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sábado, 19 de maio de 2012

A família real portuguesa desloca-se à igreja de S. Roque e participa na procissão dos Passos da Graça, Lisboa
Na fotografia superior dois membros da irmandade recebem D. Carlos e D. Amélia. A etiqueta que regia as formas de comunicação interna e externa das confrarias e irmandades portuguesas não está propriapamente estudada, e admitindo que esteja, sobre ela não existe informação acessível.
Fonte: O Occidente n.º 980, de 20.3.1906

Carnaval de Lisboa, fevereiro de 1906: presença da "Tuna Escolar Madrilena"
Fonte: O Occidente n.º 979, de 10.3.1906

Procissão do Enterro do Senhor em Portel (2008)

Apontamento da Procissão do Enterro do Senhor, centro histórico de Portel, Arquidiocese de Évora/Portugal, 2008

A introdução da banda na procissão não alterou a estrutura multissecular deste ato fúnebre cujo protagonismo cabe à Santa Casa da Misericórdia. Trata-se de uma excelente oportunidade de revitalização do centro histórico e de atração de visitantes e estudiosos. De acordo com a tradição local, a banda vai à Santa Casa buscar os irmãos, seguindo em cortejo para a igreja matriz, templo donde sai o préstito fúnebre. A lenta e solene passagem do cortejo permite reconstruir uma ideia aproximada do que eram os enterramentos dos reis de Portugal e de altos dignitários nos séculos XV, XVI e XVII. Na matriz encontram-se previamante preparadas as lanternas, o esquife, o pálio, as matracas e as imagens de Nossa Senhora, Maria Madalena, S. João Evangelista e Senhor Morto. Audíveis os sons das matracas e da banda. O rufo do tambor é o mesmo que se ouvia quando o juiz, o capelão da prisão, o meirinho das justiças e o algoz conduziam os supliciados ao cadafalso.

1-cruz;
2-bandeiras e pendão de rojo;
3-irmãos com varas;
4-lanternas e Verónica;
5-esquife e pálio;
6-imagens sacras;
7-clero;
8-paragem para loas fúnebres;
9-banda

Procissão do Enterro do Senhor, Monchique (2011)

Um regístico fílmico bastante expressivo que eram as antigas procissões do Enterro do Senhor Morto na 6.ª feira da Paixão, Monchique/Algarve, 21.4.2011.
Destaco a forte presença imagética e cerimonialística da irmandade da Misericórdia com a sua veste corporativa e insígnias.
Subsistem sinais óbvios de costumes europeus e ibéricos oriundos dos séculos XV e XVI, como sejam: capuzes deitados pelas cabeças em sinais de luto cerrado; esquife transportado aos ombros debaixo de um pálio; bandeiras e estandartes levados em braços e às costas, cobertos de crepes pretos e com as hastes ao arrastão pelo chão ("de rojo", diziam os documentos); o obsidiante som das matracas; o canto da Verónica, que em determinadas comunidades seguia imediatamente diante do esquife.

1-canto fúnebre e matracas (irmãos com balandraus pretos e capuzes deitados pela cabeça);
2-lanternas, bandeira derreada (sem crepes) e vara;
3-lanternas, bandeira derreada e vara;
4-lanternas, bandeira derreada e vara;
5-lanternas, bandeira derreada e vara;
6-Santa Cruz;
7-esquife do Senhor Morto debaixo do pálio (exatamente como nas iluminuras e gravuras dos séculos XVI que reportam os cortejos fúnebres de D. Manuel I de Portugal e Isabel I de Inglaterra; e como consta dos artigos dos "Compromissos" das santas casas em matéria de funerais e recolha das ossadas dos supliciados na forca);
8-acólitos com túnicas brancas;
9-clero com capas de asperges;
10-lanternas, imagens sacras e bandeira alçada;
11-cerimónia intratemplo

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Apontamentos da visita da rainha Isabel II (1957)

Apontamentos da visita da rainha Isabel II de Inglaterra e do duque de Edimburgo a Portugal no mês de fevereiro de 1957

1-receção oficial no átrio dos paços do concelho de Lisboa (bandeira, presidente e vereadores com grande colar. Não se vê um bastão que é utilizado em grandes solenidades, cuja data de uso inicial se desconhece);
2-cortejo automóvel do palácio de Queluz para Lisboa, vendo-se estudantes de Coimbra a lançar as capas (deitar capas debaixo das rodas de automóveis!?, eis um excessozinho de entusiasmo pouco académico);
3-visita real à Nazaré, com encenação de quadros piscatórios;
4-récita de gala

Canto da Verónica em São João del Rei (2009)

Um exemplo da continuidade de práticas religiosas católicas intercontinentais enquadráveis no âmbito do património oral imaterial. O canto da Verónica na procissão do Enterro do Senhor em São João del Rei, Brasil, abril de 2009.

