Virtual Memories

quinta-feira, 14 de junho de 2012

A "chaminé" das mulheres de Bresse

Chapéu de Bresse (2): trabalho de remate da chaminé com estofo de renda preta e flor armada com tiras debruadas.
Acervo dos Musées des Pays de l'Air

Chapéu de Bresse (2): aspeto da ornamentação da chaminé de latão fixada à aba e modo de guarnição do rebordo da aba. Ornamentação adicional com cordão e borlas.
Acervo dos Musées des Pays de l'Air

Chapéu de Bresse (3): exemplar oitocentista, Musées des Pays de l'Air

Chapéu de Bresse (5)
Antigo chapéu feminino de aparato e ostentação das mulheres de Bresse, França. Trata-se de um chapéu de aba plana, forrada de feltro preto, com uma copa de latão afunilada e forrada de croché artesanal. A aba é decorada na frente com um renda plissada, e nas costas e lados com um véu amplo que faz lembrar o rebuço das carapuças dos camponeses da Ilha de São Miguel (Açores). Aperta sob o queixo com uma fita.
Existem diversos exemplares deste chapéu, manufaturados no século XIX, nos Musées des Pays de l'Air/Bourg-en-Bresse, comunicados na base Joconde/Portail des Collections des Musées de France, http://www.culture.gouv.fr/public/mistral/joconde/.
Na atualidade, o interesse por este chapéu que denotava poder e riqueza alimenta ações de divulgação na internet e reconstituições feitas por grupos de folclore. Vejam-se http://www.artagnan.net/ecrits/Traditions/2007/habillement.htm, e http://bienvenuechezmamieejeannette.blogs.
Não se sabe qual seja a origem deste chapéu feminino, também conhecido por "coife à cheminée" e "la sarrasaine". O cone ou chaminé aproxima-se do chapéu usado pelos judeus no século XVI, passando por chapelaria aristocrática e religiosa oriental e pelos barretes doutorais ibéricos armados com capela de grande ostentação.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Notícia dos lenços masculinos de cabeça

"O cantor espanhol", óleo de Edouard Manet, 1860, acervo do Metropolitan Museum of Art
Figuração da viola romântica de cinco ordens singelas, ainda com as cravelhas de madeira e escala traçada sobre o tampo superior. Na indumentária, chapéu com lenço atado na nuca. No século XX, o lenço de cabeça ficou conhecido como atributo exclusivo de feminilidade. Contudo, bem até finais do século XIX, tanto em Portugal como em Espanha, o lenço de cabeça era um adorno/resguardo masculino e feminino usado debaixo dos chapéus.

Património académico iberoamericano

Retrato do bispo Gregório Sottomayor, acervo do Museo Nacional del Virreinato/México, século XVIII.
Sobre a mesa barrete doutoral de Teologia e beca com emblema.

Retrato do bispo Antonio Martinez (1763-1829), acervo da galeria de retratos dos bispos de Puebla de los Angeles/Mexico, inícios do século XIX.
Hábito talar episcopal. Sobre a mesa, barrete doutoral de Teologia com capela de aparato sobre a copa.

Retrato do médico Juan de Brisuela, século XVIII, acervo do Museo Nacional del Virreinato/México
Indumentária masculina civil e insígnias doutorais de Medicina, em amarelo: capelo de carcela e barrete laureado e armado com pega.
Mais dados: http://www.oronoz.com/paginas/leefoto.php?referencia

Retrato do eclesiástico espanhol Josep Maria Navarro i Darás (Carcaixent, 1845-?), padre em 1870, doutor em Teologia (1872) e em Cânones (1880) e bacharel em Artes Liberais. Veste batina romana com canhões avivados, faixa, murça doutoral e barrete octogonal. Cana ou bastão na mão, insígnia dos prelados e reitores espanhóis. Na cultura católica romana, a cana era de porte obrigatório com o hábito curto.
Três comentários: 1) o retratado combina o hábito talar romano com as insígnias académicas, o que está certo na cultura académica ibérica, mas omite a capa talar, liberdade que a rubrica romana não autorizava; b) quanto ao capelo (muceta de capuz) está tudo muito certo, mas o barrete que se vê apresenta borla curta, própria para bacharéis e licenciados, ao invés da borla laureada que é distintiva dos doutores; c) não há sinais de que misture nas insígnias as cores das ciências em que obtivera os graus.
Este tipo de incongruências poderia estar mais generalizado do que se pensa em finais do século XIX e inícios do século XX. Sem querer forçar a nota, os retratos dos reitores e decanos da Universidade de Zaragoza confirmam o mesmo tipo de desacertos sinalizados no retrato de Darás.
Fonte: http://antoniosabatermina.globered.com/categoria.asp?idcat=35.

