Virtual Memories

sábado, 22 de agosto de 2009


Catálogo de modelos de casacas e casacos masculinos, com figuração da "frock coat" para clérigos. Não deixa de ser curioso e até irónico concluir que os estudantes de coimbra que imprecam os antigos hábitos talares acabaram por desembocar na casaca civil burguesa oitocentista de modelo idêntico à usada na Grã-Bretanha por padres paroquianos e nos EUA pelos capelães militares.

Recriação oitocentista do porte das casacas de corte por volta de 1670


Molde e esquema do corte da casaca civil burguesa adaptada aos capelães do exército norte-americano, de que se conhecem derivações na Grã-Bretanha. O talhe da "clerical frock coat" é o mesmo da batina dos académicos de Coimbra, apresentando como única distinção a marcação da carcela externa entre a base do colarinho e o baixo-ventre com seis botões forrados.


Casaca ou libré de gala londrina, conhecida por "cavalry officers", cujo figurino data de ca. 1910. É, para todos os efeitos, uma casaca civil de padrão oitocentista, idêntica à que os estudantes da UC usaram entre ca. 1890-1907, que viria a prevalecer nos membros do corpo docente da instituição referida a partir de Dezembro de 1915.


Abade com o pequeno hábito: cabeça descoberta, sapatos de salto alto e língua deltóide, meias altas, calções, casaca preta abotoada, regalo, plastron e mantéu. Reconstituição oitocentista reportada ao século XVIII


A casaca de corte com a vestia persa (grande colete), popularizada em Londres e em Paris na década de 1860, matriz constitucional onde entronca o traje académico de modelo conimbricense.

II - Património vestimentário e insigniário conimbricense
O hábito talar e as insígnias doutorais de Bernardino Machado

Juntar os fios à meada
Não andarei longe da verdade se escrever que as longas horas dedicadas aos trajes e insígnias da UC têm a ver com o meu gosto pelo mundo da etnografia e com o facto de entre 1984-1985 ter integrado o Grupo Folclórico Ilha Verde, com sede na Escola Secundária Domingos Rebelo, em Ponta Delgada[1].
O ensaiador percebia de coreografias, de músicas e de trajes populares, chamando a atenção para características como figurinos, têxteis, bordados e contextos de uso. Foi com este tipo de bagagem que cheguei a Coimbra em Outubro de 1985. Ainda em finais desse mesmo mês pude visualizar um estudante a cruzar a Praça D. Dinis vestido de preto, com casaca um pouco abaixo do joelho e aquilo que parecia ser uma capa de lã enrolada e deitada num dos ombros.
Não escondo o impacto negativo que me causou esta imagem. Então aquilo é que era a capa e batina da UC!? Não deixei de me perguntar se estaria em presença de um estudante, de um empregado de café chic, de um jogador de bilhar ou de um noivo aburguesado. Para quem está familiarizado com a cultura académica e situa as vivências estudantis num registo afectuoso e mitológico, o traje académico masculino e feminino não é racionalizado. É o que é e parece ser muito bonito.
Para quem vinha de fora como eu, o conjunto vestimentário que se dava a ver era vulgar e inferior em feitio e tecidos à maior parte dos trajes profissionais e trajes populares domingueiros portugueses do meu conhecimento. Alguns dias mais tarde pude ver o chamado fato feminino e a impressão negativa ainda foi maior. Ficava por explicar o fundamento da distinção vestimentária masculino/feminino, que não existe nas universidades históricas anglo-saxónicas nem nas profissões judiciárias, bem como o estranho favor tributado a um tailleur de corte e tecido do pronto-a-vestir, inferior a muitos trajes femininos populares portugueses. Basta dizer que no domínio dos acessórios, o traje camponês feminino conhecia o colete desde os séculos XVII e XVIII, enquanto que a estudante de Coimbra nem sequer o usava, ou que as mulheres persas e indianas tinham antecido as ocidentais no acesso à calça comprida.
Ainda nesse mesmo ano assisti à cerimónia de abertura solene e a doutoramentos honoris causa, o que me proporcionou o ensejo de observar e fotografar os eventos. Reconhecendo a singularidade deste tipo de rituais, pareceu-me neles vislumbrar traços de familiaridade com festividades bem conhecidas como os Impérios do Divinino Espírito Santo e o Santo Cristo dos Milagres. Seguiram-se leituras e recolha de iconografia. Em 1988 a Directora do Museu Nacional do Traje[2] solicitou à Presidente da Associação Académica de Coimbra[3] a indicação de colaboradores para uma comissão de apoio à história do traje académico que permitisse a realização de uma exposição/reconstituição a inaugurar em 1990 a propósito das comemorações dos 700 da UC.
Fui indicado para integrar a comissão, conjuntamente com outro estudante[4], tendo-se seguido um trabalho intensivo de recolha de fontes impressas, testemunhos orais e iconografia dispersa. Do traje resvalou-se quase naturalmente para as insígnias. Foram percorridas igrejas, Biblioteca Municipal de Coimbra, Biblioteca-Geral da UC, Museu Académico e Biblioteca do Seminário de Coimbra. A partir da primeira visita ao Seminário de Coimbra (Outubro de 1989) tornou-se decisiva a colaboração do Cónego Dr. António Brito Cardoso. As sugestões deste clérigo abarcaram retratos a óleo, peças do guarda-roupa do Seminário, fotografias e informação sobre os trajes dos colégios católicos de Roma, cidade onde Brito Cardoso havia estudado. Demorados exercícios comparativos entre os antigos estatutos da UC, estatutos do Seminário de Coimbra e constituições sinodais conduziram-me a uma imagem bastante consistente do que teriam sido as vestes universitárias anteriores a meados do século XIX. O facto de alguns alfaiates de Coimbra ainda confeccionarem a antiga beca judiciária de dois corpos sobrepostos revelar-se-ia uma fonte comparativa de primacial importância.
Relativamente à UC, em diversos momentos, procedeu-se à recolha de testemunhos prestados pelos doutores Luís Guilherme Mendonça de Albuquerque (1917-1992), Aníbal Pinto de Castro e Maria Helena da Rocha Pereira, bem como pelo Secretário-Geral Dr. José Carlos Luzio Vaz.
Cheguei mesmo a deslocar-me a reuniões de trabalho no Museu Nacional do Traje levando sacos com batinas, capelos, ferraiolos, barretes, faixas, tudo emprestado por clérigos do Seminário de Coimbra[5].
Entre finais de 1989 e inícios de 1990 a Directora do Museu Nacional do Traje fez saber que a exposição não se poderia realizar por falta de orçamento. Sugeriu-se então a transferência do projecto para o Museu Académico, acreditando-se na sua viabilização pela comissão das comemorações dos 700 anos da UC. Diversas reuniões de trabalho tiveram lugar no Museu Académico ao longo do primeiro semestre de 1990, com representantes do Museu[6], Reitoria[7], Associação Académica[8] e os dois investigadores que haviam transitado da equipa inicial. Uma estilista estabelecida localmente chegou a produzir esquissos para alguns dos manequins que constavam das memórias descritivas aprovadas.
Nada se chegaria a concretizar. Em Março de 1990 foi possível editar um pequeno álbum ilustrado com amostragens da iconografia recolhida e durante uma comunicação ao Congresso de História do 7º Centenário da UC tive como presidente de mesa o Cónego Doutor Isaías da Rosa Pereira. Rosa Pereira era um reputado paleógrafo, canonista e estudioso da Inquisição. Estudara em Louvaina e em Salamanca. Possuía bons conhecimentos de vestimentária eclesiástica e na qualidade de apresentador e de moderador formulou observações da maior importância para a contextualização do tema. Viria a visitá-lo em Lisboa, em Julho de 1990, e a pernoitar na sua casa. Deste intercâmbio frutuoso nasceu também a possibilidade de visualizar o guarda-roupa privativo do Cónego Rosa Pereira, muito rico em peças como sapatos de fivela de prata, batinas avivadas, ferraoiolo, capelo dos cónegos capitulares da Sé de Lisboa e murça de arminhos[9].
Em 1992 fui procurado pelo Administrador da UC para avaliar da possibilidade de se fazer implementar localmente uma oficina de confecção de insígnias doutorais. Ponderou-se na escolha de tecidos menos luxuosos, eventual simplificação do modelo, preços mais acessíveis e adopção da borla e capelo em verde para o reitor. Uma deslocação a casa da bordadeira Leocádia Machado, na companhia do Dr. José Lebreiro, abriu-nos as portas da oficina da última artesã conimbricense que sabia confeccionar as insígnias doutorais. A falta de bordadeiras-aprendizes, a dificuldade no acesso a tecidos de qualidade e algumas hesitações da Reitoria/Serviços Sociais da UC ditaram o falhanço do projecto. A título de consolo, restou uma entrevista à mestra-bordadeira, realizada em inícios de 1993 pelo Presidente do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro[10].
Depois de sair de Coimbra, beneficiando já de pesquisas em França e de informação disponibilizada via internet, continuei nas horas vagas a recolha de dados sobre o tema. De permeio, aconteceram passagens por museus de arte sacra, prospecção das vestes judiciárias, guarda-roupa da Sé de Braga (1997), vestimentária académica britânica e intercâmbio com instituições espanholas.
Em 2005, a convite do Pró-Reitor para a Cultura, Prof. Doutor João Gouveia Monteiro, assinei um texto sobre os percursos do Hábito Talar na Universidade de Coimbra, que por força da sua ligação ao projecto de candidatura patrimonial à Unesco, rematava com algumas recomendações imbricadas a iniciativas das áreas da museologia, salvaguarda e revitalização, comunicação e prestação de serviços pedagógico-educativos à comunidade.
Em 2007, uma deslocação ao Museu Bernardino Machado desencadearia uma insólita e desafiadora descoberta. A partir de uma capa, de uma casaca, de um capelo e de uma borla viaja-se ao interior de um património que há muito deveria estar estudado e musealizado na UC. E não é para isso que também servem os museus? Para propiciar o convite à cultura?

