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sábado, 20 de fevereiro de 2010
Os candidatos. De acordo com as imagens disponíveis, os novos doutores comparecem à cerimónia de entrega dos diplomas com grande casaca preta civil. A tradição é comum à praticada na academia sueca e nas universidades escandinavas.
Na Sorbonne, nos anos quentes da abolição da toge, os candidatos à prestação de provas públicas para obtenção do grau de doutor envergavam grande casaca. Este costume tem alguma aceitação na Universidade de Lisboa, pelo menos na Faculdade de Direito.
Leiden: à porta da sala de actos, o bedel com a maça alçada aguarda o momento da entrada dos graduandos.
Membro do Coimbra Group, Leiden é uma universidade holandesa fundada em 1575. Realiza cerimónias de tomada de posse dos reitores, investidura de novos doutores, doutoramentos honoris causa e o Dies Natalis. Esta última será a mais importante cerimónia pública de Leiden, assente num cortejo que percorre as ruas entre a universidade e a catedral de São Pedro, discurso reitoral e distribuição de prémios.
Os estudantes, em fato civil, tomam parte neste cortejo. Os docentes envergam uma toga talar preta com bandas guarnecidas de veludo e uma gorra de estilo renascença. O acto de conferimento do doutoramento honoris causa admite que o laureado envergue o traje da universidade a que possa pertencer e consiste numa chamada do candidato ao paraninfo, num elogio proferido por um docente, na leitura em voz alta da carta de grau (latim), na imposição da insígnia, na entrega do diploma e num aplauso colectivo.
O cortejo do Dies Natalis é um dos momentos mais bem conseguidos da cultura universitária europeia em termos de animação de um centro histórico, sobriedade e beleza da veste talar, articulação entre docentes, estudantes, cenário e sonoridade do órgão de tubos.
Num concurso de tradições académicas no âmbito dos membros do Coimbra Group, o Deis Natalis de Leiden seria um forte canditato a um troféu de originalidade.
Fonte: filme do Dies Natalis de 9.02.2009 (Entrance student and professor cortege; diesoratie; honoris causa da Prof. Suan Fiske), http://www.leidenuniv.nl/dies/2009/index.html?lang=en
Vida em Graz
Numa era de globalização, em que as universidades se apresentam como marca e os seus formandos são lançados no mercado como meros produtos comerciais e industriais, eis um exemplo de ineficácia do markting institucional.
Eventos semelhantes, mas bem mais mediáticos, são regularmente realizados por empresas, cadeias televisivas, clubes de futebol e academias de cinema. Como e com que armas podem as universidades concorrer com os infindáveis eventos de atribuição de galardões produzidos por todo o tipo de instituções não académicas? Se não podem concorrer, devem tentar falar a mesma linguagem? Se quisermos colocar algum bom senso no dircurso, diremos que as universidades devem ser universidades, não lhes competindo fazer de conta que são empresas nem instituições que atribuem o Nobel da física, a palma de Cannes, os Óscars de Hollywood, a bota de ouro dos craques de futebol ou os troféus mais ou menos kitschs tão pululantes quanto cobiçados. No limite corre-se o risco da replicação não ser mais do que aqueles diplomas de loja dos trezentos onde se diz que P. é o melhor amigo, L. o melhor periquito ou J. a namorada mais fofinha.
Graz: cerimónia de entrega de cartas aos novos doutores
Não tendo enveredado pela apropriação da "graduation" norte-americana, Graz realiza uma cerimónia civil singela de entrega de diplomas em sala aos novos doutorados. Esta cerimónia não segue nenhum ritual tradicional, pelo que não chega a haver colação do grau.
Há uma assembleia que se reune, presidida pelo director da faculdade outorgante (neste caso Teologia), os formandos são chamados à mesa e procede-se à entrega individual dos diplomas. Parece haver lugar a um discurso de saudação institucional e a algumas palavras proferidas por um representante dos formandos.
