sábado, 10 de setembro de 2011

Os emergentes actos de diplomatura de licenciados e mestres

Após a explosão massificadora sufragada publicamente pelos vários detentores da pasta da Educação, na segunda metade da década de 1990 começam a notar-se sinais de afirmação diferenciada da imagem corporativa dos produtos certificados pelos estabelecimentos portugueses de ensino superior.
Até então não era clara a diferença entre a qualidade da oferta do ensino superior público universitário e politécnico ou entre o ensino superior público e privado. O organismo central detentor do monopólio de reconhecimento de personalidade jurídica e estatutária das instituições de ensino superior, o Ministério da Educação, não exigia quaisquer requisitos quanto à imagem corporativa dos organismos a licenciar, como sejam insígnias, selos, distintivos, logótipos, hinos, bandeiras, trajes institucionais, cores corporativas ou regulamento de protocolo académico.
Contrariamente à França de tradição napoleónica, país onde existe vincado contraste entre identidade do universitário e identidade do politécnico, o politécnico português oscilou entre a assunção de uma imagem meramente civil (que já vinha do século XIX e da 1.ª República) e uma aproximação às tradições universitárias. Essa aproximação, e nalgumas situações vontade assumida de confusão, foi muito clara nas enunciações formuladas pelas associações de estudantes, tunas estudantis e grupos efémeros de estudantes que se mobilizaram desde inícios da década de 1980 e apostaram na realização de queimas de fitas, uso da capa e batina e produção de códigos de praxe cujo articulado e vocabulário confirmam o fascínio com o paradigma conimbricense.
Os processos de criação e invenção de tradições por parte dos estudantes-clientes das instituições de ensino superior de massas não se limitaram a um simples gesto passivo de decalque das tradições polarizadas nas universidades de Coimbra e do Porto. Novos trajes, novas festas, formulações de marcado ecletismo e revivalismo apontam para exercícios de criação a considerar na abordagem deste fenómeno de contornos ainda mal conhecidos.
A partir do momento em que os princípios e valores inerentes ao neoliberalismo começam a penetrar os modelos de gestão das universidades e politécnicos, os órgãos de representação de alunos e de gestão dos estabelecimentos de ensino superior saem lentamente da inércia que minava este tipo de instituições desde 1910.
Recorde-se que as universidades e politécnicos portugueses viveram um século XX despojado de património cerimonial e corporativo que ia da total ausência de visibilidade social de prática de actos protocolares à promoção de eventos à porta fechada que, pela sua simplicidade, banalidade ou inconsistência não tinham capacidade para atrair estudantes, funcionários, corpo docente, pais, potenciais empregadores, mecenas ou representantes da comunicação social.
Replicando a situação vivida noutros países da Europa continental, os poucos momentos cerimoniais proporcionados pelos estabelecimentos de ensino superior eram circunscritos aos membros das equipas reitoriais e ao corpo docente catedrático. Caso existissem, as togas, os grandes colares, as medalhas, os cortejos, os honoris causa, as imposições de insígnias apenas admitiam o corpo catedrático e não tinham qualquer preocupação em mostrar à comunidade o que eram e o que faziam os estabelecimentos de ensino/investigação. Muito menos havia preocupações com o ser-se lucrativo ou competitivo.
Os docentes contratados e os docentes dos primeiros patamares da carreira, caso dos detentores de licenciatura e mestrado, estavam liminarmente excluídos do protocolo académico, situação que foi replicada pela Universidade de Coimbra pós 1910 ao arrepio de toda a tradição conhecida. Os eventos professorais eram elitistas. Os seus protagonistas e beneficiários não consideravam importante praticar uma gestão integrada dos actos protocolares destinada a afirmar a imagem pública das instituições a que pertenciam ou onde prestavam o seu trabalho. Achava-se natural e normal que os funcionários do quadro, os representantes das agremiações estudantis e os professores não doutorados não fossem detentores de património vestimentário e insigniário.
Simplesmente, aquilo que parecia normal, natural e razoável, era apenas uma visão muito distorcida, pobre e fragmentária da gestão das instituições académicas de ensino superior sem fundamento na realidade trans-histórica europeia, aliás ainda hoje desmentida pelas universidades clássicas da Grã-Bretanha.
Ao longo dos anos que medeiam entre 1980 e 2010 encontramos sinais de discussão sobre o papel, necessidade ou desnecessidade do protocolo académico, mas os protagonistas da palavra são sempre professores do quadro divididos entre adeptos do protocolo e não aderentes. A discussão é fechada, elitista, centrada nos pontos de vista e nos valores professorais. Não é de todo uma conversa que pense a realidade institucional e os seus dilemas em função do que esteja a acontecer noutros estabelecimentos de ensino estrangeiros, que saia de si e reflicta as necessidades do organismo como um todo plural ou que integre os estudantes, as famílias fornecedoras de matriculandos-clientes e de propinas ou as potenciais carteiras de empregadores.
A inércia dos órgãos de gestão dos estabelecimentos de ensino superior portugueses andou de candeias às avessas face às tendências protocolares no mundo crescentemente globalizado: cores, insígnias e emblemas nos clubes de futebol, cerimónias realizadas por confrarias gastronómicas e enófilas, condecorações de Estado, galardões desportivos, cinematográficos e televisivos, galas de premiação as mais variadas.
Outro problema de fundo correlacionado com a construção de projectos protocolares no ensino superior português informa-nos da ausência de uma estratégica institucional concertada entre o órgão de gestão da universidade/e ou politécnico e o grupo de estudantes que na conjuntura sócio-cultural liderou os movimentos de invenção e implantação de determinadas tradições. São estudantes agrupados em torno de tunas e associações académicas que preparam as primeiras edições e asseguram a continuidade de queimas de fitas, semanas académicas, adopção de um traje escolar e de insígnias, exibição de uma cor que passa a ser considerada institucional. No caso das novas universidades públicas e privadas, em geral temos um brasão ou um logótipo institucionalmente votado e aprovado, mas não um código de cores. Ou se apropriam as cores já em uso nas universidades de Coimbra e Porto, ou se inventam novas cores com combinatórias inesperadas. Estas invenções podem ser arbitrárias, como aconteceu em diversos institutos politécnicos: não replicam as cores em uso nas universidades históricas ibéricas e não são cores oficialmente aprovadas por senados, assembleias ou conselhos directivos. Ulteriormente poderão ser integradas em códigos de praxe elaborados por estudantes, mas não fazem parte dos estatutos do respectivo estabelecimento de ensino. Única excepção a esta tendência terá sido a Universidade do Minho que ao longo dos anos manteve em actividade comissões de acompanhamento e discussão das iniciativas dos estudantes, fazendo eco de modelos de gestão britânicos e escoceses.
Isto pode parecer estranho aos olhos de um investigador ou de um aluno estrangeiro que venha estudar para Portugal. No primeiro contacto fica-se com a impressão que os estudantes, os professores e os órgãos de gestão de uma mesma instituição pertencem a estabelecimentos de ensino completamente distintos uns dos outros.
Um dos principais e primeiros problemas a resolver nas instituições de ensino superior onde existe protocolo académico é conseguir passar dos actos protocolares circunscritos a reitores e catedráticos para actos de gestão integrada que envolvam e beneficiem toda a comunidade escolar com efectiva capacidade de impacto junto da sociedade civil, empregadores, mecenas e consumidores de produtos inovadores.
A capacidade de sobrevivência dos estabelecimentos de ensino superior também passa pelas acções de recrutamento de novos alunos-clientes. O que é que pode levar um aluno-cliente a procurar este estabelecimento e não aquele é algo que cada instituição tem de saber publicitar atempadamente. Já não basta dizer que se é muito antigo, o mais antigo ou o considerado muito bom, é necessário evidenciar a diferença qualitativa e jogar segundo as regras do marketing.
Enquanto ferramenta estratégica de afirmação da imagem institucional, o protocolo académico aponta para uma gestão integrada dos vários patrimónios acumulados, musealizados ou em processo de construção. Graduar licenciados e mestres à pazada como se fazia nas décadas de 1980 e 1990 já não chega para credibilizar uma instituição. Isto é produzir em série, mas não é ser fora de série, isto é, excelente. Pagar propinas, estudar e investigar para no fim ir a uma secretaria levantar um diploma administrativo parece muito pouco e demasiado vulgar.
Nos últimos dez anos foram emergindo em Portugal os primeiros actos protocolares de entrega de diplomas a licenciados e a mestres. Nalguns acasos eventos civis, despojados de cerimonial, com entrega de diploma. Noutros casos, entrega de diploma com corpo docente e graduandos trajados com determinada indumentária, discursos, insígnias, performance musical, registo fotográfico do acto. Eventual confluência entre o profano académico e o sagrado, caso da Universidade Católica Portuguesa, onde temos notícia de acto de entrega de diploma com bênção religiosa. Ocorrências no politécnico (ex: ISP de Setúbal) e em universidades (Católica, Lisboa e Braga; UMinho; UBeira Interior, Aveiro).
Em todos os casos conhecidos:
-modesta circulação de informação escrita e visual no ciberespaço e nos sites institucionais;
-ausência de impacto nos mass media;
-elevado grau de dificuldade na obtenção de imagens que possam documentar os eventos;
-escassa ou nula contextualização do evento (origens do acto, regulamento, insígnias, trajes, importância do acto para a instituição promotora em termos de missão, visão e valores).