Roteiro patrimonial
As insígnias doutorais de matriz conimbricenses alimentaram diversos registos mnemónicos e artísticos, materializados na pintura a fresco e a óleo, no bronze, na cerâmica, na medalhística e na fotografia, testemunhando amplos campos de inspiração e de criação.
A medalhística produzida pelo imaginário conimbricense José Maria Cabral Antunes (1916-1986) aflorou em diversos momentos as insígnias doutorais. Com capelo pelos ombros foram produzidas medalhas dos seguintes vultos:

-1891-1967. Prof. Dr. João Porto. Primeiro Presidente da Sociedade. 1949;
-1867-1967. Doutor Mendes dos Remédios;
-1869-1969. A Eugénio de Castro;
-1886-1974. Prof. Doutor Bissaya Barreto[11].

Autor de busto do lente de Medicina e Reitor Máximo Correia, com capelo doutoral, Cabral Antunes realizou em 1984 para a Medalhística Lusa-Atenas um trabalho alusivo ao Doutoramento, integrado na série “tradições académicas de Coimbra”[12]. O rosto da medalha mostra o mestre-de-cerimónias com o bastão e o livro, o doutorando, um apresentante e o director de Faculdade no acto de imposição da borla. A representação refere-se ao ritual de investidura adoptado após 1910 (uma vez que antes a imposição era feita de joelhos), e no trio de lentes presentes salta à vista a ausência do reitor.
Os trajes de gala da UC e as insígnias doutorais ocorrem num grande painel cerâmico policromo realizado por Vasco Berardo em 1990 para o Centro Cultural D. Dinis, assente nos baixos do edifício do Colégio das Artes. Não deixando de lado figuras históricas como os reformadores D. Dinis, D. João III e o Marquês de Pombal, Berardo propõe figuras do préstito doutoral como o bedel, o archeiro, o pajem com a borla e o lente de Direito, criação reproduzida a cores em Manuel Augusto Rodrigues, A Universidade de Coimbra. Marcos da sua história, Coimbra, AUC, 1991, p. 335. Sem qualquer preocupação de rigor, a evocação de juristas ligados à UC e à história do direito português serviu de pretexto à recriação de hábitos talares por Almada Negreiros no pórtico da Faculdade de Direito da UL em 1958.
A produção fotográfica fixa as insígnias doutorais pelo menos desde finais da década de 1850. Na segunda metade da década de 1860, sensivelmente a partir de 1868-1869, surgem em Coimbra as cartas de curso, gigantescos cartões com fotografias de estudantes e lentes emolduradas em medalhões ovais. O mesmo tipo de produção repete-se noutras universidades e escolas ocidentais como a Faculdade de Medicina de São Salvador da Bahia. O Museu Académico de Coimbra é detentor de algumas cartas de curso e pelo menos duas foram reproduzidas na revista Serões, nº 33, de Março de 1908.
Nas décadas de 1880-1890 estiveram na moda os álbuns fotográficos de curso, que por vezes comportavam retratos de lentes com as insígnias doutorais, de que se conhecem exemplares no Museu Académico de Coimbra e na Biblioteca do Seminário de Coimbra. Em 1989, com os olhos postos nas comemorações dos 700 da fundação da UC e por força dos estudos solicitados pela directora do Museu Nacional do Traje, procedi à sinalização e reprodução em microfilme de documentação fotográfica da Biblioteca do Seminário de Coimbra, Museu Académico de Coimbra e Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, bem como de peças da colecção particular de Eduardo Proença Mamede. Todos os acervos compulsados se mostraram férteis em surpresas, sobretudo as colecções de postais ilustrados e o deslumbrante conteúdo do álbum Universidade de Coimbra. 1880-1881, de J. David, que o então Director Doutor Aníbal Pinto de Castro e a bibliotecária Dra. Graça Pericão colocaram ao nosso dispor.
O álbum referido, que fora pertença do estudioso de história local Octaviano Sá, continha registos dos lentes, hábito talar, insígnias, estudantes e Orfeon Académico, captados pelo fotógrafo francês David em Março de 1881, por ocasião dos festejos do Tricentenário de Luís de Camões. As fotografias recolhidas e seleccionadas originaram o modesto álbum A Alma Mater Conimbrigensis na fotografia antiga, Coimbra, Edição do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro, 1990.
Alexandre Ramires, no catálogo Passado ao Espelho. Máquinas e imagens das vésperas e primórdios da Photographia, Coimbra, Museu de Física da Universidade de Coimbra, 2006, retoma imagens do álbum de J. David e na página 36 reproduz uma interessantíssima fotografia do lente Joaquim Augusto Simões de Carvalho que se doutorara em Philosophia Natural em 31 de Julho de 1842. A ser anterior a 1863, como tudo parece indicar, trata-se de um registo notável da ampla capa, de tipo ferraiolo, da loba, do capelo de dimensão reduzida e do barrete doutoral pousado sobre mesa anexa. O trabalho de revestimento da pega, que apenas tem dois bolbos, é bastante simples. As borlas que circundam a ilharga do barrete fogem à gramática ornamental consagrada, propondo uma rede à base de losangos. A solução aventada pela bordadeira local anónima parece bizarra, mas não terá sido caso único. As bordadeiras por vezes eram freiras ou discípulas de freiras que confeccionavam insígnias doutorais, prendinhas conventuais, reposteiros palacianos, enxovais, capelos de cónegos, artigos fúnebres e paramentaria religiosa. Do que parece trata-se aqui é de uma tentativa de aproximação ao chapéu de gala dos bispos e cardeais romanos, o galero, que no caso dos bispos tinham 12 borlas pendentes, e no caso dos cardeais 30[13]. Em abono desta hipótese, não deve excluir-se o facto de o galero verde de 12 borlas ter sido usado nos cerimoniais universitários pelos diversos bispos de Coimbra que ocuparam a cátedra reitoral como D. Francisco de Lemos[14].
Não é meu intuito inventariar os muitos registos fotográficos das insígnias doutorais conimbricenses. Revistas de grande tiragem, circulantes entre finais do século XIX e inícios do século XX, como O Occidente, a Illustração Portugueza e a Serões, fixaram nas suas páginas momentos da vida académica, recepções a chefes de estado e deslocações de legações de doutores a Lisboa.
O postal ilustrado, com profusa edição a partir de finais do século XIX abordou em diversos momentos as insígnias doutorais, situando-as no âmbito do “pitoresco” e dos “costumes locais”. Para um primeiro levantamento veja-se o trabalho pioneiro de Carlos Serra e Berta Duarte, O postal ilustrado. Contributo para a imagem de Coimbra. Exposição no Edifício Chiado. 28/6 a 15/7, Coimbra, Edição da Câmara Municipal de Coimbra, 1986[15]. Das muitas edições conhecidas, os autores do inventário mencionado elencam:

-Coimbra. No Jardim Botânico. Estátua de Brotero, da Papelaria Borges
-Préstito de um capello, da Papelaria Borges
-Coimbra. Doutor de Capello, da Papelaria Académica
-Trajes universitários. Lente. Coimbra, da Tabacaria Graça
-Coimbra. Trajo de um Doutor da Universidade, da Havaneza Central. Trata-se do Doutor Pedro Augusto Monteiro Castelo Branco (1822-1903), decano da Faculdade de Direito, que se doutorara em 14.12.1842 e insigniara em 26.06.1842
-postais do Enterro do Grau de Bacharel, da autoria de João Amaral, relativos aos festejos estudantis de 31 de Maio a 5 de Junho de 1905. A borla doutoral aparece em alguns postais de uma série de 10, como é o caso de A cerimónia do grau, Sic transit, Piada de um velho santo, A dor da moca e O crime de Abel.

Este tipo de levantamento implica o cruzamento de informação com as existências da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Gabinete de Relações Públicas da Universidade de Coimbra, Museu Académico de Coimbra, Imagoteca do CEIS20, Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa (http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/), acervo da Fototeca do Palácio Foz que foi integrado na Torre do Tombo, colecções da Biblioteca Virtual Gilberto Freyre (http://www.bvgf.fgf.org.br/), insígnias e retratos da Universidade de São Paulo/Brasil (http://www.usp.br/gr/reitores), e inventário patrimonial da Universidad de Sevilla (http://www.patrimonioartistico.us.es/). A elencar, pese embora destituída de informação iconográfica relevante é a galeria virtual dos antigos lentes da Faculdade de Direito de Coimbra (http://www.uc.pt/fduc/galeria_retratos).
A propaganda republicana recorreu a diversos materiais de época. Um retrato do doutor António Luís Gomes em capelo circulou em postal ilustrado. Há conhecimento de uma presença no postal Directório do Partido Republicano eleito em 1906, onde figura conjuntamente com Celestino de Almeida, Bernardino Machado, Afonso Costa e António José de Almeida, com novas ocorrências em Deputados republicanos eleitos em 1910[16]. Doutorado em Direito a 16.12.1892, António Luís Gomes recebeu insígnias a 18.12.1892 mas não ingressou no claustro docente conimbricense. Ulteriormente, de 1921 a 1924, exerceu o cargo de reitor, num período decisivo para a revitalização/reinvenção do cerimonial conimbricense[17].
A banda desenhada não foi totalmente alheia ao hábito talar e insígnias doutorais. Veja-se o desenho crítico de Carlos Botelho, alusivo às celebrações da fixação definitiva da UC, realizadas em 1937, editado em Ecos da Semana, de 12 de Dezembro de 1937, com reprodução em João Paiva Boléo (e outros), Coimbra na banda desenhada. Catálogo 2003, Porto, Edições Asa, 2003, p. 44. As comemorações da transferência joanina (1537-1937), celebradas sob a égide do Estado Novo, originaram algumas visões satíricas. Botelho figura os archeiros como pescadores e a Borla doutoral como um pincel ou apagador de cultura.
Em contexto ideológico explicíto, o pintor Manuel Lapa desenhou um Oliveira Salazar em hábito talar e borla e capelo, enquadrado pela Exposição de 1940 e pelo Castelo de Guimarães, para as páginas da História de Portugal para meninos preguiçosos, que Olavo d’Eça Leal fez publicar no ano de 1943.
Outra figuração de interesse, embora pouco credível, respeita à fundação da Real Academia das Ciências de Lisboa. José Garcês, autor de BD, sugere um grupo de academistas com toga e insígnias de Medicina no álbum assinado pelo guionista A. do Carmo Reis, História de Portugal em BD. A Restauração da Independência, 3º volume, Porto, Edições Asa, 1992, p. 47. A proposta não é credível, uma vez que a Academia das Ciências só teve traje institucional conhecido em 1856, com opção inequívoca pelo grande uniforme militar napoleónico.
No ano de 2007 ocorreu uma campanha de divulgação e classificação das chamadas “maravilhas de Portugal”, a que concorreu o Paço das Escolas Gerais de Coimbra. O concurso originou um livro infantil, com texto de Adelaide Duarte, ilustrações de Mimi e projecto pedagógico de Inspire: O Paço da Universidade de Coimbra. Era uma vez uma maravilha, nº 17, Lisboa, Tugaland Edições, 2007, com cd anexo. O conto integra uma borla, que a autora identifica erradamente por “capelo” nas páginas 14 e 33, com opção por uma figuração que tanto aceita o vernáculo como o barrete académico britânico.
Em escala bem mais reduzida, as insígnias doutorais motivaram incursões artísticas em campos como o fresco, o cartaz publicitário, programas festivos e capas de livros. A par das pinturas existentes nos tectos da Sala do Exame Privado e Capela de São Miguel, citados noutro local deste estudo, no edifício da Faculdade de Medicina, inaugurado em 26 de Maio de 1956, existe num dos átrios um grande fresco de Severo Portela Júnior onde figura um lente com borla e capelo.
A comissão escolar dos festejos do Enterro do Grau de Bacharel (1905) fez imprimir um avantajado cartaz onde está representada a contorno vermelho uma borla sob cuja sombra tutelar ajoelham os quintanistas de Direito[18]. O programa dos festejos do Enterro do Grau de Bacharel, com capas a azul claro, reproduzia o barrete doutoral de um dos postais concebidos por João Amaral. Do mesmo artista era o rosto da brochura Auto do Grau, da autoria do estudante António Gomes da Silva, com velho “grau” coberto por borla[19]. As festas académicas de 1905, na sua riqueza e prolixidade iconográficas, originaram pratos decorativos e publicidade a bolachas, onde a borla doutoral ocorre[20]. Como motivo de capa, a borla foi utilizada no livro de memórias do antigo estudante Diamantino Calisto, Costumes académicos de antanho. 1898-1950, Porto, Imprensa Moderna, 1950. Octaviano Sá, na obra Nos domínios de Minerva. Aspectos & episódios da vida coimbrã, Coimbra, Arménio Amado Editor, 1939, reproduz a preto e branco um belíssimo trabalho do artista D. Diogo de Reriz, intitulado Minerva super omnia, que na década de 1920 assinou diversos trabalhos em Coimbra.