Estas cerimónias de entrega de diplomas, muito em voga na actualidade, não são propriamente uma herança patrimonial das universidades históricas. Há aqui um misto de rituais de algumas academias literárias e científicas com as cerimónias de entregas de diplomas que era usança fazer-se em escolas militares e politécnicas.
Na laurea do Bispo Kapellari confirma-se a sobrevivência de algumas práticas ancestrais como a admissão dos candidatos em hábito talar romano. Quanto ao mais, a cerimónia é relativamente simples. Os registos fotográficos disponíveis não confirmam o acto de imposição de insígnias.
Cerimónia de colação do grau de doutor pela Faculdade de Teologia Católica da Universidade de Graz, Áustria (23.05.2006)
O introdutor recebe e cumprimenta o recipiendário, Bispo Egon Kapellari no átrio da escola. Eis um momento de confirmação da ancestral tradição universitária europeia, segundo a qual apenas os dignitários religiosos podiam colar graus com as vestes talares da sua igreja.
Graz é membro do Coimbra Group. As vestes talares desta universidade são de grande sobriedade e beleza. A seda moiré dos doutores permanece em uso. A instituição promove algumas cerimónias como a investidura do reitor, doutoramentos honoris causa e posse de novos doutores.
terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
J-13: Cortejo de deputações académicas enviadas a Jena, Alemanha, por alturas da sessão solene comemorativa dos 450 anos da fundação do Studium, em 15 de Maio de 2008.
Jena, fundada em 1558, integra o Coimbra Group. Eis um excelente documentário visual.
Nesta foto vemos representantes de universidades germânicas e de Iasi (Roménia).
Ante um cortejo público desta envergadura, marcado pela diversidade talar e insigniária, pode perguntar-se para que serve afinal o cerimonial académico. Pode ou não ser considerado património? Se traduzir manifestações culturais marcadas pela originalidade e diversidade, sim. Se for uma mera replicação do protocolo de estado, uma imitação do que faz massificadamente nas universidades norte-americanas ou uma importação das entregas de óscars de Hollywood, a resposta será não.
Um velho mestre-de-cerimónias não hesitaria na resposta: o cerimonial serve para solenizar determinados actos do calendário das instituições através do recurso a cenários, vestes, insígnias, falas, gestos e sons, de modo a que um organismo académico se mostre como um corpo coeso e eficazmente organizado.
Comparado o que se passa nos encontros de confrarias gastronómico-báquicas com o que se faz ou não faz nas universidades, pode concluir-se que na generalidade das situações observadas as confrarias souberam construir uma imagem institucional/identitária mais eficazmente estruturada. Nas universidades ocidentais, a excelência organizacional e imagética dos actos solenes assinala-se em algumas universidades britânicas (colocaria em 1.º lugar Oxford) e na Universidade de Coimbra.
Embora esticamente agradável e dotado de capacidade de animação urbana, o cortejo de Jena espelha sobretudo desorganização. Não estamos obviamente em Coimbra, mas se aplicado o cerimonial conimbricense, em primeiro lugar desfilaria Jena, e após esta os representantes das universidades convidadas por ordem de data de fundação, dispondo-se as mais recentes na vanguarda e as mais antigas na rectaguarda.
Vida em Heidelberga
Discreto retorno do património talar: honoris causa do Prof. Geoffrey Boulton, ladeado pelo Rektor Bernhard Eitel e pelo Decano Heinz Scholer, 2008.
Ao contrário das confrarias gastronómicas e vinícolas, as universidades revelam alguma timidez e hesitação na afirmação pública do seu património. Quando o fazem, nos casos em que o abolicionismo foi levado ao extremo, a falta de consistência é bem patente. Noutras situações, a opção kitsch parece ser francamente discutível, impondo eventos mais ou menos colados à cerimónia cinematográfica de entrega dos óscares e indumentárias de corte e tecido que lembram as licras carnavalescas dos fatos à batman e à spiderman que se podem adquirir nas lojas do pronto-a-vestir.
