quarta-feira, 21 de julho de 2010

Sobre a Cidade Universitária de Lisboa

A Cidade Universitária de Lisboa foi inaugurada em 1960 pela equipa do Reitor Marcello Caetano, conquanto o pavilhão da Reitoria só tenha ficado pronto em Outubro de 1961.
Embora não estudado de modo a evidenciar a plenitude das suas linhas de força, hesitações e virtualidades, o projecto da Cidade Universitária de Lisboa configura uma proposta pensada pelas elites universitárias portuguesas para a instalação dos poderes-saberes no tecido urbano da capital.
As cidades universitárias de Coimbra e de Lisboa são os únicos grandes projectos de obras públicas realizados pelo Estado na primeira metade do século XX em Portugal, em cenário de ditadura. Dos dois referenciados, o projecto conimbricense é o que mais se aproxima do ideal fascista, propondo infra-estruturas e cenários directamente ancorados nos conceitos da arquitectura monumental totalitária.
Solução a contento das elites e para as elites que ocupavam a cidade, o projecto de Coimbra escondeu mal efeitos perniciosos: a) a prepotência do estado autoritário, envasada em actos discricionários de expropriação utilizados como instrumentos de opressão burocrática; b) a extradição forçada dos moradores da cidade alta para bairros económicos periféricos; c) a imposição de altimetrias, volumetrias e soluções técnicas de ocupação em ostensiva violentação do relevo natural; d) a demolição forçada de património edificado pré-existente, sem concomitante plano de salvaguarda de cantarias, ferros forjados artísticos e azulejaria; e) a falta de visão quanto à previsibilidade de crescimento da procura do ensino superior, com a consequente sobrelotação dos espaços; f) a consagração de uma estética monumentalista, colossalista e sobre-humana que evidencia bem a distância do romanismo face à escala humanizada da arquitectura greco-ateniense; g) a plena confirmação de que os regimes autoritários demoliam quando e como lhes pareceu oportuno, em nome da “razão de estado”, contrariando os seus próprios princípios propagandísticos de ancoragem no respeito pelas tradições e costumes. O caso do esventramento de Coimbra fica a par da submersão da aldeia de Vilarinho da Furna, da destruição de Roma por Mussolini e do arrasamento de Bucareste por Nicolae Ceausescu.
O que está, está, mas porque estamos a falar dos intelectuais nas suas relações com o poder político, oferece-se dizer que não teria que ser forçosamente assim. A construção da Barragem de Assuão desencadeou uma campanha internacional, sob a égide da Unesco, que conduziu à transferência e salvaguarda dos complexos religioso-arqueológicos de Abul Simbel (1964-1968). As Grutas de Lascaux, descobertas em 1940, foram encerradas em 1963 aos turistas por razões de preservação das pinturas rupestres, medida que esteve na origem da construção da réplica Lascaux II, realizada entre 1972-1983. As escadarias monumentais da acrópole de Coimbra fazem pensar porque motivos terão sido ignoradas as soluções amplamente testadas em Portugal nos escadórios do Bom Jesus (Braga) ou dos Remédios (Lamego).
Inicialmente ignorada no conspecto das histórias da arte e da arquitectura, o caso da Cidade Universitária de Coimbra encontra-se amplamente estudado em sede de tese de doutoramento por Nuno Rosmaninho Rolo (O Poder da Arte. O Estado Novo e a Cidade Universitária de Coimbra. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006).
Em bom rigor não sabemos muito em Portugal sobre as características das cidades universitárias e campi universitários edificados nos vários continentes, de que aliás foi pródigo o século XX.
Fundada pelo Decreto de 24 de Março de 1911, a Universidade de Lisboa transitou de um paradigma eminentemente politécnico oitocentista, consubstanciado pelas pré-existências, para um modelo vincadamente humanístico. Até à década de 1950, os habitáculos da ciência caracterizam-se por alguma concentração em edifícios do Campo de Santana e pela relativa dispersão dos serviços no tecido urbano lisboeta. A Faculdade de Letras continuou a usar o edifício do Convento de Jesus, sede da Academia das Ciências, onde funcionara o Curso Superior de Letras. Medicina estava alojada no edifício da Médico-Cirúrgica, no Campo de Santana, garantindo a prática hospitalar Santa Marta. Farmácia, como escola e como faculdade efémera funcionou em contiguidade com Medicina. As Ciências permaneceram no edifício da Escola Politécnica, que por seu turno já tinha servido o Colégio dos Nobres. Direito começou a funcionar em 1913 no Palácio Valmor, encostado ao tribunal eclesiástico da diocese de Lisboa, também no Campo de Santana.
O projecto da Cidade Universitária de Lisboa, ou de um “bairro” para a universidade nasce por 1930, com a equipa reitoral de José Caeiro da Mata. As linhas de força do plano encontram-se reconstituídas por Patrícia Santos Pedrosa (Cidade Universitária de Lisboa 1911-1950. Lisboa: Edições Colibri, 2008; idem, Cidade Universitária de Lisboa. Vazios cheios urbanos ou as géneses alimentadoras de equívocos. Lisboa: ISCTE, 2007, disponível em http://upc.academia.edu/PatriciaSantosPedrosa/Papers/118003/Cidade-Universit%C3%A1ria-de-Lisboa).