Os caricaturistas activos nos séculos XIX e XX não foram propriamente amistosos com as insígnias doutorais conimbricenses, recorrentemente afloradas como símbolos de obscurantismo ou pedantismo cultural, imagem distorcida e paupera que tem persistido no tempo como cliché. Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905) produziu duas imagens emblemáticas da Alma Mater Conimbrigensis. A primeira, intitulada A mãe dos bacharéis, data de Novembro de 1882 e foi editado no Álbum das Glórias[21]. Representa a instituição segundo os clichés liberais e republicanos circulantes, com ar de velha dama absolutista, cabeleira postiça à século XVIII, manto régio, saia em forma de borla, com as cores da monarquia constitucional, e uma alusão explícita ao suposto “foro académico”. Apesar de abolido oficialmente em 1834, e substituído por um regulamento disciplinar interno que os estudantes detestavam, chegou a 1910 a infundada crença na vigência do antigo foro académico.
A caricatura vinha acompanhada por um texto de José Ramalho Ortigão escrito em tom acentuadamente hostil. Um segundo desenho de Bordalo Pinheiro, com o título A cerimónia do capello, veio a lume no António Maria, Anno VIII, de 12 de Agosto de 1892, p. 560, e documenta o capelo de Bernardo Aires, que decorreu em 24 de Julho de 1892, desta feita em tom neutro. De salientar que os figurinos relativos ao doutor, ao bedel e ao archeiro são decalques de fotografias realizadas desde a década de 1970 pelo fotógrafo José Maria dos Santos.
Deve-se a Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro (1867-1920) uma caricatura de Bernardino Machado, intitulada Entre colunas… em Madrid, publicada no António Maria, Nº 452, Volume XII, de 18 de Novembro de 1898, com o lente em pose sobre uma borla.
Francisco Valença (1882-1969), inspirado pela reprovação do candidato a doutor José Dias Ferreira na Faculdade de Direito, no dia 28 de Fevereiro de 1907, esboçou a caricatura De Profundis. Na mesma circunstância, Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro concebeu duas caricaturas que mostram a UC como um antro de jesuítas e um local de sobrevivência das práticas associadas ao Tribunal da Inquisição. Particularmente em RRR. A Universidade, o hábito talar e as insígnias da Faculdade de Direito surgem em A Paródia como símbolos repelentes, replicando em Portugal as caricaturas republicanas anticlericais da III República Francesa.
Já depois de 1974, João Abel Manta representou negativamente as insígnias doutorais de Direito nas caricaturas Recepção Académica e Salazar Jovem: João Abel Manta. Caricaturas Portuguesas dos anos de Salazar, 2ª edição, Porto, Campo das Letras, 1998[22].
O serviço de edição de selos postais dos CTT lançou ao longo do século XX selos alusivos a grandes vultos onde ocorrem representações da borla e capelo. Em 1944, a propósito dos “200 anos do nascimento de Félix de Avelar Brotero” foram postos em circulação quatro selos, sendo os de $50 e de 1$00 uma reprodução da estátua de mármore assente no Jardim Botânico de Coimbra.
Em 1952, os CTT assinalaram os “100 anos do nascimento do Prof. Doutor Gomes Teixeira” com selos de 1$00 e 2$30. O conhecido matemático e Reitor da UP figura de perfil com o capelo doutoral de Matemática pelos ombros. Francisco Gomes Teixeira (1851-1934), doutorara-se na Faculdade de Matemática de Coimbra em 18.07.1875 e impusera insígnias doutorais em 20.12.1876, tendo leccionado em Coimbra até 1884, ano em que transitou para a Academia Politécnica do Porto. Dele existe retrato a óleo com insígnias na UP.
Em 27 de Dezembro de 1974, a propósito dos “100 anos do nascimento de Egas Moniz”, foi editado um selo de 1$50, onde o médico e cientista figura com capelo amarelo. António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz doutorou-se na Faculdade de Medicina de Coimbra e ascendeu a lente catedrático da mesma escola em 16.04.1910, mas por decreto de 1.04.1911 passou a integrar o corpo docente da Faculdade de Medicina da UL. Egas Moniz é um dos académicos mais representados em diferentes selos postais portugueses. Volta a aparecer na série “Vultos da Medicina Portuguesa”, de 1999, num selo de 80$00, em borla e capelo.
Finalmente, a tiragem “Vultos da História da Cultura Portuguesa (1851-1901)”, de 2001, dedicou um selo de 85$00 a Carolina Michaelis. Doutora honoris causa pela Faculdade de Letras da UC em 1.07.1917, e membro do seu corpo docente, Michaelis é figurada com capa talar e borla e capelo (exemplares disponíveis on line em Selos de Portugal, http://paulosalvado.no.sapo.pt/indice.html-5k)[23].
As insígnias doutorais ocorrem ainda em emissões do Banco de Portugal na antiga moeda padrão, o escudo. É o caso da nota bancária de 1000$00, editada em sucessivas séries entre 2 de Agosto de 1983 e 3 de Março de 1994, com Joaquim Teófilo Braga (1843-1924) envergando capelo da Faculdade de Direito da UC. Este político republicano, investigador e docente do Curso Superior de Letras era formado pela Faculdade de Direito, tendo realizado nesta mesma instituição o seu doutoramento a 30 de Junho de 1868, a que se seguiu a cerimónia de imposição de insígnias no dia 26 de Julho de 1868.

As insígnias são de figuração abundante em trabalhos escultóricos.
Estátuas de vulto inteiro:

-estátua de mármore de Carrara de Félix da Silva de Avelar Brotero, da autoria do escultor António Soares dos Reis, assente no Jardim Botânico da UC em 1887. Representação naturalista, com o lente sentado na cátedra, hábito talar, capelo deitado pelos ombros e barrete no regaço. O original em gesso encontra-se no Museu Nacional de Soares dos Reis[24]. O vestuário talar revela anacronismos no talhe da capa e da casaca, pelo facto de a maqueta ter copiado vestes temporariamente cedidas pela UC em1883, quando as vestes envergadas por Brotero entre 1791-1807 eram a loba de dois corpos e o ferraiolo. Brotero (1744-1828), doutorado em Medicina pela Université de Reims, foi integrado no corpo docente da Faculdade de Philosophia Natural em 13 de Março de 1791, pelo que garantidamente usou o hábito talar comimbricense e as insígnias correspondentes;
-estátua de corpo inteiro de António de Oliveira Salazar, lente de Direito da UC e estadista, realizada ao longo de 1936 pelo escultor Francisco Franco (1885-1955) para o Pavilhão de Portugal na Exposição de Paris de 1937[25]. Trata-se de uma figura togada, introspectiva, com o capelo deitado pelos ombros e a borla na mão, destinada a sacralizar a imagem sapiencial do ditador de acordo com a propaganda do Estado Novo e o culto do chefe. Salazar não era doutorado pela UC. Tendo defendido provas escritas para assistente, Oliveira Salazar fora proclamado “doutor” pela Faculdade de Direito, em conformidade com as disposições da Lei nº 616, de 19 de Junho de 1916, e Decreto nº 3:370-C, de 15 de Setembro de 1917[26], no dia 10 de Maio de 1918. A maqueta, em tamanho natural, esteve exposta num dos pavilhões da Exposição o Mundo Português, evento realizado em Lisboa no ano de 1940[27]. Posteriormente foram realizadas reproduções. Uma versão em bronze foi inaugurada no pátio interno do Palácio Foz, sede do SNI, e removida para local incerto em 1974. João Medina informa da existência de outra réplica que esteve implantada no pátio do Liceu Salazar, de Lourenço Marques (Maputo), dinamitada no crepúsculo do regime[28]. A maqueta original, um gesso com 73cm de altura, encontra-se no Museu Henrique e Francisco Franco, na cidade do Funchal[29];
-estátua erecta de Doutor Júlio Henriques, por Barata Feyo, no Jardim Botânico da UC, inaugurada em 1950;
-um lente na cátedra, alto-relevo cerâmico de Jorge Barradas, integrado no painel da sala de leitura da Biblioteca Geral da UC. O trabalho data de 1955, tendo sido o edifício inaugurado em 29 de Maio de 1956. Estilização notável, opta por figurar o barrete doutoral no regaço do lente, proposta errada, pois quando os lentes se sentavam na cátedra para ler a lição tinham de estar com a cabeça coberta;
-estátua em bronze, de vulto, do Doutor Levy Maria Jordão. Trabalho da autoria do escultor António Duarte, data de 1954 e encontra-se assente no vestíbulo do Tribunal Judicial de Chaves. Conceituado penalista, Levy Maria Jordão formou-se na Faculdade de Direito da UC e ali concluiu o seu doutoramento em 19 de Junho de 1853. Não chegou a integrar o corpo docente da instituição. Retrato expressionista de grande impacto psicológico, omite o barrete doutoral e o hábito talar contém anacronismos vulgares a nível da capa, da calça comprida e da casaca burguesa, sabido que à data do doutoramento de Lévy Maria Jordão os lentes ainda usavam sapato de fivela, meias altas, calções, loba talar de dois corpos e ferraiolo de gala;
-estátua colossal em bronze, de Egas Moniz, realizada pelo escultor Euclides da Silva Vaz. No plinto figura a data de 1975. Assente no terreiro fronteiro ao Hospital de Santa Maria, Lisboa, apresenta o cientista em hábito talar e borla e capelo. A estátua erecta de Oliveira Salazar parece ter sido o modelo mais directo que serviu de inspiração a Euclides Vaz;
-estátua em pedra liós de “Avelar Brotero. Botânico. 1744-1828. Câmara Municipal de Lisboa. 1984”. Obra talhada num bloco único, foi assente num largo do Parque de Monsanto, Lisboa, junto à Av. Dr. Mário Moutinho. O retratado enverga batina talar de um corpo, capa e capelo. O trabalho apresenta anacronismos ao nível da batina, sapatos e capa. Trabalho da autoria do escultor António Duarte;
-estátua de vulto, em bronze, do Doutor Fernando Bissaia Barreto, lente da Faculdade de Medicina da UC, realizada pelo artista Vasco Berardo em 2000. Assente na rotunda fronteira ao Portugal dos Pequenitos, em Santa Clara, propõe um trabalho figurativo conforme as representações erectas consagradas ao longo do século XX.