Aqui não é propriamente o caso, mas lá que há um longo trabalho de casa a fazer, lá isso há!
O Rektor de Heidelberga com os novos "senadores honorários" Dr. Freudenberg, Dr. Hachmann e Prof. Osheroff, 19.10.2002
Fonte: http://www.uni.heidelberg.de/press/news/press220_e.html
Fonte: http://www.uni.heidelberg.de/press/news/press220_e.html
Sala de actos da Universidade de Heidelberga
Fundada em 1386, é membro do Coimbra Group. Trata-se de uma instituição dinâmica, com boa projecção internacional e forte presença na vida cultural e científica da Alemanha. Em termos de identidade visual, Heidelberga viveu as medidas abolicionistas decorrentes das crises académicas de 1968 e ss. O lema radicalizado "abolir o talar por mil anos" deixou cicatrizes profundas nas universidades históricas. O certo é que nas universidades germânicas do Coimbra Group não é fácil encontrar imagens que documentem cerimónias académicas.
Heidelberg era detentora de expressivos costumes estudantis, alguns dos quais aproveitados pela indústria turística, como as canções comunitárias, a cadeia preventiva escolar, os duelos e o uso de boné de pala.
Nos últimos anos, as universidades germânicas têm vindo a recuparar parte do património perdido ou abolido, embora nem sempre com recurso a estratégias suficientemente concatenadas. A sedução norte-americana tem os seus adeptos, como acontece na Univ. de Berlim desde 2005.
A informação visual sobre eventuais aberturas do ano escolar, posse de reitores, colacção de graus de licenciado e mestre, afigura-se escassa ou mesmo inexistente.
A Univ. de Coimbra poderia desempenhar junto dos membros do Coimbra Group um importante papel de liderança no que concerne à elaboração de uma «carta do património cultural e cerimonial universitário», que resultasse na adopção de recomendações benévolas a implementar faseadamente.
Desde logo:
-recolher e inventariar as manifestações do cerimonial universitário substistentes;
-promover estudos sistemáticos nos centros de investigação das universidades membros, em línguas internacionais;
-produzir documentos audivisuais destinados a divulgar, partilhar e fruir o património existente e comunicá-los em sítios web;
-definir programas orientados para a identificação dos patrimónios inertes/esquecidos e propôr a sua revitalização enquanto poderosos intrumentos de afirmação da identidade de cada universidade/marca;
-integrar representantes dos estudantes e dos funcionários nas iniciativas cerimoniais;
-promover a animação cultural dos centros históricos com cortejos públicos e projectos que afirmem uma vontade de abertura à comunidade urbana;
-potenciar situações de incentivo/revigoração das artes e ofícios através da elaboração de projectos destinados à produção de trajes talares, insígnias e outros produtos/marca, com efeitos imediatos no textil, ourivesaria, bordados; alegorias, logótipos, material de apoio ao turismo e serviços educativos;
-abandonar posições elitistas e preconceituosas, assumindo o património universitário como alavanca da memória corporativa e matéria prima para sustentação de pesquisas em diversos ramos do saber;
-elaborar e ratificar uma convenção mediante a qual as universidades membros se obriguem a implementar num determinado período de tempo um conjunto mínimo de projectos de preservação e divulgação patrimonial como sejam: 1) abertura solene do ano escolar; 2) cerimónia de investidura dos reitores e detentores dos cargos de governo; 3) celebração do dia da fundação; 4) actos de colação de graus conferidos em conformidade com Bolonha; 5) doutoramentos honoris causa; 6) atribuição de prémios de mérito;
-aproveitar os encontros periódicos para efectuar pontos de situação e distinguir as universidades consideradas referenciais na gestão integrada do património histórico;
-dinamização de encontros periódicos vocacionados para o estudo, salvaguarda e divulgação do protocolo universitário, aproveitando as boas práticas realizadas em Espanha desde a década de 1990.