Vai para mais de 30 anos que não ouvia este sentidíssimo lamento da Verónica que ao longo da procissão parava, subia a um mocho de quatro pernas, desenrolava dramaticamente a toalha com o rosto de Cristo e entoava: "O vos omnes qui transitis per viam/Attendite et videte si est dolor sicut dolor meus".

terça-feira, 15 de maio de 2012

Centenário de Bocage (1905)

Bc (1): vista de Setúbal ao tempo do centenário de Bocage e aspeto do salão nobre da câmara municipal onde decorreu parte da cerimónia

Bc (2)

Bc (3): festejos do centenário do poeta e escritor Barbosa du Bocage promovidos por uma comissão de honra e pela câmara municipal de Setúbal em 21 de dezembro de 1905
É muito raro encontrarmos representações iconográficas das câmaras municipais portuguesas para o período anterior a 1910. Eis um exemplo: alferes do estandarte, presidente e vereadores da CMSetúbal com o traje de casaca, cartola e faixa azul e branca aprovado pelo Decreto de 28.7.1882. O estandarte é conforme aos antigos modelos municipais e confrarias do Divino Espírito Santo, quadrangular e de grandes dimensões, próprio para levar deitado no ombro direito e levantado nos cortejos equestres. Desta época apenas conheço o da câmara municipal de Coimbra, que se guarda no Arquivo Histórico, anterior a 1840 mas nesse ano restaurado.
Fonte: O Occidente n.º 972, de 30.12.1905

domingo, 13 de maio de 2012

Procissão do Corpus Christi em Úbeda (2011)

Trânsito público da procissão do Corpus Christi nas ruas de Úbeda/Espanha, junho de 2011

A procissão do Corpus continua a ser um excelente mostruário de análise de organização social, seja no antigo regime, seja na época contemporânea. Especialmente em Espanha, cujas confrarias e municípios perseveraram em manter o aparato que precedeu oVaticano II.
Ao longo do cortejo descortinam-se formações de juizes com varas altas. Estes dignitários sinalizam estandartes, pendões e andores. Funcionam como escolta ou guarda de honra de determinadas insígnias, autoridades, relíquias e santos de veneração. E como mestres de cerimónias.
Embora mais singelas, varas da mesma família e com idêntica função são utilizadas nos festejos açorianos do Divino Espírito Santo, donde passaram ao Brasil, aos EUA e ao Canadá. Em certas ilhas as varas são fixadas em quadras, designadas "casolas", formando os "vereadores" e "irmãos" a guarda de honra ao estandarte, ao imperador e ao pároco. Noutras ilhas, as varas transportam-se levantadas (melhor dizendo, alçadas. Vara derreada significa ausência do titular do poder, vara partida significa morte do titular do cargo, vara preta significa luto).
Partindo destes exemplos, tenho-me interrogado sobre a aparente ausência de vereadores em alguns impérios fundantes como os de Alenquer e Eiras (Coimbra), ambos extintos no século XIX, ambos reconstituídos nos últimos 10 anos. Naquele que é considerado o segundo em fundação (Penedo, concelho de Sintra), também não parece haver vestígios de varas. Em sede de uma primeira reflexão sobre o assunto, ocorre-me a seguinte hipótese: em impérios como Alenquer e Eiras terão sido usadas varas em determinados trajetos do cortejo imperial e nas coroações. Só que, como participavam ativamente nestas festividades as santas casas e as câmaras municipais, as varas eram exibidas pelos titulares dos cargos, provedores, presidentes de câmara, vereadores, meirinhos e juizes da terra. Nas irmandades rurais açorianas (impérios da terra, do mar, de meninos), em que não participavam fidalgos nem corporações municipais, a "briança" (vereação) terá sido assumida pelos irmãos convocados pelo imperador/mordomo. Admito contraditório.

