domingo, 13 de junho de 2010

Retrato de Santo Inácio de Loyola
Os membros da Societas Iesu, fundada em 1534, usaram desde o início um conjunto indumentário distintivo confeccionado em lã tingida de preto, constituído por três elementos basilares: a) uma túnica preta, de corpo único, com carcela rasgada entre a base do pescoço e meio do peito, de vestir e despir pela cabeça. Em Portugal ficou conhecida por roupeta. Apertava na cintura com uma tira de pano muito singela que não se confunde com a faixa romana de seda; b) o pilleus quadratus, barrete quadrangular cartonado, forrado de preto, com a copa ornada de cristas ou cornos, sem borla; c) a capa talar, conhecida por mantéu espanhol ou mantéu à espanhola.
Face à informação disponível não nos é possível afirmar se a Companhia de Jesus inventou esta capa como imagem de marca, ou se a apropriou a partir de algum modelo vestimentário então em uso na Península Ibérica.
Com colégios de ensinança associados a universidades em Coimbra, Salamanca e Évora, a capa dos jesuítas foi uma das três capas usadas na Univ. de Coimbra. As outras foram o tabarro invernal com a sua característica romeira de agasalho ou rebuço e o ferraiolo ou mantéu de grande gala. O último é uma capa forrada de cetim, bandeada na frente e munida de cabeção pronunciado, que podia ter orlas e bordados. Era talar a dos membros do corpo docente e discente e embainhada pela meia perna a dos oficiais maiores.
O chamado mantéu espanhol, quer dizer a capa dos jesuítas, é muito panoso, cortado de viés, embainhado pelos talões e com a linha da bainha totalmente disposta na horizontal. O colarinho não tem gola e é de ilharga alta, podendo ter entre 4 e 5cms. Nas gravuras e esculturas de quinhentos, o colarinho e pronunciadamente alto e chega a arrebitar para fora, formando uma espécie de meio gancho. Aperta, nos modelos de cerimónia, com um longo cordão rematado por borlas.
Para que o corte não fique atrofiado, embicado na frente ou ridiculamente curto, importa que seja talhada por medida, trazendo o portador calçado de meios saltos. O pano não pode ser inteiriço como se de manta se tratasse, pois o meter machos nos ombros não é suficiente para se confeccionar um mantéu de fina arte. Fazer um capindó todos fazem, agora talhar uma boa capa, isso tem que meter estudos de suporte, domínio dos padrões texteis, anos de experiência e sensibilidade quanto baste. Devem tomar-se pelo menos dois amplos panos e uni-los de alto a baixo pela linha da coluna vertebral, ajeitando-os ao dorso dos ombros, à costura inferior do colarinho e obviamente ao peito. Nada mais insonso do que uma capa com as bandas dianteiras falhas de tecido, a lembrar as bainhas das calças um palmo acima dos sapatos.
Esta capa era usada de ordinário pendente dos ombros, podendo deitar-se pela cabeça nos dias de chuva e nevoeiros. Mais comum era descair a banda direita para as costas e fixar a respectiva aba na cintura, gesto que conferia ao portador ares de patrício romano.
Na actualidade, o mantéu espanhol ainda é usado por membros do clero católico de Espanha. Subsiste em Coimbra como capa dos estudantes, confeccionada em tecido de lã vulgar, sem bainha, cidade de onde passou por replicação para outros espaços portugueses onde funcionam estabelecimentos de ensino. Uma variante ligeiramente mais elaborada, com tecido de melhor qualidade, bainha cosida e cordão de borlas, ocorre nos membros do corpo docente, o qual também é replicado noutras universidades portuguesas. Assim acontece em franjas de membros do corpo docente da Universidade do Porto (por ex., Fac. de Letras) e da Universidade de Lisboa (por ex. Fac. de Direito), sem expressa positivação em letra de estatutos ou regulamentos, prova provada de que os costumes são sempre mais do que os normativos escritos. Acontece também na Universidade Católica Portuguesa, cujo regulamento de cerimonial enuncia que o traje de prestação de provas de doutoramento é o hábito talar conimbricense, isto é, batina com calça ou batina com saia e capa. Cf. Cerimonial universitário. Regras. Lisboa: UCP, 2000, p. 5.