São diversos os bustos em bronze dispersos pelo território português onde o capelo doutoral ocorre. Busto de Carolina Michaelis no jardim da Escola Secundária Carolina Michaelis, Porto, realizado pelo escultor José de Sousa Caldas; busto de Guilherme Moreira, assente no jardim municipal de Santa Maria da Feira, assinado por Henrique Moreira; busto de José Alberto dos Reis, no jardim fronteiro ao Tribunal de Celorico da Beira, pelo escultor António Duarte (1961)[30]; busto de Manuel Rodrigues Júnior, originariamente implantado nos passos perdidos do Tribunal de Santarém, da autoria do escultor António Duarte, que após 1974 viria a ser depositado no Museu Municipal de Santarém[31]; busto de João de Matos Antunes Varela, no Palácio da Justiça de Coimbra, realizado em 1966 por Cabral Antunes, busto de João de Matos Antunes Varela, realizado por Gustavo Bastos, no Palácio da Justiça do Porto (1967)[32]; Busto de António de Sena, no portal da Faculdade de Medicina da UC, trabalho realizado por alunos da Escola de Belas Artes do Porto[33].

A escultura sacra portuguesa documenta pelo menos quatro situações dignas de atenção. Temos conhecimento de um “Santo António Doutor Evangélico”, com túnica de franciscano e capelo doutoral, na Igreja da Venerável Ordem Secular de São Francisco, cidade de Lamego[34]. Relativamente a esta escultura, pode colocar-se a questão de saber se estamos em presença de um capelo doutoral ou canonical do século XVIII. A análise dos detalhes proporcionados pelo entalhador e pelo pintor indiciam um capelo doutoral de romeira dupla, cuja sobremurça ostenta cinco alamares de cada lado e não os clássicos três.
Complementa esta informação uma graciosa imagem de Santo Ovídio que detectámos em 2007 na Igreja do Colégio da Esperança, no Porto, de lavra setecentista. Santo Ovídio é apresentado com loba talar cerrada, chamarra sem mangas, ausência de capa, capelo deitado pelos ombros e barrete doutoral próximo das representações da Sala do Exame Privado e sobreportadas dos Gerais.
Na Igreja do Carmo, da cidade de Coimbra, existe um São Ivo, protector dos advogados e juristas, vestido com hábito franciscano e um raro exemplar completo da borla e capelo da antiga Faculdade de Cânones (modelo pombalino).
Anteriores a todas estas é imagem de São Tomás de Aquino sentado na cátedra, em pedra de Ançã, que se encontrava no portal do Colégio de São Tomás, à Rua da Sofia, edificado a partir de 1546. Este edifício foi adquirido pelo Estado para sede do Palácio da Justiça de Coimbra, em 1928, pelo que o portal foi desmontado e transportado para o Museu Nacional Machado de Castro. O apeamento desta escultura suscitou enorme interesse na década de 1930, em especial o barrete redondo com borla de tipo pompom.

As representações abrangem espaços e materiais diversificados. Da galeria dos reitores da UC à galeria dos reitores da Universidade de São Paulo, dos retratos da Reitoria da Universidade do Porto à galeria dos Bastonários da Ordem dos Advogados e galeria dos Bastonários da Ordem dos Médicos, da colecção da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa aos retratos a óleo dispersos pela Santa Casa da Misericórdia de Coimbra, Diocese de Macau, Sé de Angra do Heroísmo, Torre do Tombo, acervos museológicos (Museu Bernardino Machado, Vila Nova de Famalicão)[35], foto-histórias[36], e roteiros político-diplomáticos.
Serve de exemplo o doutoramento honoris causa concedido pela Faculdade de Direito ao Presidente do Brasil, Café Filho, no dia 24 de Abril de 1955. Uma expressiva reportagem ilustrada, da autoria do fotógrafo Firmino Santos, foi estampada na obra Diário de uma Viagem de Amizade, Lisboa, Oficinas da Editorial Ultramar, 1955, num total de onze fotografias. A descrição do cerimonial, a páginas 167-181 revela algumas curiosas “heterodoxias” e um certo grau de desinformação. Citem-se o tratamento de “Cancelário” tributado ao Vice-Reitor e a confusão entre “ostentação” do laureado e presidência do paraninfo. Das imagens impressas na obra, duas respeitam ao acolhimento na Biblioteca Joanina, três ao préstito, quatro ao cerimonial na Sala dos Actos e duas ao cumprimento de formalidades na Sala do Senado.
Alguns dos roteiros patrimoniais e turísticos de Coimbra fixaram imagens escritas e ilustradas do cerimonial universitário, hábito talar e borla e capelo. Para a segunda metade do século XIX, pela riqueza e rigor do texto escrito, vale a pena revisitar as informações reportadas por António Borges de Figueiredo, Coimbra antiga e moderna, Lisboa, Livraria Ferreireira, 1886, mormente páginas 168-170 (actos doutorais), 183-184 (recebimento do Marquês de Pombal), 13-14 (capa e batina). Quanto ao meado do século XX, Frederic Marjay, Coimbra. A cidade universitária e a sua região, Lisboa, Livraria Bertrand, 1959, fixa na capa e no interior deste roteiro turístico imagens da serenata, Queima das Fitas, préstito universitário e doutoramento honoris causa do Cardeal Eugéne Tisserand (Letras, 19.10.1956).
Publicações abundantemente ilustradas são Doutoramento honoris causa de Gladstone Chaves de Melo e Vergílio Ferreira. Universidade de Coimbra. 24 de Outubro de 1993, Porto, Fundação Eng. António de Almeida, 1996, e Fernando Aguiar Branco Doutor Honoris Causa em Letras (sinopse dos factos relativos ao doutoramento), Porto, Fundação Eng. António de Almeida, 2002.
Numa dimensão mais modesta, A. Santos Martins, in João Paulo II em Coimbra, Coimbra, Edição do Autor, 2005, ilustra momentos da cerimónia de doutoramento honoris causa do Papa João Paulo II em 15 de Maio de 1982, naquele que foi um dos momentos protocolares menos conseguidos da UC no século XX[37].

No capítulo das memórias, a obra de maior vulto é protagonizada pelo antigo Reitor Maximino Correia, in Ao serviço da Universidade (1939-1960), Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1960. Trata-se de um documentário imprescindível para se perceber as relações entre a instituição e o Estado Novo, bem como a evolução do projecto de construção da cidade universitária. As imagens mais significativas respeitam aos honoris causa do Generalíssimo Francisco Franco (25.10.1949), Júlio Dantas (6.03.1955), John Cockroft (17.10.1955), Cardeal Eugène Tisserant (19.10.1956), Gregório Marañon (21.10.1959), e a eventos como os vinte e cinco anos de Oliveira Salazar como estadista e a jubilação do Cardeal Cerejeira (1958).