Antigas danças cerimoniais e processionais: Baile dos cavalinhos fuscos, Valencia, 2008

El ball de cavallets, baile dos cavalinhos fuscos que se executava nas procissões ibéricas, particularmente na do Corpus Christi. Luta entre mouros de adaga e cavaleiros cristãos. Valencia/Espanha, junho de 2008

Baile da Virtude, Valencia, 2009

Ball de la Moma, Baile da Donzela Virtude contra os Sete Pecados, procissão do Corpo de Deus, Valencia/Espanha, junho de 2009
A moma/Virtude apresenta-se vestida de branco, símbolo da pureza e mostra-se indiferente aos ataques dos sete momos (pecados). Estes dançam, munidos de símbolos fálicos (paus). No final, a Virtude Triunfa, fazendo-lhe mesura de vencidos os momos.

Dança dos Homens, Lousa, 2010

Registo fílmico da Dança dos Homens ou Dança das Genebres, Lousa, Castelo Branco/Portugal, maio de 2010
Dança cerimonial executada no final da recolha da procissão de N. S. dos Altos Céus ao som de pandeiros, genebres e violas beiroas (bandurras). Destaque para a aparatosa coroa ou "capela" dos bailadores, armada com flores e guarnecida de fitas pendentes. Muito curiosa a semelhança desta capela barroca com a ornamentação do barrete doutoral da Real e Pontifícia Universidade do México. Simples coincidência ou cultura cristã ibérica mais comungada do que se gostaria de admitir?

Dança das fitas, Entrenzao, Entranceia, Cuenca, 2010

Execução da Dança das Fitas, também conhecida por dança dos laços, entrenzao e entranceia, Cuenca/Espanha, procissão do Corpo de Deus, junho de 2010
Na minha infância tive o ensejo de observar antigas danças que eram ensaiadas durante meses para sair no carnaval. Na sua maior parte tinham um rei que se vestia de Napoleão Bonaparte e com voz tonitruante, apito e terçado em riste dava ordens a homens e mulheres que dançavam com fitas, arquinhos e espadas. Algumas delas eram contradanças modernas que metiam partes cantadas em coro, dança e entremez (uma breve história declamada sobre a guerra ou desaire amoroso). Outras teriam raiz bem mais recuada.

Dança do Rei David, variante de Vila Verde (2008)

Apresentação da Dança do Rei David (mourisca) conforme variante de Vilarinho, concelho de Vila Verde, recolhida e reconstituída pelo Grupo Folclórico de Vila Verde, 2008
Fonte: texto de enquadramento e vídeo em «Grupo Folclórico de Vila Verde», http://www.gfvv.pt/

Dança do Rei David, cidade de Braga, Portugal, 2009

Registo fílmico da dança do Rei David que ocorre anualmente nos festejos de S. João realizados na cidade de Braga. Rei vestido com botas, calções, túnica escarlate bordada, manto régio e lira. Séquito composto por dois guias de libré e violões, ditos passavantes, e séquito real de 10 músicos-bailarinos dispostos em duas colunas. Nos instrumentos, violões, rabeca e ferrinhos. Em anos mais recuados havia lugar a violas braguesas.
Os passavantes e músicos vestem librés de inspiração mourisca e chapéus em formato de fez. Esta dança também é conhecida por "mourisca". Apresenta coreografia cerimoniosa, de tipo palaciano.
Decidi revisitar esta dança tendo em vista um relato setecentista do cortejo dos imperadores do Espírito Santo de Alenquer (1758) que referencia a incorporação de três modalidades de danças já então consideradas antigas: duas pélas de homens com meninas às cavalitas (durante a procissão); duas damas casadoiras que ladeavam o condestável (no adro da igreja de S. Francisco e junto ao dossel real armado na casa do bodo); uma "dança antiga" do reino, que bem poderia ser uma mourisca. Em Portugal e Espanha substistiram na cultura popular diversas danças intituladas mouriscas e "danzas de moros". Em certos relatos os membros da mourisca vestem saios brancos idênticos aos dos pauliteiros portugueses e espanhóis (danzas de palos y fitas) e dançam às ordens de um rei que ostenta um coroa de fantasia. Danças próximas e também muito antigas seriam as dos arquinhos e a dos laços (pares em torno de um mastro, com fitas nas mãos).

Retábulo de S. Cosme e S. Damião que nalgumas manifestações de arte sacra ibérica podem ser figurados como sábios doutores de Medicina. Representação ingénua dos santos com capelo doutoral amarelo e barretes redondos com franjas de seda amarela. Quanto ao traje, o que se vê é uma loba aberta, aqui com a bainha fantasiosamente curta.
Pintura oriunda da Sé do Porto (séc. XVII) donde passou à capela de Santa Cruz do Bispo e dali para o acervo do Museu Grão Vasco, n.º de Inv. 2205.