Virtual Memories
sábado, 6 de novembro de 2010
Fotografia relativa à cidade de Viana do Castelo, divulgada por José Leite de Vasconcelos na Etnografia Portuguesa/Volume III. Modelo igual foi surpreendido na cidade do Porto por George Vivian, que o reporta numa gravura editada em 1839, com diversas mulheres em torno de uma fonte junto a São Bento. Nas províncias a coca e mantilha terá começado por desaparecer na cidade de Coimbra, à volta de 1859, ridicularizada que foi pelos pelos literatos, no dizer de Borges de Figueiredo (Coimbra antiga e moderna). No Porto, Teófilo Braga (O povo português nas suas crenças, costumes e tradições) informa que a mantilha andou em uso pelo menos até 1873. Entre Douro e Minho foram assinalados espécimes até aos anos de 1880.
Nos Açores foram precisos mais uns contados 70 anos para que a moda urbana, o pronto-a-vestir, as modistas e as sacas de roupa compradas a peso nas "stores" e enviadas pelos emigrantes fizessem recolher os derradeiros capotes e capelos aos arquibancos avoengos.
Nos Açores foram precisos mais uns contados 70 anos para que a moda urbana, o pronto-a-vestir, as modistas e as sacas de roupa compradas a peso nas "stores" e enviadas pelos emigrantes fizessem recolher os derradeiros capotes e capelos aos arquibancos avoengos.
Fonte: Etnografia em Imagens, http://etnografiaemimagens.blogspot.com/2010_04_01_archive.html.
Capote e capelo, modelo tradicional feminino que se confeccionou e usou na Ilha de São Miguel, Açores, com presença assinalada até à Segunda Guerra Mundial.
Par masculino com fato de três peças em baeta castanha ou cinzenta, de finais do século XIX, completado pela originalíssima carapuça de rebuço. Trata-se de uma carapuça de tecido de lã, preta ouul ferrete, forrada, com copa mole, pala em forma de cabeça de tubarão martelo e amplo rebuço lançado pelas costas e ombros que nos espécimes ricos apertava com alamar. Na época estival, os camponeses levantavam o rebuço, prendendo-o sobre a copa.
Fonte: postal ilustrado de ca. 1908, circulado entre Ponta Delgada e Nova York
Repercussões da cultura vestimentária religiosa católica e aristocrática nas práticas populares portuguesas
Excelente trabalho de reconstituição de antigos trajes de dó da orla marítima, Póvoa de Varzim, associando a saia de ombros ao luto feminino e o gabão de saragoça ao luto masculino. Não obstante a evidente pobreza dos materiais de confecção (originalmente lãs tecidas, apisoadas, tingidas e confeccionadas em casa), as duas vestes patenteiam uma clara vontade de dramatização sócio-comunitária de gestão da dor resultante da perda ou da ausência, atitude que honrava e credibilizava os sofredores no tecido social. A ausência de dramatização gestual e vestimentária macularia duradouramente a honra de quem recusasse assumir o luto convencional.
Trajes masculinos de luto pesado usados no Reino de Castela, séculos XVI-XVII
Num dos casos visualizados, o abafo parece ser um manto preto de cauda, deitado pela cabeça. No outro caso documentado, a veste corresponde a abafos como o gabão (com mangões, cabeção e capuz deitado pela cabeça) e a capa de honras de Trás-os-Montes/Castela. Uma vez mais ficam assinaladas as semelhanças com a vestes de luto usadas oficialmente nos ritos fúnebres das casas reais da Península Ibérica e Inglaterra, bem como pelos cónegos das catedrais (capelos e capas de cauda rastejante).
Fonte: acervo da Fundación Diaz
Traje das noivas da Flandres/Países Baixos quando iam à missa, meados do século XVI
A mantilha preta é exactamente igual ao modelo que se usou em diveras localidades portuguesas, passando por Viana do Castelo, Porto, Monsanto da Beira e São Paulo (Brasil). Algumas variantes dispunham de ampla coca ou capelo armado, aproximando-se assim da coca de Coimbra e do capote e capelo dos Açores. Espécimes da mesma família foram usados no Sul de Espanha e em Veneza.
Fonte: acervo da Fundación Diaz
Bioco das mulheres mouras do antigo Reino de Granada
Facilmente se constata que o bioco é uma saia de ombros, amplamente pregueada na costura de um cós que se deitava pela cabeça, servindo de manto/capa. Este tipo de peça, em lã de tear doméstico, nas mais variadas cores, foi usada um pouco por todo o Portugal continental e insular. Até aos anos da Segunda Guerra Mundial ainda se podiam avistar e fotografar exemplares na orla marítima, a exemplo da Póvoa de Varzim. A minha avó paterna, nascida em 1907, por 1980 ainda recordava a confecção caseira e uso das saias de ombros em contextos de trabalho (abrigar da chuva e do frio, predominando as baetas castanhas e cinzentas), viagem (ir à cabeça do concelho tratar de burocracias, predominando as baetas vermelhas ou azuis) e luto pesado (em lã preta).
Gravura do século XVI, acervo da Fundación Diaz
Traje tradicional das mulheres sírias que inclui bioco deitado pela cabeça e véu de ocultação do rosto
Não se trata exactamente de uma burca islâmica. A estrutura do bioco não é inteiramente perceptível. Parece tratar-se de uma saia de ombros, parecida com as saias que a mulheres portuguesas usaram entre os séculos XVI-XIX para cobrir os ombros/costas em contextos de trabalho e a cabeça em situações de luto cerrado.
É de admitir que fosse este o modelo vestimentário presente no pensamento dos alvitristas portugueses do século XIX quando aludiam a semelhanças entre os biocos femininos islâmicos e os biocos/cocas/mantilhas/capelos das portuguesas provinciais.