nível do preenchimento de uma ficha de inventário/tombamento de uma veste talar. Escolha como objecto de estudo uma toga conservada no museu do tribunal onde trabalha ou solicite colaboração a um magistrado aposentado.
Precisa de uma fita métrica, de uma máquina fotográfica e de um bloco para notas (caderno de apontamentos).

 PATRIMÓNIO VESTIMENTÁRIO: INVENTÁRIO/TOMBAMENTO DE PEÇAS E CONJUNTOS
FICHA N.º: atribuir um código numérico por ordem crescente às fichas de trabalho
DESIGNAÇÃO OFICIAL: escrever o nome técnico da veste
DESIGNAÇÃO COMUM: escrever a designação popularizada
LOCAL DE ORIGEM: registar a origem geográfica deste modelo (veste considerada de origem francesa; modelo espanhol popularizado no Brasil)
AUTOR/CRIADOR: nome do artesão, quando conhecido (veste confeccionada pelo alfaiate João Madureira, com ateliê em…)
RADICAÇÃO GEOGRÁFICA: anotar a disseminação desta tipologia. Ex: este modelo de toga está amplamente implantado em Minas Gerais
LOCAL DE CONFECÇÃO:  espécime confeccionado em oficina de São Paulo
TÉCNICAS DE CONFECÇÃO: costura à máquina; aplicação manual de forro e botões forrados de tecido; técnica de vestir por medida (medidas tiradas em alfaiataria, corte por molde e provas); confecção em casa de pronto a vestir. Indicar dimensões em cm de cada parte componente. Ex: colarinho com 3cm de altura
MATERIAIS DE CONFECÇÃO: lã tingida de preto; cetim; acetinado; seda preta lisa; seda moiré; seda lavrada (brocado)
FUNÇÃO PRINCIPAL ACTUAL: veste profissional de juiz; veste profissional de advogado
FUNÇÕES SECUNDÁRIAS: representação corporativa da magistratura togada brasileira
DESCRIÇÃO DA PEÇA/CONJUNTO: toga de um corpo, constituída por 4 panos verticais costurados, 2 bolsos verticais metidos nas costuras laterais, colarinho sem gola, aplicação de franzidos nas costas…
DADOS HISTÓRICOS SOBRE A PEÇA/CONJUNTO: a capa dos juízes dos tribunais superiores, em cetim preto, generalizou-se no Brasil e em Portugal nas décadas de 1820-1830. Tem corte evasé, gola comprida (cabeção) e bandas dianteiras que podem ser bordadas.
CONTEXTOS DE USO: todas as actividades diárias e cerimónias no interior do tribunal. Em todas as cerimónias externas determinadas pelo presidente do tribunal
LEGISLAÇÃO DE SUPORTE: citar decreto, regulamento, regimento ou outro normativo que disponha sobre a veste talar
NORMAS E CRENÇAS ASSOCIADAS AO USO: os magistrados do século XIX acreditavam que se a capa caísse dos ombros durante o julgamento…
ACESSÓRIOS/INSÍGNIAS ASSOCIADAS: cinto preto de tecido com fivela de metal; plastron/jabot; luvas brancas de pele ou tecido; barrete (capelo)
PRESENÇA EM MUSEUS/EXPOSIÇÕES: existe exemplar completo e bem conservado no museu X; este espécime figurou na exposição Y que teve lugar em Santa Catarina no dia…; divulgado no site do museu e no catálogo…
AMEAÇAS À CONTINUIDADE DO BEM: o tecido das mangas da toga apresenta sinais de secura e escoriações resultantes de uso intenso
BIBLIOGRAFIA:
ANOTAÇÕES DO RECOLECTOR: segundo declarações prestadas pelo neto do juiz P, esta veste foi…
AUTOR DO REGISTO: Iolanda Matis, exercendo funções no…
DATA DO REGISTO: dia, mês, ano
IMAGENS: 1 foto de frente, 1 foto de costas, 1 foto de lado, 1 ou mais fotos de pormenores

EXERCÍCIO 3
Na sessão de hoje vamos realizar trabalho de campo. Deve trazer caderno para anotações, máquina fotográfica, fita métrica e gravador/ou máquina de filmar. Visitaremos uma alfaiataria de referência onde ainda é possível visualizar trabalho artesanal e recolher os testemunhos de artesãos.