Luto pesado à francesa

Indumentária de corte, à francesa, para contextos de luto pesado
Moda difundida em finais do século XVII (décadas de 1870-1880), no reinado de Luís XIV e rapidamente imitada noutras cortes europeias como a portuguesa. Conjunto civil masculino preto, composto por sapatos de couro, meias altas de seda, calções, vestia comprida, sobrecasaca degolada. Plastron branco, conhecido em Portugal por "bacalhau". Peruca de madeixas longas. Chapéu de feltro e fumo tombado pelas costas.
A etiqueta francesa normalizou dois trajes para contextos oficiais de nojo: a) luto cerrado, com grande mantéu preto, chapeirão de abas desabadas e fumo comprido; luto aliviado, com meia capa e chapéu de aba mais curta.
Foi esta moda adotada na corte portuguesa na época de D. João V, substituindo-se nas cerimónias públicas as antigas capas e capotes de cauda, os capuzes de deitar pela cabeça e as gorras de pano com as costuras viradas do avesso. Estas velhas capas e capotes apenas persistiram nas comunidades populares. Na indumentária feminina portuguesa, nobiliárquica e popular, chegariam ao século XX algumas velhas vestes de luto pesado como as mantilhas, os bicos, os rebuços e os capelos. Nas catedrais de influência cultural portuguesa e espanhola, incluindo as da América Latina e da India (Goa), os cónegos continuaram a usar nas cerimónias penitenciais os antigos capelos de dó e as capas de arrastão. Esta é que é, a bem da verdade, a rubrica do "nojo çarrado" à moda de Portugal e de Castela que se usava entre os séculos XV-XVII.
O traje supra foi oficialmente usado pela última vez em Portugal pelos vereadores municipais em 1861 na cerimónia da quebra dos escudos por morte de D. Pedro V.

FUMO: tira de pano, própria para situações de luto, que se atava em torno dos chapéus, varas de vereador, maças de bedel e bastões de porteiros. As pontas do fumo caíam longamente pelas costas. Em determinadas confrarias, irmandades e municípios, as varas, maças e bastões eram fechadas num estojo de pano, sendo este amarrado com o fumo.

domingo, 10 de junho de 2012

Reunião de curso (1897)

Curso (1)

Curso (2): fotografia do curso no pórtico da capela da Universidade. Ausência manifesta de capa e pasta. Dois archeiros com o fardão de trabalho.

Curso (3): Reunião do Curso Jurídico de 1872-1877 que teve lugar em Coimbra no dia 27.6.1897
Reportagem do encontro dos antigos estudantes vivos. Curso a que pertenceram o poeta António Cândido Gonçalves Crespo e o lente da cadeira de música, organista da Universidade e regente da TAUC Simões Barbas.
A Reunião de Curso estabiliza na década de 1890. O programa mais comummente praticado na fase inicial apresenta os seguintes elementos:

-concentração do pátio das escolas
-audição do Hino Académico de Coimbra
-fotografia do curso no pórtico da capela
-jantar de curso
-"brindes" (libações) e discursos

À entrada do século XX, o programa das reuniões de curso mantém os elementos herdados do século XIX e acrescenta-lhe mais os seguintes:

-preparação de programa escrito [identificação do curso, dia, hora, locais, ementa do jantar, principais momentos do programa]
-apresentação de cumprimentos ao reitor
-missa católica na capela da Universidade
-evocação dos condiscípulos falecidos
-uso generalizado da capa e da pasta com fitas
-programa cultural (visita a edifícios e lugares, declamação de poesia)
-descerramento de lápide no Penedo da Saudade [década de 1930 e ss.]

Fonte: Branco e Negro n.º 70, de 2.8.1897

Notícia das festas da Senhora da Boa Morte em Coimbra (1897)

NS Boa Morte (1)

NS Boa Morte (2)

NS Boa Morte (3): reportagem sobre a origem e evolução da implantação do culto da Senhora da Boa Morte entre os jesuítas de Coimbra. Aspetos da prática cultual em finais do século XIX.
O Museu de Arte Sacra da catedral de Coimbra, organizado pelo bispo D. Manuel de Bastos Pina, referenciado na reportagem, viria a constituir um dos núcleos do Museu Nacional de Machado de Castro. O outro seria alimentado pelo acervo do Instituto de Coimbra da Universidade de Coimbra.
Fonte: Branco e Negro n.º 67, de 11.7.1897

São Ivo, património cultural e iconográfico

Procissão de São Ivo Hélory em Tréguier. A esta festividade religiosa concorrem anualmente magistrados e advogados de toda a Europa com as suas togas e becas. Desfilam junto da relíquia do santo, pegando às varas do andor e às borlas do cofre. Registo de 2010.