Caeiro da Mata propunha concentrar no Campo Grande as faculdades existentes e respectivos anexos, conferindo destaque volumétrico ao pavilhão da reitoria, que deveria ficar situado entre Direito e Letras. O projecto vem a ser encomendado ao arquitecto Porfírio Pardal Monteiro em 1935, sendo Duarte Pacheco Ministro das Obras Públicas. A encomenda não terá sido meramente acidental. Pardal Monteiro era já um nome conhecido, trabalhava para o Estado e, pormenor a não perder de vista, tinha sido instado por Duarte Pacheco a desenhar o projecto do Instituto Superior Técnico.
Aliás, algum ar de família se nota entre o plano de ocupação do espaço no Instituto Superior Técnico e as plantas e cenários do Campo Grande. A mão de Pardal Monteiro está por ali, generosamente representada, sendo também de sua autoria o primeiro esboço da vizinha Biblioteca Nacional (inaugurada em 1969).
Onde é que o Reitor Caeiro da Mata, o Vice-Reitor António Carneiro Pacheco e o arquitecto Pardal Monteiro se inspiraram para indicar como melhor solução um campus encimado pela Reitoria/Direito/Letras?
Segundo os dirigentes da Universidade de Lisboa, a solução foi encontrada nos novos edifícios da Universidade Livre de Bruxelas, erguidos entre 1921-1928. Pardal Monteiro não desconhecia as fotografias do género publicadas em livros da especialidade e em 1937 deslocou-se com Duarte Pacheco às universidades de Paris e de Roma. Nas décadas de 1930-1940 a nova cidade universitária de Roma, concebida por Marcello Piacentini e edificada entre 1932-1935, constitui a coqueluche dos projectos ocidentais da especialidade, ultrapassando mesmo a obra de reconstrução da Complutense de Madrid levada a cabo pelo regime de Francisco Franco (fotos disponíveis em http://www.hotze.net/Roma/roma124htm; http://www.agisoft.it/Arte/5/a/Ar/Piacentini,%20Marcello.htm).
Cidade pensada para albergar a produção e conservação dos saberes postos ao serviço do Estado, o projecto de Lisboa embora não seja tão vincadamente totalitário como os de Roma e Coimbra reflecte ainda assim um forte desejo de afirmação e hierarquização dos saberes, de par com uma vontade de inscrição na história remota por via da discursividade genealógica.
Esse desejo de afirmação decorre do posicionamento topográfico, dos cenários ostentados nas fachadas de honra e das narrativas artísticas embebidas em cada um dos edifícios por sugestão dos membros da comissão de obras.
Com efeito, à data do arranque da Cidade Universitária de Lisboa já existiam no Ocidente projectos edificados em torno de um terreiro ou grande pátio, marcados pelo alinhamento simétrico de volumes à direita e à esquerda de um pavilhão central disposto no topo de um terreno. Era o caso do Capitólio de Roma, arranjo concebido por Miguel Ângelo no século XVI, de palácios com planta em U, como o Palazzo Barberini (1628), da autoria de Carlo Maderna, ou de cenários monofocais associados ao absolutismo e à ostentação barroca do poder. Entre finais do século XVIII e inícios do século XIX, os adeptos do neo-classicismo puseram em cena propostas urbanísticas e arquitectónicas que de alguma forma antecipavam projectos como a Cidade Universitária de Lisboa.
Em 1754 o rei Estanislau da Polónia promoveu na cidade francesa de Nancy um plano de construção que assentava na articulação de um palácio cimeiro, com a Place Royale delimitada por colunatas (influência do Vaticano de Bernini?), e arrumação longitudinal de edifícios na Place de la Carrière, esta decorada com jardins. O campus da Universidade de Virgínia, concebido por Thomas Jefferson e executado por Latrobe entre 1817-1826, embora coloque a reitoria à entrada do terreno, não deixa de optar por um rectângulo em torno do qual se arrumam os diversos edifícios. O esquema ortogonal do acampamento militar romano parece pairar sobre as soluções pensadas e adoptadas, bem como o desenho ideal da igreja de planta em cruz latina.
O que parece estranho na proposta avançada por Caeiro da Mata e Carneiro Pacheco é a posição de primazia conferida às faculdades de Direito e de Letras, na qualidade de instituições ladeantes da Reitoria. São declarações inequívocas de primazia protocolar. Dos três estabelecimentos politécnicos herdados de oitocentos e integrados na Universidade de Lisboa em 1911 como faculdades, Medicina é a primeira a ser criada por Decreto de 22 de Fevereiro de 1911. A sua exclusão do arranjo cénico é contudo compreensível, uma vez que foi pensada conjuntamente com o hospital, necessitando de mais terreno a ocidente do campus. Mas teria sido esta a solução definitiva, caso o edifício da Faculdade tivesse ficado separado do imóvel do Hospital de Santa Maria?
As Bases Constituição Universitária de 1911, presentes na letra do Decreto de 19 de Abril de 1911, precisam que a Universidade de Lisboa fica a ser constituída pela Faculdade de Ciências, Faculdade de Letras, Faculdade de Ciências Económicas e Políticas, Faculdade de Medicina e Faculdade de Agronomia. Tinha ainda anexas a Escola de Farmácia, a Escola Normal Superior e a Escola de Medicina Veterinária. Ulteriormente foi mandada criar uma Escola de Educação Física (Decreto de 26 de Maio de 1911).
Á luz do diploma citado, e da restante legislação escolar promulgada em 1911, a precedência entre as faculdades e escolas é a seguinte:

-Ciências (efectivamente criada e instalada, herança remontante a 1779)
-Letras (efectivamente criada e instalada, herança remontante a 1859)
-Ciências Económicas e Políticas (apenas instalada em 1913, sem herança patrimonial)
-Medicina (efectivamente criada em 22.02.1911. É inequivocamente a primeira Faculdade criada no âmbito da instalação da UL. Herança remontante à Real Escola de Cirurgia, de 1825)
-Agronomia (nunca chegou a funcionar na UL)
-Farmácia (só viria a funcionar como Faculdade com cariz permanente depois de 1968. Herança remontante à Escola de Farmácia, 1836)
-Normal Superior (viria a ser desanexada da UL)
-Medicina Veterinária (nunca chegaria a funcionar na UL).

O Estatuto Universitário de 1918 (Decreto n.º 4.554, de 6 de Julho de 1918), não respeita a ordem positivada em 1911. O artigo 3.º), Capítulo I, alinha as precedências em estrita conformidade com a tradição adoptada pela Universidade de Coimbra.

Vejamos:

-Coimbra: Letras, Direito, Medicina, Ciências, Escola de Farmácia, Escola Normal Superior;
-Lisboa: Letras, Direito, Medicina, Ciências, Escola de Farmácia, Escola Normal Superior;
-Porto: Medicina, Ciências, Técnica (=Engenharia), Escola de Farmácia.

No Estatuto Universitário de 1926 as precedências entre faculdades não são objecto de regulamentação (Decreto n.º 12.426, de 2 de Outubro de 1926; Decreto n.º 12.492, de 14 de Outubro de 1926).

As Modificações ao Estatuto da Instrução Universitária de 1929 (Decreto n.º 16.623, de 18 de Março de 1929), introduzem diversas disposições sobre o protocolo universitário, constando do artigo 113.º a ordem seguinte:

-Letras
-Direito
-Medicina
-Ciências
-Farmácia

Por seu turno, o Estatuto da Instrução Universitária de 1930 (Decreto-Lei n.º 18.717, de 2 de Agosto de 1930), longamente em vigor durante o Estado Novo, estabelece no artigo 1.º que a Universidade de Lisboa é constituída pelos seguintes estabelecimentos de ensino:

-Letras
-Direito
-Medicina
-Ciências
-Farmácia
-Escola Normal Superior.