Nesta recensão não faltam as fotobiografias reportadas a docentes de ensino superior, cientistas, estadistas e Chefes de Estado. Oliveira Salazar será o caso mais mediatizado. O Cardeal Cerejeira lidera a produção de representações fotográficas. Uma das mais antigas e sólidas foi elaborada pelo Padre Moreira das Neves com o título O Cardeal Cerejeira Patriarca de Lisboa, Lisboa, Edições Pro Domo, 1948, onde constam algumas das fotografias ulteriormente reproduzidas noutras obras. O catálogo ilustrado D. Manuel Gonçalves Cerejeira. Cardeal-Patriarca de Lisboa. In Memoriam, Lisboa, Edição do Patriarcado de Lisboa, 1977, divulga uma fotografia de Cerejeira como jovem doutor de Letras com hábito talar e insígnias (p. 9), outra alusiva à última lição proferida em Coimbra na cátedra da Sala dos Actos Grandes no ano de 1958 (p. 36), e outra em que acompanha o Magnifico Reitor Maximino Correia na Sala de Armas (p. 37).
D. José Policarpo da Cruz, Patriarca de Lisboa, assinou a obra Cardeal Cerejeira. Fotobiografia, Lisboa, Notícias Editorial, 2002. Este trabalho inclui fotografias relativas a hábitos talares e borlas e capelos. Logo na abertura, Cerejeira aparece ladeado por fiéis, dignitários e lentes, reconhecendo-se Domingos Fezas Vital. Fotografias do prelado em hábito e insígnias doutorais ocorrem nas pp. 29 e 42. Outras presenças respeitam a António Carneiro Faria Pacheco como Vice-Reitor da Universidade de Lisboa (p. 30), comemorações do IV Centenário da transferência da Alma Mater para Coimbra em 1937 (p. 47). Cerejeira motivou ainda uma incursão de Irene Flunser Pimentel, Cardeal Cerejeira. Fotobiografias do século XX, Lisboa, Temas e Debates, 2008, profusamente ilustrada.
O álbum assinado por Fernando Dacosta, Salazar. Fotobiografia, Lisboa, Notícias Editorial, 2000, inclui algumas imagens expressamente reportadas a insígnias doutorais, nomeadamente o honoris causa concedido a Salazar pela Universidade de Oxford em 1941 (p. 136), um retrato a óleo e a estátua togada da lavra de Francisco Franco (p. 144), uma caricatura de Abel Manta (p. 147) e o velório (pp. 154-155). Júlia Leitão de Barros, em Afonso Costa. Fotobiografias do século XX, Lisboa, Círculo de Leitores, 2002, reproduz uma fotografia dos lentes da Faculdade de Direito nos Gerais e outra da abertura solene das aulas, ambas de 1899 (pp. 32-33).
O “in memoriam” Depoimentos. Guilherme Braga da Cruz (1916-1977), Coimbra, Tenacitas, 2006, reporta abundante iconografia sobre o tema: o próprio motivo de capa, e particularmente a “Memória fotográfica” onde constam o lente Francisco José de Sousa Gomes (p. 548), Braga da Cruz no dia da sua imposição de insígnias (p. 557), o pleiteamento no Tribunal Internacional de Haia em 1959 (p. 560), a presença na cerimónia honoris causa o Presidente do Brasil Kubitchec de Oliveira (p. 562), a tomada de posse como Reitor em 1961 (p. 563), a abertura solene de 1961 (p. 565) e a presença na cerimónia de trasladação dos restos mortais do Rei D. Miguel (p. 571).
Menos abundantes serão as abordagens cinematográficas. No filme português “Fátima, Terra de Fé”, de ca. 1943, consta uma reportagem sobre uma cerimónia de Abertura Solene da Universidade de Coimbra, cujo protagonista é o “Doutor António Silveira”, uma espécie de sósia do Fernando Bissaia Barreto convertido aos ideais do Estado Novo[38]. Haveria que cruzar estes dados com o arquivo audiovisual da RTP, cujos repórteres de imagem registaram desde 1957 diversos momentos da UC.

As comemorações dos 700 anos da fundação do Studium Generale em 1990 serviram de pretexto à edição de fontes e estudos de fundo onde as insígnias e o hábito talar ocorrem a título meramente ilustrativo. A maioria dos trabalhos comporta a assinatura do Director do AUC e membro da comissão Manuel Augusto Rodrigues: A Universidade de Coimbra e os seus reitores, Coimbra, AUC, 1990; A Universidade de Coimbra. Marcos da sua história, Coimbra, AUC, 1991[39]; Memoria professorum Universitatis Conimbrigensis (1772-1937), Coimbra, AUC, 1992[40], realizações a que não podem deixar de acrescentar-se as reedições de grandes clássicos de António de Vasconcelos como A Sé Velha de Coimbra. Volume I, Coimbra, AUC, 1993, Escritos vários relativos à Universidade Dionisiana. Volume I, Coimbra, AUC, 1997, e Real Capela da Universidade de Coimbra. Alguns apontamentos para a sua história, Coimbra, AUC/Livraria Minerva, 1990. A iconografia relativa ao hábito talar e insígnias doutorais é abundante e variada nas obras referidas supra, mas Manuel Augusto Rodrigues não chega a explorar as ricas potencialidades desta matéria-prima.

Nas obras de síntese do século XX, as insígnias doutorais não deixam de ocorrer, mesmo que episodicamente:
-Damião Peres (direcção), História de Portugal. Edição monumental, Barcelos. No Volume IV, de 1932, p. 268, a estátua de São Tomás de Aquino com o barrete doutoral quinhentista, e na p. 272 o retrato do reitor Frei Diogo de Murça. No Volume VI, de 1934, p. 519, uma gravura do Museu da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto intitulada “O Marquês de Pombal entrega em nome de el-rei D. José I os estatutos que reformam a Universidade (1772) e apresenta o novo reitor D. Francisco de Lemos”. No Volume VII, de 1935, Gomes Teixeira, na página 723. No Suplemento, de 1954, uma fotografia de 1899 relativa à abertura solene de Outubro de 1899, onde figuram jovens lentes recém-doutorados como Sidónio Bernardino Cardoso da Silva Pais (Matemática, 24.07.1898), e José Alberto dos Reis (Direito, 16.04.1899). Esta obra inclui ainda um retrato de Carolina Michaelis de Vasconcelos com as insígnias doutorais que lhe foram impostas em 1 de Julho de 1917 sobre vestido preto comprido e capa talar;
-Sousa Costa, Grandes Dramas Judiciários. Tribunais portugueses, Porto, Editorial O Primeiro de Janeiro, 1944, p. 329 (foto de António Augusto Rocha, de Medicina);
-Universidade, de autor não identificado na Grande Eciclopédia Portuguesa e Brasileira, Tomo 33, 1956, página 442 e seguintes, onde são referidas para Coimbra a borla e capelo (e, por erro ou desconhecimento, o hábito talar), para a Universidade de Lisboa/Medicina a toga de alamares e o barrete cilindriforme coroado de pompom, para as demais escolas da Universidade de Lisboa borla e capelo, para a Universidade Técnica de Lisboa a gorra e o epitógio, e para a Universidade do Porto a toga de alamares e o barrete octavado com pompom;
-a História da República, Lisboa, Editorial O Século, 1960, extensa publicação onde figuram reproduções de fotografias e caricaturas;
-Joaquim Veríssimo Serrão, Doutor, no Dicionário de História de Portugal, Volume II, Porto, Livraria Figueirinhas, s/d, pp. 338-339;
-António Reis (direcção), Portugal Contemporâneo (1820-1851), Volume I, Lisboa, Publicações Alfa, 1989, p. 299 (Adrião Pereira de Sampaio); idem, (1851-1910), Volume 2, Lisboa, Publicações Alfa, 1989, p. 259;
-José Mattoso (direcção), História de Portugal. Volume 5: O Liberalismo, Lisboa, Editorial Estampa, 1993, p. 654, busto em bronze do Doutor Gomes Teixeira, da autoria de Teixeira Lopes, existente no Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra;
-Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga, História da História em Portugal. Sécs. XIX-XX, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, p. 198 (retrato a óleo de António de Vasconcelos, na Faculdade de Letras), p. 201 (fotografia de Luciano Pereira da Silva), p. 232 (retrato a óleo de Mendes dos Remédios, na Faculdade de Letras), p. 237 (fotografia de Manuel Gonçalves Cerejeira), p. 261 (fotografia de Manuel Lopes de Almeida), p. 265 (fotografia de Damião Peres), p. 304 (fotografia de Joaquim de Carvalho), p. 345 (retrato de Carolina Michaelis), p. 360 (retrato de Albert Silbert).