Imagem de São Ivo na catedral de Tréguier, Bretanha francesa. Enverga barrete preto dos jurisconsultos e toga de gala de pano escarlate debruada a arminhos.

Imagem de São Ivo Hélory. Veste toga dupla, barrete e bacalhau conforme modelo de indumentária dos jurisconsultos franceses corrente entre finais do século XVI e finais do século XVIII.

São Ivo Hélory (1253-1303), imagem sacra do século XV/inícios do século XVI (?) na igreja paroquial de Saint-Nonna, Penmarc'h. Imagem polícroma, veste a roba talar dos jurisconsultos, exibe epitógio no ombro. Livro de letrado, aberto. Cabeça coberta com barrete poligonal, tradicional barrete dos advogados de França, Portugal e Espanha.

Imagem sacra de São Ivo Hélory, igreja paroquial de Saint-Nonna, Penmarc'h. Veste roba preta talar de um corpo, murça, epitógio branco e gorra. Exibe diploma na mão direita.
Fonte: http://www.lavieb-aile.com/

Imagem de roca de São Ivo Doutor, São Vicente da Beira, concelho de Castelo Branco
Veste túnica, sobrepeliz e capelo doutoral próximo do tradicionalmente usado pelos doutores da Universidade de Coimbra. Embora o esverdeado não corresponda ao tom, trata-se de uma aproximação ao verde esmeralda das Faculdades de Direito Canónico. Barrete doutoral não visível. Capelo de duas murças sobrepostas, sem carcela, munido de capuz dorsal. Peito ornado com alamares e rosáceas.
Fonte: fotografia divulgada pelo Rancho Folclórico Vicentino, http://ranchovicentino.blogspot.pt/2011/04/procissao-dos-terceiros_08.html; outras fotografias disponíveis em "Dos Enxidros", http://dosenxidros.blogspot.pt/2011/04/procissao-dos-terceiros.html; vídeo com imagem de São Ivo, http://videos.sapo.pt/4KLazQZiqzBiCo. Numa fotografia a preto e branco, anterior aos anos 80, o blogue "Dos Enxidros" mostra uma criança na frente do andor de São Ivo com uma longa vara encimada por mão. Só poderá tratar-se de uma replicação portuguesa da Main de Justice, insignia dos reis de França que ainda foi exibida por Napoleão Bonarparte na cerimónia de coroação.

Imagem de São Ivo, Ovar. Veste hábito talar romano composto por capa e batina. Aos pés, uma borla doutoral com mistura das cores de Teologia e Cânones. Ao contrário da maior parte dos andores, que são transportados por homens com capas castanhas, o andor de São Ivo de Ovar é levado por homens com capas pretas. Gostaria de conseguir apurar se esta "especificidade" tem alguma relação com a capa preta dos estudantes e lentes da Universidade de Coimbra.
Fonte: foto divulgada por António Mendes Pinto Mendes em http://franciscanismovar.blogspot.pt/2011/05/santo-ivo-bretanha-patrono-dos.html, a quem agradeço a autorização de uso; mais fotos em Paróquia de Ovar, http://paroquiaovar.blogspot.pt/p/procissoes-quaresmais-2012.html.

Imagem de São Ivo, Vila do Conde. Veste beca preta de juiz e ostenta aos pés uma borla doutoral de Direito Canónico. A laurea parece ser confeccionada à base de franjado simples, quero dizer, com fiapos de seda, sem a sobreposição de borlas de contas e florinhas que orna a capela das borlas doutorais barrocas.
Fonte: registos fotográficos da procissão de 1999, publicados por António Mendes Pinto Mendes em http://franciscanismovar.blogspot.pt/2012/01/procissao-de-cinzas-em-vila-do-conde.html, a quem fica a devida palavra de agradecimento.

Imagem processional do São Ivo da igreja do Carmo, Coimbra. Veste hábito franciscano com borla e capelo dos doutores da antiga Faculdade de Cânones da Universidade de Coimbra.