Registe os nomes dos informadores, profissões, locais de recolha e data da realização do trabalho de campo.
TRABALHO DE CAMPO/RECOLHA DE PRÁTICAS E SABERES TRADICIONAIS
Questões a colocar:

  • n.º 1: quais as boas práticas para tirar medidas corporais com o objectivo de encomendar uma toga? a) tire as medidas trazendo vestido um traje de passeio completo com calças compridas e casaco/terno; b) se for mulher, deve tirar medidas mais largas, prevendo-se que possa vir a ser nos próximos anos juíza ou advogada gestante; c) a toga deve permitir ser vestida com à vontade sobre indumentária civil de verão e de inverno; d) tire as medidas para a altura da bainha com sapatos de meio salto/tacão; e) em circunstância alguma encomende uma toga com cintura e peito estreitos;
  • n.º2: quais são os tecidos mais aconselhados para a confecção da toga? a) escolha tecidos considerados nobres (seda, cetim, acetinado); b) escolha padrões têxteis apropriados às amplitudes térmicas entre verão e inverno (pense que pode não haver ar condicionado no seu tribunal); d) não aceite tecidos baratos que podem facilmente rasgar, perder a coloração de base ou confundir-se com fatos de heróis Marvel em licra usados no carnaval (se a veste do magistrado se assemelhar a um traje de carnaval, a imagem deste deixa de ser credível aos olhos dos cidadãos);
  • n.º 3: existem no ateliê de confecção antigos manuais de alfaiataria com desenhos técnicos do feitio da toga? a) recolher imagens através de fotografias ou filmagem;
  • n.º 4: existem no ateliê moldes de confecção de togas em papel com contorno de lápis de carvão ou giz? a) recolher imagens destes moldes;
  • n.º 5: o ateliê tem alguma toga pronta para venda, exposta em cabide ou em manequim? a) se sim, identificar uma por uma todas as partes constitutivas, incluindo o n.º de botões e registá-los sobre um croquis no caderno de anotações; b) fazer uma lista de palavras técnicas e pedir ao alfaiate o significado de cada uma;
  • n.º 6: que conselhos práticos dá o alfaiate relativamente a: a) lavagem da toga; b) lavagem a seco; c) prevenção antipragas (insectos, roedores); d) desidratação dos tecidos; e) eliminação de humidade e fungos;
  • n.º 7: qual o decreto, lei, normativa, regimento, que a casa de confecção utiliza para fundamentar o seu modelo de toga e insígnias?
Com base na observação directa e nos dados recolhidos, proceda à caracterização das seguintes tarefas que identificam saberes tradicionais ligados à arte de confecção das vestes talares:


Tarefas
Caracterização
Escolha do(s) tecido(s)
 
Tirar as medidas
 
Marcar a giz
 
Acertar as larguras com esquadro
 
Talhar os panos na mesa com tesoura
 
Alinhavar as peças
 
Fazer a 1.ª prova ao freguês
 
Acertar as costuras com giz e marcar as emendas com alinhavos brancos
 
Coser à máquina as costuras e pespontar
 
Voltar do avesso e abrir as costuras com ferro quente
 
Forrar as peças
 
Passar a ferro
 
Casear e pregar os botões
 

 Leituras aconselhadas:
Alessandra Savassa Gonçalves Keese – Conservação têxtil. A importância da preservação do património têxtil para a moda. São Paulo: UNISAL, 2006. Disponível em WWW: http://www.am.unisal.br/graduacao/moda/pdf/tcc2006/TCC_Alessandra_Keese.pdf>; Kátia Oliveira Bonifácio Albuquerque – Egrégia corte. Manual do cerimonial do Poder Judiciário. Maceió: Edições Catavento, 2009, pp.68-70;
Fausto Viana e Luz García Neira – Princípios gerais de conservação têxtil. Revista CPC, São Paulo, n.º 10, Maio/out 2010, pp. 206-233. Disponível em WWW: http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/cpc/n10/10.pdf>
Alexandra Ximena Miller Sickert – El traje como património cultural y el museo de la moda. Santiago/Chile: Universidad de Chile/Facultad de Artes, 2009. Disponível em WWW: http://www.cybertesis.uchile.cl/tesis/uchile/2009/ar-miler_a/pdfAmont/ar-miller_a.pdf>.