As insígnias doutorais ocuparam lugar de destaque nas representações culturais da Sociedade Tradicional Académica. Até 1910 realizou-se frequentemente o ritual praxístico do grau, um rito iniciático que consistia em submeter os caloiros a um conjunto de provas que imitavam em tom burlesco os passos dos actos magnos ou doutoramento. Misturando elementos da cultura académica com símbolos e momentos da iniciação maçónica (ataúde, tocheiros, caveira, tíbias, venda), os caloiros eram introduzidos numa sala obscurecida, sentados num bacio, sujeitos a interrogatórios chocarreiros e punições e investidos com um bacio na cabeça.
O antigo estudante da década de 1860 Antão de Vasconcelos descreve nas suas Memórias do Mata-Carochas, 2ª edição, Porto, p. 51, com minúcia a realização do duro ritual, que terminava invariavelmente com a frase ritual “Et ego aucthoritate qua fungor, gradum tibi confero”.
Ao longo do século XX as insígnias doutorais foram parodiadas pelos estudantes em cortejos alegóricos e em convívios ralizados nas Repúblicas, como aconteceu em 23 de Janeiro de 1961 com a simulação de um doutoramento honoris causa na República Boa-Bay-Ela[41].
REFERÊNCIAS
[1] A casaca/capa para alunos, e o tailleur/capa para alunas, tinham sido usados no Liceu de Ponta Delgada até à década de 1960. Contudo, à data da minha matrícula na instituição, em Outubro de 1983, o traje caíra em desuso. A tradição de participação dos estudantes do liceu na procissão anual do Santo Cristo dos Milagres mantinha uma ligeira reminiscência, com alguns estudantes vestidos de fato preto (casaco curto) e uma capa.
[2] Dra. Madalena Brás Teixeira.
[3] A então estudante de Direito Ana Paula Barros, cabeça de lista da JSD.
[4] Eduardo Proença Mamede, aluno de História.
[5] Grande parte do riquíssmo guarda-roupa particular do Bispo jubilado de Aveiro D. Manuel de Almeida Trindade, então a residir no Seminário de Coimbra, fivelas de prata de sapatos ofertadas pelo Padre Doutor António Nogueira Gonçalves (que em 1991 ofereci ao Museu Académico), mantéu e cabeção emprestados pelo Padre Amílcar (professor de Religão e Moral no Colégio de São Teotónio), e um barrete cedido pelo Padre João Evangelista (Sé Velha).
[6] Dr. Joaquim Teixeira Santos e Dr. Artur Ribeiro.
[7] Dr. Carlos Serra.
[8] O estudante António Piedade, da lista JSD liderada pelo Presidente da AAC Emídio Guerreiro.
[9] Habitava uma casa do Patriarcado, na Rua Capitão Renato Baptista. Na altura colocou-se a hipótese de o Cónego Isaías da Rosa Pereira ofertar as peças mais representativas do seu guarda-roupa ao Museu Académico. Falecido em 1995, presume-se que estas tenham sido distribuídas pelos respectivos herdeiros.
[10] Mário Mendes Nunes, «Leocádia Machado: as mãos de ouro de Coimbra», in Nos caminhos do património. II, Coimbra, GAAC, 1995, pp. 112-116. O texto foi inicialmente publicado no periódico local Diário de Coimbra. Em Setembro de 1996 tentei entrevistar a artesã bordadeira da casa portuense Carvalho e Irmão, sem sucesso devido aos entraves que me foram colocados.
[11] Reproduções no catálogo Cabral Antunes. Escultor e medalhista, Coimbra, 1987.
[12] Data confirmada por Fernando Simões Ribeiro, da Medalhística Lusa-Atenas.
[13] Cf. “Capelli e Galeri”, http://dapppledphotos.blogspot.com/2005/11/capelli-e-galeri.html, confundindo o galero com o capelo romano ou saturno, à semelhança do que acontece com a maior parte das enciclopédias e dicionários. O “galeri rosso”, considerado a coroa dos cardeais romanos como príncipes da Igreja Católica, foi concedido pelo Papa Inocente IV em 1245 no Concílio de Lião e tornado facultativo pelo Paulo Paulo VI em 1969. Siga-se a informação presente na rubrica Galero, http://en.wikipedia.org/wiki.Galero.
[14] Prelado faustoso lhe chama Borges de Figueiredo, Coimbra antiga e moderna, 1886, p. 161.
[15] Na mesma conjuntura, antes e depois de 1910, circularam postais ilustrados relativos ao bedel, guarda-mor, archeiros e mestre-de-cerimónias.
[16] Reprodução em Sousa Figueiredo e António Vicente, A queda da Monarquia e a implantação da República través do bilhete-postal ilustrado, Lisboa, Ecosoluções, 1997.
[17] Seria o último prelado a residir habitualmente na Casa Reitoral, seguindo-se uma gradativa perda da capacidade de invenção/renovação simbólica específica da cultura palaciana reitoral.
[18] Existe um exemplar na Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra.
[19] Reprodução por Artur Ribeiro, Queima das Fitas. Os 100 anos do Centenário da Sebenta (1899-1999), Coimbra, Edição do Diário de Coimbra, 1999, p. 75.
[20] Reproduções em Cristina Henriques (e outras), Coimbra. Vida académica, Coimbra, Edição da Comissão Central da Queima das Fitas 1990, 1990, pp. 20-21.
[21] Reprodução na obra Rafael Bordalo Pinheiro. Álbum das Glórias. Edição comemorativa do centenário da morte de Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905), Lisboa, Expresso, 2005, p. 75.
[22] Primeira edição feita em Lisboa, O Jornal, 1978. Esta abordagem merece alguma reserva, dado o lugar comum que tem pretendido associar apenas os catedráticos da UC ao Estado Novo e à perpetuação de uma certa imagem de provincianismo. Muitos docentes da UC participaram activamente na construção e perpetuação do Estado Novo, como participaram os da UL, os da UP, os da Universidade Técnica de Lisboa e os das escolas de Belas Artes. No caso específico da Faculdade de Direito da UL, docentes do quadro da instituição como Carneiro Pacheco, Manuel Rodrigues ou Caeiro da Mata são frequentemente referidos como colegas de Salazar em Coimbra, mesmo quando se sabe que tinham sido transferidos para a escola lisboeta antes de 1926, ou nos anos seguintes. Outros, como Marcello Caetano, Manuel Cavaleiro de Ferreira, Inocêncio Galvão Telles ou Paulo Cunha não se haviam formado nem doutorado em Coimbra.
[23] Os CTT editaram outros selos alusivos à UC, como “Paisagens e Monumentos. Paço das Escolas” ($50, 1972); “Reforma Pombalina” (selo de 1$00, selo de 2$50 e selo de 8$00, 1972); “400 anos da morte de Pedro Nunes” (selo de 5$00, 1978); “Datas da História. 7º Centenário da Universidade de Coimbra” (selo de 70$00, 1990); “100 anos da morte do fadista Hilário” (selo de 80$00, 1996).
[24] Assunto relatado por Júlio Henriques, “O monumento a Brotero”, in O Instituto, Volume 37, 1889, p. 342 e ss; João Pereira Dias, A estátua de Brotero por Soares dos Reis, Porto, Círculo Dr. José de Figueiredo, 1944, com reprodução de esbocetos e fotografias de apoio.
[25] Enquadramento e fotografia em Joaquim Saial, Estatuária portuguesa dos anos 30 (1926-1940), Amadora, Bertrand Editora, 1991, pp. 155-157.
[26] Cf. Joaquim Ferreira Gomes, A Universidade de Coimbra durante a Primeira República, Lisboa, IIE, 1990, pp. 298-299; e confirmando esta realidade, mas tentando destacar Salazar dos seus colegas que também foram proclamados, siga-se Franco Nogueira, Salazar. A mocidade e os princípios (1889-1928), 2ª edição, Volume I, Porto, Livraria Civilização Editora, 1986, pp. 150-151, 164-165, 169-171, em particular pp. 189-190 e respectivas notas de fim de página.
[27] Reprodução na obra ilustrada Mundo Português. Imagens de uma exposição histórica. 1940, Lisboa, Edições SNI, 1956.
[28] João Medina, “As imagens de Salazar. Estudo de iconologia histórica sobre a representação do ditador português na caricatura, na escultura e na pintura”, capítulo IV da obra Salazar, Hitler e Franco, Lisboa, Livros Horizonte, 2000, p.185 e ss..
[29] Reprodução fotográfica em Nelson Veríssimo e José Sainz-Trueva, Esculturas da Região Autónoma da Madeira. Inventário, Funchal, Secretaria Regional do Turismo e Cultura, 1996, p. 20.
[30] As obras de arte existentes nos tribunais portugueses foram recenseadas até ao ano de 1999 na obra de AMN, Espaços e Imagens da Justiça no Estado Novo. Templos da Justiça e arte judiciária, Coimbra, Minerva, 2003.
[31] Repodução em AMN, Justiça e arte. Tribunais portugueses, Lisboa, SGMJ, 2003, p. 111.
[32] Reprodução no álbum colectivo assinado por Francisco Ribeiro da Silva/José Guilherme Abreu/José Pereira da Graça, O Tribunal da Relação do Porto. O Palácio da Justiça do Porto, Porto, Edição do TRP, 2008, p. 85.
[33] Fotografias de alguns dos bustos referidos foram reproduzidas em AMN, Justiça e Arte. Tribunais Portugueses, Lisboa, SGMJ, 2003. A UC é detentora de telas e bustos de antigos docentes, os quais se encontram dispersos pelos vários edifícios. Por exemplo, no átrio do Instituto Nacional de Medicina Legal/Faculdade de Medicina foram assentes os bustos do Prof. Doutor Almeida Ribeiro [1884-1959. Com capelo pelos ombros. Trabalho assinado por Álvaro Matos, 1960], e Prof. Duarte Santos [1911-1994. Com capelo pelos ombros. Trabalho assinado por Álvaro Matos, 1983]. Devo esta visita guiada ao Vice-Presidente do INML/Coimbra, Prof. Doutor Francisco Corte-Real (30.04.2009).
[34] Reprodução no catálogo Cristo fonte de esperança. Exposição do grande jubileu do ano 2000. 17 de Junho/17 de Setembro, Porto, Diocese do Porto, 2000, p. 520, peça nº 377.
[35] Elzira Machado Rosa, “Museu Bernardino Machado. Exposição permanente”, Vila Nova de Famalicão, Edição da Câmara Municipal de VNF, 2002 (capa, batina e insígnias de Bernardino Machado).
[36] Por exemplo, Fernanda Rollo, “Salazar através da fotografia”, in Salazar e o Salazarismo, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989; Maria Filomena Mónica, A Queda da Monarquia. Portugal na viragem do século, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1987, p. 336.
[37] A recepção e a cerimónia não seguiram o protocolo tradicional, tendo sido praticado um honoris causa do tipo norte-americano. Não houve imposição de barrete nem de anel, nem falas rituais.
[38] Cf. Álvaro Garrido, “Coimbra nas imagens do cinema do Estado Novo”, in O Cinema sob o olhar de Salazar, Lisboa, Círculo de Leitores, 2000, pp. 274-303.
[39] Estas duas obras foram-me oferecidas logo em 1991 pelo Prof. Doutor Manuel Augusto Rodrigues, fruto de colaboração que prestei em matéria de traje académico.
[40] Oferta da Prof. Doutora Maria José Azevedo, Directora do AUC.
[41] Fotografias disponíveis em Cristina Henriques, Paula Rocha e Teresa Barbosa, Coimbra. Vida Académica, Coimbra, Edição da Comissão Central da Queima das Fitas 1990, 1990, pp. 107-108.