Como se pode constatar, Ciências, primeiramente referida no diploma fundante de 1911 fica até 1985 no edifício da Escola Politécnica, ocupando posição secundária na Cidade Universitária e o quarto lugar nas precedências. Letras, sendo herdeira do Curso Superior de Letras, instituído em 1859, não era tão antiga como a herança reclamável por Ciências ou mesmo Medicina. A Escola Politécnica, fundada pelo Decreto de 11 de Janeiro de 1837, fora antecedida pela Academia Real da Marinha (Lei de 5 de Agosto de 1779) e pelo Colégio dos Nobres. Por seu turno, embora o estatuto de 1911 referencie a Faculdade de Ciências Económicas e Políticas, a Faculdade de Direito só foi efectivamente instalada em 1913. Como se infere pela análise dos diplomas publicados entre 1911 e 1930, o estabelecimento das precedências entre as faculdades na Universidade de Lisboa não obedeceu a critérios corporativos escorados na história da instituição mas somente à transposição acrítica do protocolo conimbricense.
Ciências que durante a República conseguira eleger sucessivos candidatos para a Reitoria, viria a ser preterida na viragem para a década de 1930 por reitores oriundos da Faculdade de Direito. Esta viragem, associada a modos de representação dos poderes-saberes reproduzidos pelos docentes formados em Coimbra talvez explique o facto de Ciências e Medicina não terem sido escolhidas para ladear o pavilhão da Reitoria na Cidade Universitária. Apesar de não explicitamente assumido pelos proponentes, é admissível que o arranjo topográfico do Campo Grande tenha resultado tanto do conhecimento do novo edifício da Universidade Livre de Bruxelas quanto do desejo de distanciamento face ao modelo recentemente adoptado com a criação da Universidade Técnica de Lisboa (1930).
No diploma de criação da Universidade de Lisboa, Agronomia e Veterinária surgem como escolas integrantes, quando na prática acabaram por funcionar como institutos superiores autónomos regulamentados pelo Ministério do Fomento sob a batuta de Brito Camacho. Como é sabido, Agronomia e Veterinária viriam a ser incluídas no leque de estabelecimentos constitutivos da Universidade Técnica de Lisboa.
A partir da década de 1930 a Escola Normal seguiria o seu próprio caminho, primeiro como Escola do Magistério Primário, e já na década de 1980 como Escola Superior de Educação de Lisboa do Instituto Politécnico de Lisboa. A Escola de Farmácia, inicialmente na dependência de Medicina, ascenderia a faculdade em 1921, sendo extinta em 1932. A Escola de Educação Física nunca chegaria a funcionar, situação que seguiu idêntico trilho em Coimbra.
Ao repensar a sua estrutura nos alvores da década de 1930, a Universidade de Lisboa assume-se como instituição de ensino superior vocacionada para as humanidades (daí o epíteto de “clássica”) e não como universidade politécnica. Tal opção é bem visível na deliberação do Senado, de 15 de Abril de 1915, que conduz à consagração da toga da Médico-Cirúrgica como traje docente, conforme decisão de 5 de Junho de 1915 e Despacho do Ministro da Instrução de 3 de Julho de 1915. Este pequeno pormenor é de vital importância para a compreensão do tema em análise, pois os trajes talares estavam associados à imagem das universidades históricas, ao passo que as fardas militares identificavam desde a governação de Napoleão Bonaparte as academias científico-literárias, as escolas politécnicas, as escolas militares e escolas de artes e ofícios de ensino secundário. Na mesma época e em todo o Ocidente, nos colégios particulares de ensino pré-escolar, no ensino primário, nos asilos e orfanatos, os uniformes eram invariavelmente de inspiração militar, oscilando entre a imagem do marujinho e a toilette do polícia ou do oficial da marinha.