 EXERCÍCIO 4
Este exercício tem como objectivo proceder a uma análise fina de exemplares de vestes talares musealizadas ou acessíveis através de fotografias de época, retratos a óleo e outros suportes iconográficos.
No final do exercício, o formando deve estar em condições de acompanhar o processo de encomenda de uma toga e aconselhar técnica e esteticamente o magistrado encomendante.

 ANÁLISE ICONOGRÁFICA
Imagem 1: Feitio das costas da beca judiciária portuguesa. Veste talar de um corpo, tradicionalmente usada pelos juízes portugueses. Tecido monocromático, preto, com percentagem de lã (não é tecido de gala). Visível o cabeção dorsal, espécie de grande gola ou pala que cai pelos ombros e desce até à linha da cintura. Nas vestes de gala este cabeção podia ser bordado ou levar aplicações cosidas. A sobremanga, que nos modelos antigos descia até ao cotovelo, está reduzida a uma tira plissada cosida no rebordo superior do ombro. O saio posterior é amplo, fixado ao cós da cintura por um pregueado que confere à veste belo impacto visual.
Imagem 2: Lisboa, 1.9.2011, auditório do Conselho Superior da Magistratura Judicial. Cerimónia de tomada de posse dos juízes estagiários portugueses de 1.ª instância formados no 28.º curso. Com o ingresso das primeiras mulheres na magistratura em 1977, a antiga veste talar masculina foi convertida em unissexo. A beca portuguesa continua a manter a bainha inferior bastante comprida (ao contrário da tendência de outros países, onde a toga começa a subir exageradamente). O cordão de borlas e o cinto são pretos. Notam-se algumas variantes de confecção na fotografia: embora predomine a abotoadura tradicional de trespasse sobre o peito, há pelo menos uma beca com carcela vertical de botões de estilo francês. As coberturas de cabeça caíram em desuso em Portugal. Não são usados acessórios como punhos de renda branca, plastron/jabot ou luvas. No modelo feminino, o franzido do pano das costas é do tipo “favo de mel”/”casa de abelha”, seguindo a técnica das togas judiciárias italianas.