Nos últimos trinta anos, a arte de confecção da capa dos lentes tem perdido arte e qualidade. O cordão é de fabrico industrial. A bainha aparece embicada na frente e excessivamente alteada, no que se confunde com os mantéus dos bedeis e oficiais. O tecido, não sendo a seda que deveria ser, tem que se lhe diga. Universidades portuguesas há onde se pensa estar a usar a capa em referência, quando o que verdadeiramente se conclui ver é uma capa de estudante de má confecção e tecido de lã.
Outras capas foram usadas na Univ. de Coimbra por lentes e estudantes de congregações radicadas na urbe. Foi o caso dos trinitários, dos bentos, dos carmelitas, dos dominicanos e dos capuchinhos. Mas nenhuma dessas capas se confundia com o modelo jesuítico.
Modelo semelhante ao jesuítico aparece nos seguidores de S. Camilo de Lellis, São José Casalâncio e São Paulo da Cruz (fotografias apud SICARI, António M. - Atlas histórico dos santos. Lisboa: Edições Inapa, 2006).
Fonte: peças de indumentária do acervo do Museu Bernardino Machado,Vila Nova de Famalicão; imagens recolhidas no sítio http://liturgia.mforos.com/1699103/8388733.
Um comment à questão dos trajes profissionais referidos supra.
Na tradição universitária conimbricense há três tipologias distintas de trajes para membros do corpo docente: a) o hábito talar derivado do hábito curto ou pequeno uniforme oitocentista, comummente usado por todos os docentes, reitor incluído, que é o hodiernamente conhecido; b) o hábito talar de festa ou grande gala, obrigatoriamente confeccionado em seda, que não se usa desde 1910; c) os hábitos regulares e seculares de docentes religiosos, ou de graduandos religiosos, que são considerados traje académico de pleno direito;
Na tradição universitária portuense coexistem actualmente pelo menos três figurinos distintos nos membros do corpo docente: a) toga talar preta aprovada como traje oficial em 2003; b) a antiga toga da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa/Escola Médico-Cirúrgica do Porto que ainda é usada por professores que a adquiriram antes da reforma vestimentária de 2003; c) o hábito talar da Univ. de Coimbra, com ocorrências associadas à fase do doutoramento e a ciclos anteriores à progressão hierárquica na carreira;
Na tradição universitária olissiponense verificam-se pelo menos três tendências: a) toga herdada da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, acusando as reformas sugeridas entre 1959-1961 pelo reitorado de Marcello Caetano; b) hábito talar conimbricense, fortemente implantado na Faculdade de Direito; c) grande casaca preta civil, autorizada na prestação de provas de doutoramento.
Em pelo menos uma das três instituições referidas, o regulamento do traje académico consagra distinções na veste talar, estas associadas a ciclos de progressão na carreira académica. O caso da Univ. de Lisboa é o mais conhecido. A dúvida que permanece é quanto à origem deste tipo de distinções. Conimbricense não é, pois na Univ. de Coimbra o hábito talar era [é] o mesmo para todos os docentes, fossem eles bachareis, licenciados, mestres, doutores ou lentes catedráticos. Religiosa católica também não nos parece ser, embora a Igreja Católica positive desde há séculos distinções vestimentárias em tecido, cor e ornamentação para as várias hierarquias. Judiciária, parece não ser de admitir, pois a tradição distintiva nos uniformes judiciários onde verdadeiramente se faz sentir com pujança é em França, em Itália e na Grã-Bretanha, não estando avaliado o grau de recepção em Portugal. Sem querer forçar a nota, diríamos que a origem deste costume se ancora nos regulamentos dos grandes uniformes oitocentistas para diplomatas, academias cinetíficas e literárias e militares de carreira. Estamos a falar dos chamados grandes e pequenos uniformes, e nos primeiros dos chamados uniformes de primeira, segunda e terceira classe com ornamentação distinta conforme as hierarquias.

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