A toga da Médico-Cirúrgica, mais conhecida por beca, era uma indumentária de trabalho. O traje de grande gala era uma farda de tipo militar, composta por bicórnio de feltro, casaca, calça avivada e espadim, inspirado no da École Polytechnique de Paris, uniforme que a Universidade de Lisboa não assumiu como instrumento identitário. Apesar de tudo, alguma herança corporativa politécnica transitou de oitocentos para novecentos. O traje docente da Universidade de Lisboa, reformado em 1960, apresenta diferenças ornamentais conforme os detentores/portadores sejam Professor Extraordinário ou Professor Catedrático, diferenciação que parece entroncar nas hierarquias oitocentistas de Lente Proprietário, Lente Substituto, Lente Demonstrador e Lente Catedrático. Apesar de a distinção ornamental e cromática da indumentária ser uma prática usual entre os membros da Igreja Católica Romana, as diferenciações vestimentárias adoptadas na Universidade de Lisboa parecem apontar mais directamente para os códigos uniformológicos militares que eram no fundo os usuais na Escola Politécnica. Já a admissão da prestação de provas académicas com grande casaca preta civil parece remeter para o modo de vestir dos membros do corpo docente do Curso Superior de Letras, documentados em fotografias de inícios do século XX com casaca, cartola e bengala. Outra herança politécnia assumida como imagem de marca é o tratamento de Professor.
A obra da Faculdade de Medicina e Hospital de Santa Maria, entregue ao arquitecto nazi Herman Distel, é projectada em 1939, tendo a construção decorrido entre 1944-1953. Entre 27 de Abril de 1953 e 1956 os serviços foram transferidos para o novo edifício. De alguma forma replicado no Hospital de São João, o Hospital Escolar de Lisboa nasce de uma planta em H, seccionada por torres adossadas, dois passadiços internos e quatro torreões extremos: Configura um exemplo de colossalismo totalitário, enquanto cidade médico-curativa auto-suficiente, que só virá a ser ultrapassado nas décadas de 1980-1990 pelos megacentros comerciais edificados em Lisboa (Amoreiras, Colombo, Vasco da Gama) e Vila Nova de Gaia (Gaia Shopping, Arrábida Shopping).
Em 27 de Maio de 1956 procedeu-se à inauguração do Estádio Universitário de Lisboa.
As obras da Reitoria, Faculdade de Letras e Faculdade de Direito arrastaram-se. O projecto de Porfírio Pardal Monteiro viria a ser actualizado e acabado por seu sobrinho António Pardal Monteiro. A transferência dos serviços para Direito e Letras teve lugar em 1958.
A obra da Reitoria ficou terminada em 1961. Em situação de proximidade fica o edifício das Cantinas, riscado por Norberto Corrêa e inaugurado em 1962. Pensado como espaço funcional, o último assume uma linguagem marcadamente vanguardista, talqualmente aconteceu na Cidade Universitária de Coimbra com o edifício da Associação Académica.
À semelhança de Roma, Coimbra ou do plano setecentista de Nancy, a Reitoria ocupa posição central, reforçando a ideia de comando, à luz do entendimento do poder praticado e propagandeado pelos regimes autoritários de entre-guerras. O edifício, na fachada voltada ao campus, ostenta uma extensa estrutura porticada, demarcada por pilares colossais. Contudo, o colossalismo dos pórticos da Universidade de Lisboa nunca chega a ser tão rígido e agressivo como as soluções avistadas em Coimbra ou Roma. A distribuição do espaço é marcadamente funcional, acobertando o edifício os serviços administrativos e o gabinete do reitor, o salão nobre e um grande auditório multi-funções (aula magna). Estamos em presença de um edifício com planta compósita à base de rectangulo envasado e trapézio, deveras interessante, que tem o condão de proporcionar excelentes espaços de trabalho, lazer e de abertura à produção cultural urbana.
À direita da Reitoria toma lugar a Faculdade de Direito, uma imensa mole de altimetria comedida, com bem destacado pórtico pilastrado e esgrafitados narrativos reforçados por mensagens epigráficas. A lição collhida no peristilo do Palazzo del Rettorato de Roma é bem evidente. Do lado esquerdo figura a Faculdade de Letras, de conspecto semelhante. Se olhados de oriente para ocidente, Letras toma a direita e Direito a esquerda. Parece uma ilusão de óptica mas não é. O que acontece é que ao olharmos os edifícios desta maneira os vemos exactamente na posição que os directores das faculdades de Letras e Direito da Universidade de Coimbra ocupam quando desfilam em cortejos ao lado do Reitor.
Quando se retomaram as tradições universitárias após o abolicionismo republicano e quando se redefiniram as precedências das faculdades, Caeiro da Mata e Carneiro Pacheco ainda estavam a leccionar na Faculdade de Direito de Coimbra. José Caeiro da Mata foi transferido para a FD/UL em 1919, seguindo-se Carneiro Pacheco em 1921. Um e outro reproduziram na Universidade de Lisboa o que tinham assimilado em Coimbra em termos de indumentária profissional, uso da borla capelo, formas de tratamento e códigos de distinção dos reitores e vice-reitores, a que se juntou o uso do latim nos diplomas solenes.
Acontece que não se pode assacar inteiramente a Caeiro da Mata e a Carneiro Pacheco a responsabilidade pelo plano de ocupação do espaço no topo oriental da Cidade Universitária de Lisboa. As normas estatutárias de 1918 e 1930 assim dispunham, ainda que desrespeitando ostensivamente as precedências “naturais” das faculdades e as heranças que antecederam o ano genesíaco de 1911.
A Cidade Universitária deixa antever um projecto arquitectónico e artístico deveras convidativo, associado a nomes cimeiros das artes plásticas portuguesas do século XX como Almada Negreiros. Testemunho do jus aedificandi do Estado Novo, o topo ocidental do Campus reúne excelentes condições para ser classificado como património. Compete desde logo aos órgãos culturais de apoio à Reitoria e aos investigadores de História da Arte da Faculdade de Letras desencadear a fundamentação do projecto de classificação e os respectivos estudos de suporte.
Importa também que estes bens culturais deixem de ser olhados e geridos como pesos mortos e passem a ser encarados como bens materiais e culturais aptos a uma gestão integrada que passe pela criação de roteiros, visitas guiadas e comunicação aos cidadãos através de galerias virtuais inscritas no respectivo sítio web.
Nas últimas décadas, a fala da arquitectura e das artes plásticas tem sido abordada restritivamente como discurso que importa estudar no âmbito do ensino/investigação em arquitectura e história da arte. Importa alargar este horizonte, estendendo as prospecções de campo à história das mentalidades, ao marketing corporativo e às ciências da educação. Para além das lógicas de ocupação, hierarquização e controlo dos espaços, há também a espessura da narrativa plástica que através do bronze, da pedra desbastada, do vitral, do mosaico, da tapeçaria, do fresco e do esgrafitado falam as representações do ser-se universidade. Independentemente da valia artística das assinaturas patentes nas obras, há a ligação a um regime político, a auto-representação das elites letradas e a recusa de inscrição no pulsar do tempo linear, marcada pela opção genealógica, historicista e mitológica. Estes relatos apontam para um tempo fora do tempo, conferindo ao templo de Minerva uma sacralidade que de outro modo não poderia ser tomada a sério. Uma das linhas de prospecção mais ricas e apetecíveis na obra da Cidade Universitária é precisamente o levantamento, interpretação e inventariação das representações dos saberes, uma forma de enunciar que vinha da Idade Média e que era comum à cultura cristã ocidental.
Foi numa cidade universitária recém-inagurada que em 1962 o reitor Marcello Caetano se demitiu, fervia a Crise Académica de 1962. Com ele, e em solidariedade, demitiram-se os directores das faculdades. Era titular da pasta da educação o lente conimbricense Manuel Lopes de Almeida que se agastou com a atitude assumida por Caetano. A situação fora agravada em 1960 pela questão das comemorações do V centenário da morte do Infante D. Henrique, que fomentara o aprofundamento do debate em torno da fundação do Estudo Geral Olissiponense ao tempo do rei D. Dinis. Por Coimbra tinham tomado posição corporativa o Vice-Reitor José Carlos Moreira e o historiador Manuel Lopes de Almeida. Por Lisboa, pelo menos Marcello Caetano e Moreira de Sá.
O azedume entre Caetano e Lopes de Almeida era mal disfarçado, a tal ponto que em viagens oficiais os adeptos de uma e de outra facção se sentavam em locais suficientemente distantes para evitar o diálogo. Lopes de Almeida considerou a demissão dos directores das faculdades uma traição acicatada por Caetano. A sua escolha para o novo reitor pendia sobre Soares Martinez que, por falta de discrição levou o ministro a sondar Lumbrales. Por fim, vingou a nomeação de Paulo Cunha.
O dissídio entre Coimbra e Lisboa deixou vestígios. Na enunciação da narrativa das origens, prática aliás comum a outras universidades portuguesas, e no programa de decoração dos edifícios do campus estão presentes invocações de mitos e de símbolos que catapultam o templo do saber para a Idade Média e para a Grécia Clássica.
Nota: proximamente conto divulgar algumas fotografias captadas em 15 de Junho de 2010, obtidas com a autorização e apoio do Sr. Vice-Reitor.

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