Imagem 3: Retrato de Edmundo Pereira Lins/Pai (1863-1944), que foi magistrado e jornalista, bem como ministro do STF (ao tempo sedeado no Rio de Janeiro) e seu presidente em 1931. Toga talar preta, de tecido de cetim, confeccionada num só corpo. Não são visíveis nem capa nem barrete. A toga parece possuir carcela vertical dianteira a meio do corpo. O peito é abundantemente trabalhado com carreiras de plissados, bem como parte superior dos ombros e zona das omoplatas. Colarinho sem gola, guarnecido de pele branca. As mangas abrem em boca de sino. Toga cingida por faixa/cinto de seda branca, com duas pontas caídas e roseta. Desconhecemos a origem deste modelo de toga que parece influenciado por modelos italianos, franceses e pela toga usada nas faculdades de Direito fundadas no século XIX no Brasil. A faixa de seda é claramente de importação francesa. Já seria usado em finais do século XIX. Este modelo ainda hoje é usado em diversos tribunais brasileiros. Fonte: Arquivo Público Mineiro, WWW: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/>
Imagem 4: retrato do juiz de Direito Dr. Henrique Auxêncio da Silva (1866-1920). Foi juiz na comarca de Conquista entre 1910-1914 e na de Itabuna (1916-1920). Toga de modelo semelhante à do juiz Edmundo Pereira Lins. Cinto de seda branca e colarinho semelhantes. Ostenta a mais um barrete cilindriforme preto cujo rebordo superior é guarnecido com pelo branco. Fonte: WWW: http://tabernadahistoriavc.blogspot.com/2011_09_01_archive.html/>
Imagem 5: Acto solene de posse dos desembargadores do TJRS, 23.5.2011
Imagem 6: Toga de padrão acetinado preto, de confecção e design excessivamente simplificados.
Imagem 7: Acto de posse de desembargadores, Estado do Ceará, 18.2.2011. Num caso concreto, toga com bainha demasiado curta. Em todas as situações, cordão vermelho excessivamente comprido (as borlas devem cair pela linha do diafragma). Fonte: WWW: http://www.oabce.org.br/multimidia/fotos/8>
Imagem 8: Cerimónia de posse no STF, Brasília. Confirmação do uso da antiga capa talar de juiz conselheiro/ministro dos tribunais judiciários de topo;
Imagem 9: Magistrado na cerimónia de posse da direcção do Tribunal de Justiça do Acre/Brasil, para o biénio 2011-2013 (29.2.2011). Confecção da toga talar de corpo único em tecido preto acetinado. Manga estreita, mantendo a antiga sobremanga. Dois acessórios de dimensão excessiva que podem ser melhorados: diminuir o tamanho do jabot para 1/3 e encurtar o cordão de modo a que as borlas não ultrapassem o rebordo superior da fivela. No essencial a veste continua a manter a tradição patrimonial portuguesa, não obstante a sua simplicação resultante da integração da carcela à francesa. Fonte: WWW: http://www.tjac.jus.br/noticias/noticia.jsp?texto=11706>
Imagem 10: Tribunal de Justiça do Acre. Uso de condecorações com a toga talar de gala e transporte do barrete na mão. Designado por “capelo”, o barrete é confeccionado em estrutura rígida forrada de veludo preto, com aplicação de 2 galões vermelhos e borla franjada na ilharga. Este modelo de barrete parece reflectir alguma influência francesa e italiana. O seu modelo mais próximo poderá ter sido o barrete doutoral da Universidad de la Republica, fundada no Uruguai em 1838. Cf. Imagem original no link WWW: http://virtualandmemories.blogspot.com/2010_06_27_archive.html>.
Imagem 11: Acto de juramento no Tribunal de Justiça do Acre. Magistrados com barrete/”capelo” posto na cabeça. Juramento de investidura à americana, com o braço levantado ou estendido. O juramento dos países do sul da Europa é feito com a mão direita sobre um livro (Bíblia, Corpus Iuris Civilis, Constituição), os mais antigos de joelhos, os mais modernos de pé.
Imagem 12: Jabot barroco com tira de fixação em torno do pescoço e 3 bofes de rendas ao gosto do século XVIII. Punhos de renda amovíveis. O jabot e os punhos não são parte integrante da toga e como tal devem ser postiços ou amovíveis. O jabot não deve passar abaixo da linha do diafragma.
Imagem 12: Jabot plissado com guarnição de renda fina;
Imagem 13: Luvas de tecido branco. Nas grandes solenidades os uniformes e vestes talares eram trajados obrigatoriamente com luvas brancas de tecido ou pele. Os modelos de luxo eram bordados manualmente. Nos contextos de luto oficial as luvas eram pretas;
Imagem 14: Os sapatos de grande gala eram em couro preto, de preferência envernizados, e ornados com fivela de prata. Caídos em desuso, ainda se podem observar nos juízes da Grã-Bretanha durante as solenidades realizadas em Londres.
Imagem: 15: Traje de gala de grande oficial da Corte Papal. O mesmo tipo de traje (capa e espada) era usado pelos servidores do Estado de Portugal nas solenidades públicas. O jabot, conhecido por bacalhau, e a capa de gala embainhada pela meia perna, integravam o traje dos funcionários de justiça dos tribunais portugueses e brasileiros. Este tipo de capa pode ser reconstituído e adoptado pelos cerimonialistas e servidores dos tribunais, usando-se sobre ténue de ville preta: tailleur com saia ou calça ou casaco/terno com calça. Outra solução poderá passar pelo estudo da tradição francesa e tribunais do Canadá de expressão francesa, territórios onde os funcionários de justiça usam uma toga preta semelhante à do advogado.
Imagem 16: Fotografia da cerimónia de posse dos novos desembargadores Gleide Pereira de Moura e José Teixeira do Rosário no Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 13.5.2010. O modelo de toga, com fartos plissados sobre o peito, ombros e parte superior das mangas, corresponde ao documentado no retrato de Edmundo Pereira Lins. Sobre o ombro esquerdo vê-se uma capinha preta orlada de pelo branco. Este tipo de capinha parece ter a sua origem numa insígnia semelhante usada no século XIX pelos professores da Escola Médico-Cirúrgica/Faculdade de Medicina da Bahia.
Imagem 17: Professores da Faculdade de Medicina da Bahia. De notar as profundas semelhanças entre este modelo de toga, e capinha de ombros, com togas e insígnias adoptadas em alguns tribunais brasileiros. Veste de 2 corpos sobrepostos, sendo o interior ajustado com cinto/faixa preto de pontas caídas e remate com 2 borlas. Jabot de renda fixado por papillon (lacinho de borboleta de seda branca). Fonte: Margarida de Souza Neves – Lugares da memória da Medicina no Brasil. Faculdade de Medicina da Bahia, WWW: http://www.historiaecultura.pro.br/cienciaepreconceito/lugaresdamemoria/faculdadedemedicinadabahia.htm>.

