terça-feira, 8 de maio de 2012

Festas do Espirito Santo (1987)

Registo fílmico na freguesia da Criação Velha, concelho da Madalena, ilha do Pico, Açores, 1987
Sequência:

1-final da missa (cantada) da coroação do imperador/mordomo, ouvindo-se o HINO DO ESPÍRITO SANTO (Alva pomba, que meiga apar'ceste), composição oitocentista feita na ilha de S. Miguel pelo padre Delgado*, que se canta no novenário e na coroação [nalgum tempo se entoava o gregoriano Veni Creator Spiritus];
2-saída do cortejo imperial da igreja para a casa do Espírito Santo, com a seguinte ordenação: fogueiro; folia; lanternas; estandarte(s); coroa(s) substitutivas e imperador com coroa; pajens; padre; banda filarmónica;
3 - [bodo imperial ou função das sopas de pão e carne. Omisso no registo];
4-procissão da recolha dos açafates de rosquilhas. A recolha do pão faz-se a meio da tarde, sendo anunciada pelo fogueiro com lançamento de um foguete. Outrora, na paragem junto de cada casa que ofertava um açafate de pão lançava-se um foguete e os foliões entoavam uma loa (nas terras onde os foliões cantavam). Como se pode ver no filme, junto de cada mulher transportadora de açafate de rosquilhas segue um vereador com vara alta vermelha.
Ordem do cortejo (que dá dois ou mais giros em função da topografia da localidade, subindo às "canadas" íngremes apenas o alferes da bandeira e o fogueiro): fogueiro; folia; alferes da bandeira em "casola" de varas; imperador em casola de varas; pároco em casola de varas (sem pálio); banda filarmónica;
5-descarregamento dos açafates no arraial do império;
6 -benção dos pães;
7-distribuição dos pães (desde a década de 1970 em viaturas motorizadas. Outrora nos carros do império, carros de bois vistosamente engalanados e recamados de colchas que se usavam nas seguintes situações: peditórios dentro e fora da localidade, transporte dos vinhos, lenhas, ramagens, potes de banha, pães doces, cestos de alhos e cebolas para a copeira; distribuição das pensões; distribuição dos pães do bodo).

Outros momentos da festividade omissos no filme:
a) sortes ou pelouros, tradicionalmente tirados no final do banquete entre os irmãos inscritos, em chapéu ou saco. Apenas não se tiram pelouros quando alguém se ofereça por promessa de fé a assegurar o império no ano seguinte. Nestes casos o novo imperador é "declarado" em voz alta, numa espécie de aclamação. O sistema comum consistia em lançar bilhetes enrolados num saco ou chapéu, caindo o pelouro imperial ao irmão/confrade que tirasse o bilhete com o emblema da coroa. O novo imperador/ou mordomo escolhia os oficiais da sua casa civil e militar, mantendo-se nos cargos os foliões, o fogueiro, o armador do teatro, o copeiro-mor, o pregoeiro e o matador. Já os pajens (da coroa, do ceptro, do reposteiro do trono, da almofada de ajoelhar), o alferes, o pajem do estoque/condestável, as meninas das cestinhas das flores e os vereadores mudavam a contento de cada novo imperador e do gosto da imperatriz**.
b) arrematações de oferendas pelo(s) pregoeiro(s), que podiam incluir pães doces, citrinos, bovinos e aves.
NOTAS
* Utilizei como fonte de informação o "Cancioneiro de músicas populares" de César das Neves (Porto, 1893), Volume 1, p. 146 e ss. Em publicação recente, a Doutora Maria de Jesus Maciel confirmou a origem micaelense deste hino, mas indicou com autor da letra Guilherme Read Cabral, e da música o mestre da capela da matriz de Ponta Delgada Jacinto Inácio Cabral (cf. A Casa do Espírito Santo. Ponta Delgada: Nova Gráfica, Lda., 2011, p. 12, anotação 10). Terá sido induzido em erro o informador de César das Neves?
** tradicionalmente a "imperatriz" era a esposa do imperador ou do mordomo que acompanhava sempre o conjuge no novenário, nos cortejos e no bodo. Nas comunidades onde o imperador se sentava em dossel e dava uma audiência de Justiça, a imperatriz tomava lugar no trono à direita do imperador. Tinha direito a aias, a tratamento de V. Majestade, a mesuras e a loas dos foliões. Cabia-lhe superintender na preparação da sala onde era armado o trono para o novenário (e onde decorria o baile imperial, caso da Ilha Terceira), bem como na escolha e convite às meninas dos flores (lançadoras de pétalas) e a todas as colaboradoras da casa imperial. Não se pode confundir a imperatriz com a "rainha", uma figura de ostentação surgida nas comunidades de emigrantes açorianos dos EUA, trazida para os Açores nos finais da década de 1930. Consta que na Ilha do Pico a primeira irmandade a exibir em cortejo uma rainha com manto de cauda, tiara e damas de honor foi a de Santa Cruz das Ribeiras, por 1939 (Cf. Maria de Jesus Maciel, p. 54). A moda fez furor e nos anos setenta do século XX diversas irmandades do concelho das Lajes do Pico iam a Santa Cruz tomar de empréstimo a tiara, o manto e as capinhas das aias. Havia ainda quem pedisse emprestada uma coroa suplementar para a rainha exibir no cortejo. Um luxo kitsh, influenciado pelos concursos das miss beleza, pois nos anos iniciais as "rainhas" não tinham direito a protocolo: não ocupavam o dossel, não desfilavam à mão direita do imperador/mordomo, não tinham direito a ser coroadas na missa, não se sentavam na presidência da mesa durante os bodos nem eram anfitriãs nos novenários que antecedem a função. Creio que a partir da década de 1980 esta situação foi mudando e as rainhas terão passado a ser coroadas, ofuscando os imperadores eleitos. A moda da rainha está também popularizada na Ilha de S. Miguel.

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