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sábado, 10 de novembro de 2012

Greve académica de 1892

«O Decreto-Palmatoria», caricatura de Bordallo Pinheiro relativa à greve académica de 1892, publicada n'O António Maria n.º 351, de 20.5.1892

Em cumprimento do regulamento disciplinar da Universidade de Coimbra, no dia 3 de maio de 1892 o guarda-mor levou à presença do Reitor António dos Santos Viegas um estudante do 3.º ano, que vinha acusado de estar à Porta-Férrea a dar canelão (empurrões e pontapés nas canelas) aos caloiros. O referido praxista foi condenado a passar 3 dias na prisão académica situada no colégio de São Boaventura. Logo se gerou descontrolada comoção entre os demais estudantes universitários que confundiam o regulamento disciplinar e a moldura das sanções aplicáveis com o extinto foro académico (tribunal privativo, com juiz próprio e cadeia). As penalidades mais odiadas, que recorrentemente originavam motins e sobressaltos na comunicação social eram a detenção preventiva na cadeia académica e a expulsão provisória ou definitiva (a que alguns estudantes mais exaltados chamavam pena de morte). Para conter os manifestantes e manter a ordem nas ruas da Alta, a polícia civil interveio e bastonou alguns dos estudantes que reclamavam a libertação do condiscípulo. Foi a gota de água. A Academia reuniu em assembleia magna no salão do colégio da Trindade e votou uma greve geral às aulas, decisão que ganhou expressão nos dias 6 e 7 de maio. Temendo uma chumbaria no final do ano letivo, os pais dos estudantes ficaram alarmados e instigaram os filhos a furar a parede (=greve). O governo, então chefiado por José Dias Ferreira (um antigo estudante e docente da FD/UC), recorreu a medidas drásticas, tendo ordenado o encerramento da Universidade e a saída de todos os estudantes não domiciliados na cidade de Coimbra no prazo de 24 horas. A ordem de evacuação, aplicada de anos a anos no decurso do século XIX, destinava-se a evitar desacatos e a prevenir atos de vandalismo contra o edifício da antiga Universidade. Pelo DECRETO DE 14 DE MAIO de 1892, chamado o "decreto da palmatória", o governo mandava reabrir as aulas e possibilitava aos estudantes a justificação das faltas mediante a apresentação de requerimento assinado por testemunhas. Diversos estudantes escandalizaram os seus próprios colegas, pois não desejando reprovar o ano foram à reitoria prestar falsas declarações. Dos grevistas, 46 não aceitaram requerer a justificação das faltas, tendo escrito um incendiado manifesto à opinião do País. Entre eles estavam os intransigentes Afonso Costa (Direito) e António José de Almeida (Medicina) que se viriam a distinguir como militantes da causa republicana.
Para quem estuda a história das instituições académicas, eis um bom exemplo das contradições que no período do liberalismo rodearam o regulamento disciplinar ou estatuto do aluno na Universidade de Coimbra:
1) raramente os estudantes assumiam que tinham violado as disposições do regulamento disciplinar; 2) quando repreendidos ou detidos pelo guarda-mor das escolas, os estudantes negavam os atos praticados ou tentavam relativizar a sua gravidade;
3) as medidas disciplinares preventivas e repressivas aplicadas pelo Conselho de Decanos eram frequentemente alvo de violentos protestos;
4) os estudantes alvo de medidas disciplinares procuravam mobilizar a seu favor a solidariedade dos demais estudantes, posto o que tentavam chegar à fala com os membros do governo;
5) ao contrário do que estudantes pensavem, os membros do governo não estavam interessados em dialogar diretamente com os académicos que se deslocavam a Lisboa;
6) nas situações de maior gravidade, o governo fazia policiar a cidade de Coimbra e o perímetro da Universidade por forças militares e pela polícia cívica (atual PSP);
7) gerava-se então um paradoxo de negação no discurso académico: negando legitimidade ao corpo de archeiros e ao Conselho de Decanos, os estudantes apelavam diretamente para o Conselho de Ministros/Ministério do Reino (que tinha a tutela da instrução pública); quando o governo mandava encerrar ou policiar a Universidade, os estudantes mobilizavam-se contra os piquetes militares e policiais dizendo que o reitor era um traidor porque tinha desrespeitado a antiga tradição de não se deixar entrar forças militares/policiais no pátio das escolas.

Os estudantes de Paris (1910)

Paris (1): estudantes com o "béret" (faluche, em veludo preto) e com o melão (chapéu de coco em feltro).

Paris (2)

Paris (3)

Paris (4)

Paris (5)

Paris (6)

Paris (7)

Paris (8): crónica de A. Ribeiro sobre os estudantes da Universidade de Paris em 1910.
Fonte: Serões n.º 65, Novembro de 1910

Em cima: grupo musical de amadores apresenta em Cuba, Alentejo, uma tuna masculina de inspiração estudantil.
Fonte: Ilustração Portuguesa n.º 698, de 7.7.1919