quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Os textos constitucionais como fonte normativa do cerimonial público (IV)


IV – Constituição de 11 de Abril de 1933
No longevo consulado do Estado Novo voltam a ganhar importância central: 1) o cerimonial público, cuidadosamente encenado e mediatizado; 2) as normas de civilidade e boas maneiras, inculcadas de forma rígida, disciplinar e autoritária, numa lógica de condenação da cultura popular e de tudo quanto estivesse relacionado com o corpo e com o lado biológico do ser humano; 3) a integração de algumas tradições cerimonialísticas no aparelho propagandístico oficial do Estado, como sejam as visitas aos municípios e a política de inauguração de obras públicas, ou os honoris causa políticos conferidos pela Universidade de Coimbra após a Segunda Guerra; 4) o recurso continuado a paradas militares ou de tipo paramilitar, que transmitiam uma mensagem de ordem, disciplina e controlo; 5) relações de convivência e de conivência entre actos públicos e o património cerimonialístico da Igreja Católica tridentina; 6) uma política continuada de publicação de regulamentos de fardas no diário oficial, abrangendo corpos militares, bombeiros, motoristas, porteiros de repartições públicas, cantoneiros de estradas, carteiros, bem como as instituições de internamento.
As cerimónias públicas do Estado Novo, concebidas para serem admiradas, eram cuidadosamente vigiadas pela polícia política e pela censura que não raro exigia o controlo prévio dos discursos a proferir. E quando a censura não o fazia, tomavam tal encargo os próprios ministros das várias pastas. Num país como Portugal, cuja população adora emitir expressivamente opiniões e malsinar do que se dá a ver, "dar à língua" constituía dissabor em momentos como as visitas dos chefes de Estado. Durante o mandato de Américo Tomás (um study case em termos de imagem) corriam entre as populações, estudantes e jornalistas as mais hilariantes anedotas e tiradas sobre a figura e o estilo de linguagem do presidente que ficou conhecido como "corta fitas" e "cabeça de abóbora". Alheio aos rumores, o regime impunha o tratamente de "V. Exa., Venerando Chefe de Estado".
A primeira imagem que se forma do Estado Novo ao revermos fotografias e filmes é de um regime puritano, masculino, vestido de escuro, burguês.
Portugal é definido como uma república unitária, corporativa e pluricontiental (art. 5.º).O art. 27.º dispunha que o Estado concederia distinções honoríficas ou recompensas aos cidadãos que se notabilizassem pelos seus méritos pessoais, ou por feitos cívicos e militares. As distinções seriam extensíveis a estrangeiros, fixando a lei as ordens, condecorações, medalhas e diplomas a esse fim destinados.O n.º 3) do art. 43.º afirmava que o ensino público era laico, o que implicaria no rigor dos princípios a ausência de práticas e de símbolos religiosos nas escolas. No plano prático, o governo mandou colocar crucifixos nas escolas de ensino básico e médio e eram ministradas aulas de religião católica e de moral cristã. Pelo art. 47.º, os cemitérios públicos eram considerados espaços seculares, neles se podendo praticar actos de culto conformes à religião professada pelas famílias.
Os órgãos de soberania vinham elencados no art. 71.º pela seguinte ordem:

·         o chefe de Estado (Presidente da República)

·         A Assembleia Nacional (parlamento bicameral)

·         -O Governo (Presidente do Conselho de Ministros, ministros, subsecretários de estado)

·         Os Tribunais.

O chefe de Estado eleito (art. 75.º) tomava posse e assumia funções no dia em que expirava o mandato do presidente cessante. O acto de posse tinha lugar na câmara dos deputados da Assembleia Nacional, com o seguinte compromisso: «Juro manter e cumprir leal e fielmente a Constituição da República, observar as leis, promover o bem geral da nação, sustentar e defender a integridade e a independência da pátria portuguesa. Não estando prevista a figura de um vice-presidente, em caso de impedimento temporário do presidente, o cargo era assumido não pelo presidente da Assembleia Nacional (parlamento) mas pelo Presidente do Conselho de Ministros (n.º 2 do art. 80.º). Esta disposição colocava o 1.º ministro em 2.º lugar na precedência do Estado, logo após o Presidente da República, subvertendo a hierarquia consagrada no art. 71.º
No pleno gozo das suas funções, o PR podia nomear e demitir os ministros e o presidente do conselho de ministros (art. 81.º) e representar a nação interna e externamente. Em conformidade com o n.º 2 do artigo 81.º o Presidente abriria solenemente a primeira sessão legislativa de início de cada legislatura. Na Primeira República e no Estado Novo os parlamentares civis usaram predominantemente casaca e cartola, com correspondência à farda de gala n.º 1 no caso dos militares. No período do marcelismo o rigor protocolar seria aligeirado, tendo-se usado fraque na sessão de abertura da IX Legislatura, que teve lugar a 19.11.1973.
O art.º 83.º referia o Conselho de Estado, adiantando indicações sobre a respectiva composição, mas nada adiantando quanto a precedências e formas de tratamento. A presidência deste órgão, que na monarquia constitucional ocupava lugar de topo nas precedências públicas, competia ao PR.
Só após o Conselho de Estado é que vinha referida a Assembleia Nacional (art. 85.º), composta por câmara dos deputados e câmara corporativa. O art. 94.º determinava que as sessões parlamentares começavam a 10 de Janeiro, com a duração de três meses, com sede fixa em Lisboa. As sessões eram consideradas públicas (art. 95.º) excepto decisão em contrário. Não se consagravam distinções entre presidente da câmara dos deputados e presidente da câmara corporativa.
O art. 99.º especificava a fórmula de publicação dos diplomas públicos: “Em nome da nação, a Assembleia Nacional decreta e eu promulgo a lei (ou resolução) seguinte”.
O governo (art. 106.º) seria constituído pelo presidente do conselho de ministros, pelos ministros e pelos subsecretários de estado, todos de nomeação presidencial. Não eram apresentados critérios relativos à precedência entre os ministérios e subsecretarias de estado, prevalecendo a ordenação tradicional e a data de criação.
A função judicial vinha consagrada no art. 115.º, que apenas adiantava ser exercida por tribunais ordinários e especiais. O cerimonial judicial era regulado em diplomas próprios. No art. 120.º pormenorizava-se que as audiências de julgamento eram em geral públicas.
Sobre a administração pública regional e local (art. 124.º), nada era consagrado, suprindo esta lacuna as normas administrativas em vigor.
O texto de 1933 é um documento pobre em termos de normas programáticas sobre matéria de cerimonial público, em contradição com o tratamento que o assunto mereceu até 1974 na imprensa, na televisão e por força da criação de estruturas oficiais de propaganda. Trata-se de um documento de natureza conservadora, que permite a cada instituição ou corporação promover o seu próprio cerimonial.
Citar: AMNunes-Os textos constitucionais como fonte normativa do cerimonial público (IV), http://virtualandmemories.blogspot.com/, 21.12.2011

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