domingo, 11 de março de 2012

Dottorati (3) Festa de entrega dos diplomas aos novos doutores na Università Ca' Foscari, Veneza, em 23.6.2010
De acordo com a informação disponível, o evento teve lugar no teatro Stabile, com o seguinte programa:

-intervenção do reitor
-alocução de um orador aos diretores das escolas
-entrega dos diplomas
-alocução do porta-voz dos novos doutorados
-"lectio magistralis" por um orador externo, membro do Fundo Monetário Internacional

Como descodificar esta iniciativa da Università Ca' Foscari?
1  - O esforço de voltar a conferir visibilidade pública e mediática aos principais momentos do calendário universitário, projetos de investigação em curso e oferta de diplomados disponíveis para entrar no mercado de trabalho corresponde a uma tendência à escala internacional. Não se pode ler como sendo italiana, portuguesa ou francesa. Toca inclusé as universidades dos antigos países de leste. As universidades britânicas e norte-americanas nunca aboliram verdadeiramente as cerimónias académicas. Quem as aboliu foram as universidades da Europa continental, cujas equipas reitorais procuram desesperadamente garantir a sobrevivência com recurso às ferramentas de gestão
estratégica.
O desafio é hercúleo: como garantir a sobrevivência económica e justificar a afetação de verbas públicas ou a captação de patrocínios? Como justificar inércias do corpo docente de certas escolas, pautadas por produção científico-académica insignificante ou residual? Como justificar o boicote de alguns docentes, orientadores e tutores a certos temas queridos da comunidade e de grupos cívicos, presunçosamente vistos como "não temas" e "não cursos"? Como e quando prestar contas ao Estado e aos cidadãos pelo que se fez e não fez? Como diferenciar os produtos gerados pela instituição e qualificar a oferta numa lógica de notoriedade e excelência?
2 - Quem vem de uma formação mais clássica sente alguma dificuldade em considerar este tipo de eventos na categoria de cerimónias. Com efeito, não estão presentes em densidade e qualidade os ingredientes específicos de uma cerimónia solene;
3 - No presente, os modelos de organização de eventos mais em voga são os que constam da agenda mediática, particularmente da agenda televisiva: Óscars, Grammy, bota de ouro, bola de ouro, soluções compósitas como a gala dos globos de ouro, entrega da camisola amarela ao ciclista vencedor da volta, festival europeu da canção, entrega do troféu à equipa vencedora do campeonato de futebol, comícios partidários;
4 - Se analisarmos com detalhe as fotografias, confirmamos a presença de grande parte dos ingredientes importados dos shows televisivos:
  • um ou mais apresentadores que se movimentam em palco;
  • ambiente informal/descontraído;
  • convivência entre elementos da tradição mais formal e novos signos ou atitudes que oscilam entre o registo informal e o banal;
  • diversos registos de indumentária em sala: togas académicas, indumentária civil informal (elevada percentagem de universidades antigas e modernas estão a adotar a toga e o barrete norte-americanos, situação que as fotografias não confirmam);
  • lançamento de papelinhos multicolores como nos shows televisivos, nas finais dos concursos de miss beleza e nos troféus de futebol;
  • recurso a oradores externos que pela sua pujança mediática ou posição de liderança em grandes empórios conferem mais visibilidade à instituição e criam nos novos graduados a crença de que podem ser recrutados (solução diferente é a adoptada nas universidades da idade clássica do republicanismo e nas aberturas dos tribunais superiores da Austrália e Canada, pois o que aqui se pretendia e pretende era a descorporativização ou abertura à comunidade);
  • apresentação dos diplomas/graduados como uma mercadoria segundo as convencionais regras da oferta/procura;
  • exibição de eventuais produtos-simulacro cujo impacto é do tipo tvshow: entrega de "diplomas" cujo protocolo não foi validado, que serão apenas usados nas fotografias e filmagens, à semelhança dos cheques gigantes exibidos em concursos televisivos.
Em síntese: expressiva amostra de estabelecimentos de ensino superior emite sinais neo-cerimonializantes. O espírito neo é marcado por revivalismos e posturas sincréticas que abarcam formatos que vão do show televisivo ao cinematográfico e desportivo, passando pelos contributos do marketing e do merchandising. Em França, o relatório Lévy/Jouyet (L'Économie de l'immateriel: 2006) defendeu abertamente uma abordagem comercial dos diversos patrimónios, situação que suscitou protestos mas que faz sentido nalguns setores públicos e privados. Não estão as universidades clássicas carregadas de "património morto" que não rentabilizam nem acessibilizam aos cidadãos?
Como reagir perante estes novos enunciados? Com abertura e sentido crítico. No passado, os modelos dominantes eram as monarquias, a Igreja Católica, os exércitos. No presente, faz sentido que os paradigmas mais mediáticos exerçam influência sobre as instituições académicas.
Fonte: http://www.unive.it/nqcontent.cfm?a_id=76765

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