quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Os textos constitucionais como fonte normativa do cerimonial público (III)


III – Constituição da República Portuguesa de 21 de Agosto de 1911
A constituição foi elaborada pela constituinte entre no Verão de 1911. Como importantes novidades, criou as bases de implantação do regime republicano, aboliu os títulos de nobreza e as ordens honoríficas e promoveu a laicização do Estado por meio da separação das igrejas.
O cerimonial público deixou de praticar-se entre Outubro de 1910-Agosto de 1911, assistindo-se no ciclo do governo provisório a uma dessacralização da figura presidencial e à prática de actos de governação marcados pelo voluntarismo de cada ministro provisório.
Monárquicos e católicos desapareceram de cena. Em cada um dos ministérios publicaram-se instruções escritas ou difundiram-se orientações verbais destinadas à abolição dos cerimoniais e uniformes até então usados nos municípios, governos civis, parlamento, Universidade de Coimbra. Cuidou-se da nova bandeira e do novo hino. Se houve consenso quanto ao hino, a matéria da bandeira ficaria marcada pela controvérsia entre intelectuais.
A partir da sua tomada de posse, em Agosto de 1911, o novo Presidente Manuel de Arriaga criou no palácio nacional de Belém um gabinete de protocolo chefiado por um chefe de protocolo que inspirado no que se estava a fazer na França, no Brasil e nos EUA, garantiu a realização dos actos públicos num cenário de forte marca burguesa. A palavra “protocolo” pretende enfatizar as distâncias face ao cerimonial, considerado apanágio de monárquicos e católicos. São os anos do protocolo de cartola, sobrecasaca e bengala. Minimalismo, austeridade, secularização, retirada dos espaços públicos, supressão da festa e da pompa, são as linhas de força assumidas pelo gabinete de protocolo público do palácio presidencial. Algumas instituições dotadas de uniformes, distintivos e cerimonial foram poupadas pelo novo regime: Academia das Ciências de Lisboa, Marinha, Exército, corpo diplomático, Escola de Guerra (Academia Militar).
Manuel de Arriaga movimenta-se discretamente em Lisboa. Vai ao parlamento apresentar cumprimentos no início de cada ano civil, recebe em audiência de ano novo os representantes dos órgãos e instituições da administração pública, confirma as credenciais dos diplomatas, participa nas comemorações anuais da Revolução. Anos mais tarde, Bernardino Machado desloca-se à frente de batalha no contexto da Grande Guerra. Com Sidónio Pais a figura do presidente é sacralizada e mitificada. Sidónio traz o cerimonial de estado novamente para a via pública, socorrendo-se do cerimonial militar (paradas, cavalgadas, entradas solenes em cidades) e fazendo aprovar uma farda presidencial. António José de Almeida aposta na normalização das relações internacionais, em particular com a Santa Sé e faz uma visita de estado ao Brasil.
Cada instituição procura replicar os novos estilos da casa presidencial e do Parlamento. Generaliza-se o conceito de mesa da presidência nas instituições públicas e privadas, situação que antes de 1910 era utilizada em contextos administrativos e de despacho de processos/documentos.
Não é elaborada nem publicada nenhuma lei destinada a regular o cerimonial público nem as precedências. Pouco antes do golpe militar de 1926 os serviços de cerimonial e protocolo são concentrados no Ministério dos Negócios Estrangeiros.

O art. 1.º especifica que Portugal adopta o regime republicano como forma de governo. São abolidos privilégios de nascimento, títulos nobiliárquicos e de conselho e as ordens honoríficas (art. 3.º). Os feitos cívicos poderão ser galardoados mediante atribuição de diplomas especiais. Nenhum cidadão português pode aceitar condecorações estrangeiras.
O estado é laico e aceita o princípio da liberdade de crença (art. 5.º). Os cemitérios são considerados espaços laicos (art. 9.º), neles se podendo realizar o culto religioso de qualquer crença desde que este não ofenda a moral pública, o direito e a lei. O ensino público e particular é neutro em matéria de crenças religiosas (art. 10.º), o que implica a erradicação do ensino de catequese, a administração de sacramentos ou a presença de símbolos religiosos (imagens sacras).
São órgãos de soberania da República Portuguesa (art. 6.º) são o legislativo, o executivo e o judicial, declarados independentes.

·         Poder Legislativo. Simbolizado pelo Congresso da República, dividido em Senado e em Câmara dos Deputados. Tem sede em Lisboa e reúne a 2 de Dezembro de cada ano (art. 11.º). Quando reunidas as duas câmaras, preside o presidente mais velho. O Senado elege, demite e empossa o Presidente da República (arts. 19.º e 20.º). É definida a nova fórmula de publicação das leis (art. 30.º): “Em nome da nação, o Congresso da República decreta e eu promulgo a lei (…)”.
·         Poder Executivo (art. 36.º). Exercido pelo Presidente da República e pelos ministros das várias pastas. Existia a figura do Presidente do Ministério, que seria um dos ministros nomeado directamente pelo Presidente da República (art. 53.º).
·         Poder Judicial (art. 56º), sumariamente referenciado como sendo representado pelo Supremo Tribunal de Justiça, tribunais de 2.ª instância e tribunais de 1.ª instância.

O Presidente da República representava o país no plano interno e externo (art. 37.º). Após a respectiva eleição, tomava posse no Congresso da República, ante as duas câmaras reunidas (art. 43.º), sob a presidência do mais velho dos dois presidentes, com o seguinte compromisso: “Afirmo solenemente, pela minha honra, manter e cumprir com lealdade e fidelidade a Constituição da República, observar as leis, promover o bem geral da nação, sustentar e defender a integridade e a independência da pátria portuguesa”.
Era mantida a medalha ao mérito, filantropia e generosidade, bem como à prestação de bons serviços nos territórios ultramarinos e o direito ao uso da medalha militar (arts. 75.º e 76.º).
Os diplomas a atribuir por feitos cívicos relevantes poderiam ser acompanhados pela entrega de medalhas (art. 79.º).
Competia ao Presidente da República (art. 47.º): nomear os ministros, prover os cargos civis e militares, representar o país no estrangeiro, negociar tratados de comércio e de paz.
Nada consta quanto a municípios e governos civis.
Disponível em http://www.laicidade.org/wp-content/uploads/2006/10/constituicao-1911.pdf
Citar: AMNunes, Os textos constitucionais como fonte normativa do cerimonial público (III). A Constituição de 1911, http://virtualandmemories.blogspot.com/, 21.12.2011

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