 EXERCÍCIO 5
O cerimonialista deve ser capaz de produzir informação crítica sobre os produtos publicitados nos sítios Web de alfaiatarias e casas de uniformes, de modo a optar de forma esclarecida pela casa de confecção que oferece melhores condições de qualidade. Pesquise dados sobre alfaiatarias, casas de uniformes e complete a tabela seguinte.
Considere:
  • Tipo de confecção (manufacturada/industrial)
  • Qualidade dos acabamentos (complexidade, rigor, solidez)
  • Efeito visual/versus anatomia corporal (trapezoidal, anatomicamente harmonizado, demasiado justo, demasiado curto)
  • Padrões têxteis (identificação dos tecidos)
  • Garantias (durabilidade, resistência ao uso, tecidos fracos)
  • Conformidade dos modelos com a legislação judiciária sobre vestes talares e insígnias
  • Rigor do vocabulário utilizado para identificar e descrever as vestes
Critérios de avaliação de vestes talares publicitadas em sites
 
Manifattura Scalella (Roma)
Alfaiataria de referência, especializada em uniformes, vestes judiciárias, vestes académicas e hábitos eclesiásticos.
Disponibiliza fotografias dos trajes.
Exemplifica togas de gala e togas de serviço.
Insere pormenores dos feitios de costas.
Inclui informação sobre barretes.
Falta de informação: descrição textual dos modelos, preços de base, normativos que regulamentam as vestes
Ateliê Marcelo Oliveira (Rio de Janeiro)
Publica fotos de 4 modelos de gala, 2 modelos de serviço, 1 veste de advogado, 2 modelos de barrete e 1 cordão de borlas.
Fotos com pouca qualidade, permitem ver frente costas.
Falta informação sobre normativos, tipos de tecidos, preços.
A veste de advogado é enquadrada por algum normativo ou é uma fantasia criada pelo ateliê?
 
 
 
 
 
 

EXERCÍCIO 6
Este módulo, de cariz prático, é realizado de parceria com uma/um estilista. Consiste na produção do desenho colorido da toga, frente, costas, mangas e pormenores (pregas, plissados, sobremangas, bolsos, ornamentação, carcela), na selecção dos padrões de tecido a utilizar e na elaboração do Projecto de regulamento da veste talar judiciária. O texto do regulamento deve conter parte preambular e articulado. O articulado identifica o autor do projecto, o nome do estilista, a data da aprovação oficial do projecto pelo presidente do tribunal, normas de uso, legislação oficial e orientações práticas sobre o modo de confecção. Indicar medidas em cm com máximo rigor. Detalhar os acessórios. Conceber os croquis 3D para divulgação no sítio Web.

 EXERCÍCIO 7
Adquiridos os conhecimentos mínimos sobre o que são, como se confeccionam, caracterizam e devem usar as vestes talares judiciárias, a masterclass encerra com um trabalho de projecto. Este trabalho consiste na concepção de uma exposição convencional em espaço físico (sala, corredor, galeria, museu) ou em ambiente virtual.
Passos fundamentais:
  • Escolha a equipa de projecto e o seu líder
  • Convide colegas de outros tribunais e especialistas na matéria
  • Se a exposição for itinerante, aprovar o cronograma de permanência e circulação entre os tribunais que integram o projecto
  • Seleccione a temática a tratar
  • Subdivida o tema nos módulos ou partes adequadas ao espaço disponível e ao nível de detalhe que pretende alcançar
  • Elabore os textos sobre a missão, visão, objectivos e lema do projecto
  • Delimite as balizas cronológicas do projecto (data mais recuada, data mais recente, subdivisões)
  • Faça um layout de ocupação do espaço atribuído à exposição
  • Elabore o cronograma de gestão do projecto, detalhando o tempo necessário à investigação, identificação de peças, empréstimos, transportes, celebração de seguros, formalização de autos de empréstimo, preparação do catálogo, reuniões com especialistas, concepção e montagem de cenários e audiovisuais, pagamentos a fornecedores, desmontagem, devolução de peças aos proprietários, eventual circulação/itinerância da exposição
  • Adopte um logo e divulgue o projecto na imprensa e no website
  • Aposte no merchandising associado à exposição