As vulnerabilidades apontadas chamam a atenção para a necessidade de prevenir a realização de diplomaturas banais. Os eventos banais não têm capacidade para suscitar sentimentos de adesão, proporcionar momentos de recordação positiva ou influir de modo a garantir a fidelização de novos clientes. Um graduando desiludido e epidermicamente influenciado por um acto protocolar de formatura/graduação dificilmente transmitirá uma imagem positiva aos seus amigos e familiares.
Estamos num país onde os portugueses são excelentes na organização de eventos. Qualquer cidadão sabe organizar com sucesso um baptizado ou um casamento. As cerimónias promovidas pelas confrarias gastronómicas e enófilas testemunham nos últimos trinta anos profissionalismo, capacidade de valorização de determinados produtos e elevado grau de investimento na captação de simpatizantes e defensores. Caso para perguntar, o que é que faltou aos gabinetes dos presidentes dos politécnicos e gabinetes de reitores? Porque não foram geridas positivamente as expectativas dos estudantes?
O profissional de protocolo académico pode ter uma palavra fundamental a dizer neste momento charneira de transição dos anos da massificação para políticas de certificação orientadas pelos critérios da qualidade e da concorrência.
Citar: Nunes, A. M - Os emergentes actos de diplomatura de licenciados e mestres, http://virtualandmemories.blogspot.com/ (10.9.2011)

1 Comentários:

Blogger jvcosta disse...

A Universidade Lusófona tem desde há alguns meses uma chefia de protocolo (este seu leitor), um novo traje doutoral, um código de cores académicas e um manual de protocolo e cerimonial. Se estiver interessado e me fornecer um endereço seu de mail para jvascosta@gmail.com tenho muito gosto em lhe enviar esses materiais.

12 de setembro de 2011 às 08:35  

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial