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quinta-feira, 3 de junho de 2010

Sinais de diversidade insigniária nas universidades ibéricas


Carta de curso de estudantes do Seminário C. C. de Valência/Facultad de Sagrada Teologia do ano de 1886-1887 com hábito talar romano (batina romana e mantéu espanhol). Os dois docentes vestem hábito talar romano, murça (muceta) branca de modelo salmantinense e o tradicional barrete preto de quatro cristas ornado de fiapos de seda e borla


Espanha, século XVIII/inícios do século XIX: monge com hábito regular, murça doutoral dupla, com forro em azul de Artes Liberais/ou Filosofia e sobremurça em branco de Teologia.
Barrete doutoral preto, de quatro cristas ou picos, com franjas misturadas e borlão de aparato fixado sobre a copa. Este tipo de barrete era próprio para dias de grande solenidade, cerimónias régias, académicas e religiosas e cavalgadas.


Barrete doutoral de Teologia e Filosofia (branco e azul) de grande ostentação, com flocos de seda nas duas cores das especialidades e borla armada sobre a copa do barrete preto de quatro arestas. Modelo barroco, parece corresponder a soluções idênticas às registadas em coroas de festa usadas em Portugal em danças rituais religiosas
Retrato de cónego espanhol, primeiro quartel do século XIX


Cobertura de cabeça usada pelos imperadores chineses no Inverno


Colação do grau de doutor em Sagrada Teologia, inícios do século XVII, antiga Univ. de Alcalà de Henares/Complutense.
Alguma variância entre os barretes de cantos com borla e flocos de seda (doutores clérigos) e os sombreiros (doutores civis), os últimos secundando a tradição aristocrática e religiosa dos altos dignitários da China e do Tibete


Doutor em Leis, Salamanca, por F. Zurbarán, com loba de grande cerimónia, primeira metade do século XVII


Antigos hábitos da Univ. de Santiago de Compostela, confirmando a presença da loba dos doutores à moda dos séculos XV-XVI. Variantes com abertura dianteira e aberturas laterais. Presença da murça e da beca posta em V sobre os ombros


Retrato de I. Bueno, doutor em Direito pela Univ. de Sevilha, ostentando o capelo duplo, com forma e ornamentação anteriores à reforma de 1850 que uniformizou as insígnias doutorais em Espanha
Património da Univ. de Sevilha


Retrato do doutor Manuel María del Marmol, Univ. de Sevilha, primeira metade do século XIX
Pormenor da técnica de confecção do capelo doutoral em azul celeste e branco, com murça dupla e ornamentação. O barrete é o tradicional "bonete de quatro picos" com borlão central e laurea franjada
Património da Univ. de Sevilha

São Damião com o capelo doutoral de Medicina
Escultura sacra da Universidade de Sevilha, datada de finais do século XVII, documenta a presença de um capelo duplo (duas mucetas) próximo da tipologia consagrada na Univ. de Coimbra. A ornamentação assenta num trabalho de passamanaria à base de rosáceas e alamares em soutache.

Lobas e balandraus


Alto dignitário do Império Otomano com veste talar de cerimónia
A sobreveste de cerimónia patenteada na gravura corresponde em linhas gerais à chamarra ibérica que teve expressivo uso na Univ. de Coimbra até à Guerra Civil de 1828-1833.
Dois dados a reter na visualização deste tipo de vestes: a) ao contrário do que pretendiam fazer crer os mais empedernidos adeptos do sistema burguês, no auge da cultura burguesa clássica mantinham-se em pleno vigor dispositivos vestimentários masculinos não coincidentes com a farda napoleónica nem com a casaca/fraque de abas de grilo que conferia aos prosélitos um curioso ar de grilos fardados; b) o protocolo diplomático aceitava os trajes nacionais de cerimónia não ocidentais como equivalentes à farda diplomática.


Parecenças: a chamada loba dos doutores, desacreditada pela cultura burguesa oitocentista dada a sua suposta sintonia com as vestes do clero católico romano e com a roupeta da Companhia de Jesus, revela forte proximidade com as vestes usadas por altos dignitários do Império Otomano até finais da Primeira Guerra Mundial

quarta-feira, 2 de junho de 2010


Seminarista espanhol com balandrau de lã
O balandrau espanhol era um capote comprido e amplo, dotados de mangas tubulares, colarinho raso e romeira (esclavina) sem botões. Apertava sobre o peito com uma carcela de dois a três botões.
Em Portugal o balandrau teve grande uso nas confrarias. Foi também envergado por populares no Inverno e em ritos funerários. O modelo português possuía uma capucha cosida à esclavina, no que se parecia ligeiramente com o velho gabão, peças que se deitavam sobre a cabeça e rosto nos actos de luto pesado.
Até à década de 1970 a linguagem oral das ilhas dos Açores fazia abundantes remissões para os balandraus, sem que houvesse imagem credível do que fora o modelo. Aqui fica um exemplar de uma peça de indumentária largamente usada pelo clero espanhol.


Estudantes do Seminário de Málaga
Apesar da falta de nitidez, é possível ficar com uma ideia do enorme comprimento das pontas das antigas becas, por sinal distintas dos modelos curtinhos que as tunas espanholas popularizaram na década de 1950.

Gravura de um seminarista de Málaga, realizada ca. 1830, antes da abolição do hábito académico em Espanha. A beca mantém a configuração medieval conforme a moda do século XV, exibindo uma "rosca" que nada mais é do que o resquício de um chapéu/sombreiro. Em França, o epitógio também exibe uma rosca ou flor aberta, herança abastardada da ancestral cobertura de cabeça.
Os seministas de Málaga eram conhecidos na gíria local por "los salmonetes", apodo que parece corresponder ao usado no Colégio Germano-Húngaro de Roma ("lagostins").


Retrato do seminarista José Sanches Quero, que estudou em Granada, com um barrete incomum

Outro registo da loba espanhola, com beca e barrete de picos


Retrato de um seminarista espanhol
Fotografia de inícios do século XX, documenta a extinta loba dos universitários espanhóis que se usou em Salamanca e noutras instituições de ensino superior até ca. 1834. O registo atesta uma veste talar de dois corpos sobrepostos, a sotaina interna e o o manto externo. A sobreveste é despojada de mangas, comportando duas aberturas para a saída dos braços, como acontecia com a loba dos académicos de Coimbra e com as antigas vestiduras dos juristas. Ao contrário dos hábitos e togas de carcela dianteira, as lobas eram vestes cónicas de enfiar pela cabeça.
Dois outros adereços característicos deste conjunto indumentário são o barrete de quatro picos ou arestas e a beca peitoral cujas pontas desciam quase até meio da barriga da perna. A beca dos seminaristas era vermelha, aproximada ao sangue de boi. Adereço semelhante foi usado em seminários católicos portugueses (caso de Viseu) e em pelo menos dois colégios agregados à Universidade de Coimbra.
Nas universidades espanholas dos nossos dias, os tunos usam uma beca curtinha com o emblema da instituição a que pertencem. Elevada percentagem de universidades generalizou a imposição desta banda nos actos de formatura de licenciados. Porém, a adaptação não é inteiramente pacífica, uma vez que a imposição da beca era um rito de entrada na vida colegial e universitária e não um rito de passagem ou de saída. O facto de este distintivo estar banalizado pelas tunas académicas e pelas confrarias gastronómicas parece não ajudar a convencer os mais cépticos.
Esta variante da loba universitária, caída em desuso na Europa continental, ainda aparece em actos solenes realizados na Universidade de Oxford. Em fotografias disponíveis para 2005-2007 pudemos confirmar a sotaina preta de seda, com mangões tubulares fendidos, à século XVI, e o manto em seda carmim.
Do ponto de vista da arqueologia vestimentária, a extrema rarefacção destas peças e a escassez de registos iconográficos leva a que os poucos investigadores interessados na história da indumentária acreditem que as lobas eram batinas talares romanas ou simples túnicas. Contudo, trata-se de um conhecimento técnico especializado que passa por campos como os padrões texteis utilizados e as técnicas de confecção, necessárias a museus do traje, guarda-roupa de teatros e filmes, encenação de cortejos históricos, dramatizações escolares e museus académicos e de arte sacra. Aliás, uma das maiores lacunas dos museus de arte sacra ocidentais reside na valorização da paramentaria litúrgica em detrimento da indumentária eclesiástica. Passados 40 anos sobre a reforma da indumentária eclesiástica autorizada pelo Papa Paulo VI (1969), há vestes, calçado, coberturas de cabeça, abafos e insígnias definitivamente perdidos.
Perderam-se as peças, perdeu-se a técnica de confecção, perdeu-se a arte de passamanaria associada, perderam-se as variantes regionais que os modelos romanos nunca tinham extirpado. Na Universidade de Coimbra, a história dos hábitos e insígnias é decepcionamente desertificadora, marcada pelo desleixo, pelo abolicionismo e pela ausência de consciência patrimonializadora.


Paraninfo da sala de actos grandes da Universidade de Barcelona
Investigadores presentes no IV Congresso Internacional de Arqueologia Clássica, 23 de Setembro de 1929, entre os quais Hugo Obermaier, José Ferrandis, José Ramon Mélida, Conde Pellati, Gerhardt Odenwaldt, Ferdinand Noack, Raymond Lantier, Crawford y Tomás e Pere Gimpera.


O historiador e arqueólogo Pere Bosch Gimpera (Barcelona, 1891; México, 1974)
Retrato captado após a prestação de provas de doutoramento em Direito na Universidade de Barcelona em 1913. Foto da Família Prieto-Bosch, publicada no "Correio de las Culturas", México
Docente e reitor da Universidade de Barcelona, Gimpera militou na causa republicana. No rescaldo da Guerra Civil acabaria por se domiciliar no México onde trabalhou como docente e investigador de renome internacional.
Na foto supra Gimpera veste toga talar preta guarnecida de punhos de renda e ostenta murça doutoral e medalha.
Agradeço a informação prestada por Roser Pi Nova, do Gabinet d'Activitas Institucionales i Protocol/Universitat de Barcelona

domingo, 30 de maio de 2010

Questões de identidade na Alma Mater Ovetensis: selo, marca, selo


O selo recuperado pelo Rector Vicente Gotor

Desenho crítico relativo ao processo de recuperação do antigo selo. Apareceu colado em edifícios do Campus Viesquez em 2008


Marca corporativa da Universidade de Oviedo
Fundada em 1608, a Universidad de Oviedo, usou desde o início o brasão arquiepiscopal do Arcebispo Fernando Valdés Salas. De acordo com o artigo 8.º dos Estatutos constantes do Decreto 233/2003, o selo era constituído pelo escudo oval dos Valdés, sulcado por três barras azuis, 10 cruzes de São Jorge, sendo encimado pelo sombreiro episcopal verde, do qual pendiam cordões e borlas.
De uso obrigatório nos bens imóveis, documentos, publicações e objectos, deveria ostentar uma inscrição com a frase latina "Sigillum regiae Universitatis Ovetensis".
Nos inícios do século XXI, em 2002, a equipa reitoral liderada por Juan Vázquez decidiu encomendar ao desenhador Manuel Estrada um estudo de renovação da imagem corporativa. O estudo originou um novo emblema, de tipo empresarial, que passou a ser utilizado em artigos de papelaria, publicidade e publicações.
Simultaneamente manteve-se em uso o selo tradicional. A tentativa de mudança de identidade visual deu origem a fracturas no interior de uma universidade que em 2008 celebrou 400 anos de funcionamento ininterrupto. O candidato a reitor, Vicente Gotor de Santamaría, utilizou como lema da sua campanha a abolição da marca desenhada por Estrada. Vencida a pugna eleitoral, a tomada de posse de Gotor, em 2008, foi marcada pelo regresso do selo multissecular.
Saber mais
-Universidad de Oviedo, http://www.uniovi.es/;
-Estatutos de la Universidad de Oviedo. Decreto 233/2003, de 28 de noviembre, http://noticias.com/base_datos/CCAA/as-d233-2003.t1.html;
-GUTIERREZ, Blanca - Gotor decide resucitar el escudo de la Universidad que cambió Juan Vázquez. In La Voz de Asturias, de 8/06/2008, http://www.lavozdeasturias.es/noticias.asp?pkid=424453;
-Mediateca de la Universidad de Oviedo/Escudos institucionales, http://mediateca.uniovi.es/web/mediateca/EscudosInstitucionales.
Agradeço a Alicia Cañas Sancho, da UNIVIO as informações prestadas