domingo, 1 de julho de 2012

Abertura solene (2): relato da cerimónia de abertura solene da Universidade de Coimbra em 16.10.1897, lamentavelmente sem registo fotográfico do programa.
A cerimónia de abertura das aulas era considerada grande gala ou ato grande. A sua estrutura era idêntica à praticada na maior parte das universidades dos países da Europa continental. Em Coimbra começava com a solene convocação do claustro geral dos lentes, funcionários e estudantes, fazendo-se correr de véspera o sino grande das congregações, a que os estudantes chamavam jocosamente "o cabrão". O cabrão é um sino de bronze, de várias toneladas, que integra o conjunto de sinos existentes na Torre da Universidade de Coimbra, cujo estatuto mítico é semelhante ao do "Big Ben". Este sino voltava a ser corrido na manhã do dia do ato, para confirmar a chamada à congregação (virado com uma corda e não repicado).
A propósito de sinos, lembro aqui uma historieta de juventude. No meu liceu, o Antero de Quental, havia no átrio do antigo edifício um nicho onde estava fechado à chave o sino do toque para as aulas. Na verdade, o sino nunca era tocado devido à instalação de uma campanhia elétrica que atroava os pavilhões, os corredores e os pátios. Um dia, no meu décimo ano, a campainha elétrica avariou e a estudantada começou a soltar "roqueiras" em brados festivos. Não é que o idoso contínuo do liceu desceu a escadaria, sacou de um molho de chaves, abriu o nicho, agarrou no sino pela maçaneta de madeira e badalou energica e cadenciadamente?! Adeus ponto!
Regressando ao nosso assunto, o programa começava com uma Missa do Divino Espírito Santo na capela da Universidade, durante a qual o corpo catedrático ia ajoelhar segundo as precedências aos pés do reitor e com a mão direita sobre os evangelhos prometia e jurava fidelidade aos dogmas tridentinos e à Imaculada Conceição. Missa terminada, a Universidade saía da capela em préstito de gala para a sala dos atos grandes. Na sala, a cerimónia apresentava uma estrutura ternária: a) distribuição dos prémios aos alunos que se tinham distinguido no ano letivo anterior; b) louvor à rainha D. Maria Pia de Saboia, cujo aniversário natalício coincidia com o dia da cerimónia de abertura; d) oração de sapiência em louvor das ciências, sendo esta rotativamente lida pelo lente decano de cada uma das faculdades.
Nas vésperas do 5 de outubro de 1910 esta cerimónia era acremente criticada, exigindo-se a completa separação entre atos académicos, atos religiosos católicos e celebrações monárquicas. A charamela, os trajes e insígnias, as orações proferidas, os prémios distribuídos, tudo isto era alvo de chocarreiras e desacredidantes críticas, prevalecendo o entendimento de que o progresso científico e civilizacional eram incompatíveis com religião e cerimónias.
Fonte: Branco e Negro n.º 81, de 19.10.1897

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