domingo, 1 de agosto de 2010


Portadas de acesso à Aula Magna
Ao centro, destacada figuração do selo, listel, lema e motivos heraldísticos. O selo institucional da UL foi alvo de um pouco conhecido estudo de Maria João Bonina Grilo, apresentado em Março de 1990 às jornadas de história do 7.º Centenário da Universidade de Coimbra, com o título «A emblemática da Universidade de Lisboa». Foi o referido estudo publicado nas actas Universidade(s). História. Memória. Perspectivas. Volume 3. Coimbra: Comissão Organizadora do Congresso História da Universidade, 1991, pp. 383-397, com 12 imagens de apoio. Há um ensaio de discussão nesse artigo sobre a concessão dos graus secundum autoridade régia e autoridade papal, que configura a parte menos conseguida do trabalho, por fenecerem à autora dados mais substanciais.
O selo circular com a caravela municipal de Lisboa, a legenda «Universitas Olisiponensis» e o lema «Ad lucem» foi criado em 1914 pelo arquitecto Raul Lino. De acordo com a autora, a proposta de Raul Lino talvez não tenha passado de um esboço que acabou por ser institucionalizado. Em todo o caso, a apropriação da heráldica municipal não é caso raro na época. Diremos que foi uma das práticas mais seguidas pelos clubes de futebol que corriam em direcção à sociedade de massas dos anos do após Guerra.
Um dos temas ladeantes é o selo do Rei D. Dinis, aprovado no programa decorativo num momento escaldante da crispação entre membros do corpo docente da UL e da UC a respeito de saber-se se a instituição plantada em Coimbra no ano de 1537 teria continuado o Studium Generale de 1290. Coimbra disse que sim sem hesitações. Marcello Caetano e seus apoiantes fixaram então a narrativa mítica que haveria se prevalecer, anulando a contingência fáctica decorrente da pouca distância que decorria de 1911 e associando o nome da instituição a uma vetusta data da meia idade.
A crispação de 1960 era não apenas um azeda troca de palavras entre intelectuais truculentos. Em nosso entender ela significava essencialmente duas coisas que foram pensadas mas não ditas em voz alta:
1) uma atitude de revolta de Macello Caetano e dos seus próximos perante a forma como o Estado Novo vinha, desde a Segunda Guerra Mundial, conferindo destaque internacional à UC através da sua inclusão em visitas de estado e promoção de doutoramentos honoris causa (conhecidos por "doutoramentos políticos" em Coimbra). O acto discriminatório era praticado e assumido pelo governo de Salazar e não pela UC, lesando os interesses corporativos da UL, mas também os da UP e os da UTL, há que dizê-lo. Todavia, se não quisermos ser demasiado injustos no reconhecer daquilo que a UC tinha proporcionado de graça às outras instituições de ensino superior, lembre-se que entre 1910-1926 a UL e a UP passsaram a usar a borla e capelo, as cores institucionais das faculdades, formas de tratamento, a capa e batina e simbologia estudantil. Sendo um homem do regime, não obstante as suas peculiaridades, Caetano aproveitou o seu reitorado para assumir um projecto de afirmação da identidade corporativa da UL, com um traje, o hino académico internacional e realização de determinadas cerimónias. Como homem do regime que era e antigo dirigente da Mocidade Portuguesa, Caetano conhecia muito bem a função dos símbolos e sabia até que níveis poderia ir a linguagem inculcadora das narrativas míticas. Essa luta implicou a definição de um inimigo externo, táctica muito usada no campo militar e futebolístico, que funcionou como instrumento de reforço do orgulho corporativo e do sentimento de pertença. O saber e a linguagem dos juristas e dos historiadores serviu para interferir na realidade factual contemporânea e criar um trans-acontecimento revindicativo de direitos e de status (Edmund Leach, 1954);
2) outra linha de força da acção marcellista passou pela negação da génese republicana, acto que implicou uma espécie de parricídio, quiçá amnésia, sobre os grandes princípios da igualdade, laicidade e progresso, olvidando assim um século XIX marcado pelo saber dos médicos (Médico-Cirúrgica) e engenheiros (Politécnica) de cunho positivista, cartesiano, anti-monárquico e anti-católico. Haverá algo de mais ideologizado do que isto, quer dizer, do que colocar a própria universidade a exorcismar os valores que o Estado Novo também tinha declarado oficialmente diabolizados?

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