Pequeno uniforme
A Igreja católica e os exércitos profissionalizados ajudaram a divulgar no Ocidente a distinção entre grande uniforme (hábito de gala, uniforme de cerimónia, traje de festa), e pequeno uniforme (hábito pequeno, traje de trabalho, farda de trabalho).
A figura exemplifica um capelão com tricórnio de feltro, calções afunilados com a braguilha de alçapão, meias altas, sapato preto de fivela (estilo império), casaca preta à francesa, plastron, vestia curta (colete) e bengala de castão.
A partir da Patuleia e da Revolução de 1848 os estudantes de Coimbra adeptos do abolicionismo vestimentário intentam trocar o velho hábito talar por um uniforme da tipologia representada supra, de austero figurino liberal, que os confundia com quem estes desdenhavam confundir-se: os funcionários da própria instituição onde se encontravm matriculados e os futricas (habitantes da cidade que não eram estudantes).
No interior dos conventos, colégios e seminários, os clérigos e estudantes católicos podiam envergar o pequeno hábito, também conhecido por hábito doméstico. Embora não se possa integrar na mesma tipologia "casacar", assinale-se na Universidade de Oxford a existência de uma opa simples, com mangas golpeadas e cabeção ("subfusc").

I - Património vestimentário e insigniário conimbricense

O hábito talar e as insígnias doutorais de Bernardino Machado


O Museu Bernardino Machado (MBM) custodia um importante conjunto vestimentário que foi pertença de Bernardino Machado enquanto lente da Faculdade de Philosophia Natural (=Faculdade de Ciências Naturais) da Universidade de Coimbra em efectivo exercício de funções entre os anos de 1876-1907.
Considerando a raridade, originalidade e valor testemunhal de época destas peças de confecção artesanal, importa proceder à sua contextualização, identificação e conservação preventiva. Património vestimentário-insigniário em fase inactiva, resulta de um processo de musealização conduzido a partir de oportuno legado familiar. As peças remanescentes encontram-se devidamente acondicionadas em vitrine paralelepipédica, fora do alcance directo do público e da acção da luz solar.
As condições de higienização e de exposição ao público são tecnicamente satisfatórias, repousando a capa, a frock coat, o capelo e a borla doutoral em manequim.
A fragilidade destas peças, associada à sua raridade, implica especiais cuidados em termos de manuseamento e acondicionamento, sendo aconselhável o restauro das insígnias e a reprodução de cópia fiel do conjunto talar[1].


Um objecto inexplorado
Os etnólogos e investigadores portugueses ligados às instituições de ensino superior entraram no século XXI sem dar mostras de interesse pela abordagem de temáticas como os trajos profissionais, as insígnias e o cerimonial[2]. A uma superabundância de estudos etnográficos produzidos desde finais do século XIX sobre vestuário popular, bordados e artesanato, opõe-se um quase persistente mutismo sobre fardas, vestes profissionais e distintivos[3].
Depois de António Tomás Pires (Materiais para a história da vida urbana portuguesa. A mobília, o vestuário e a sumptuosidade nos séculos XVI a XVIII, Lisboa, 1899), Eduardo de Noronha (O vestuário. História do traje desde os tempos mais remotos até à Idade Média, Lisboa, Tipografia Libânio e Silva, 1911), Alberto de Sousa (O trajo popular, com gravuras reproduzidas directamente segundo os documentos da época, Lisboa, 1925), Gustavo Matos Sequeira (História do trajo em Portugal, Porto, Lello & Irmão, 1938), e José Leite de Vasconcelos (Etnografia Portuguesa, Vol. VI, Lisboa, INCM, 1983), os estudos de história da indumentária, trajes profissionais e insígnias parecem circunscrever-se a curiosos locais e directores de grupos folclóricos[4].
Nas décadas de 1950-1960 quem saberia falar do vestuário em Portugal seria Maria José Mendonça, então Directora do Museu Nacional dos Coches, ulteriormente Directora do Museu Nacional de Arte Antiga, que esteve ligada a trabalhos de merecimento como o catálogo O trajo civil em Portugal. Exposição organizada pela Direcção-Geral dos Assuntos Culturais no Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, Janeiro/Fevereiro de 1974. Na mesma data, Maria Madalena de Cagigal e Silva assinava O Trajo no século XVIII através das colecções do Museu Nacional dos Coches, editado na revista Bracara Augusta, Volume XXVII.
Pelos finais da década de 1950 decorre na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa uma iniciativa destinada a historiar a origem, evolução e prestígio do grande uniforme e da toga talar das Escolas Médico-Cirúrgicas, herdada após 1911 pelas novas universidades de Lisboa e Porto. A pretexto do primeiro centenário da criação das fardas da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa (Decreto de 1.10.1856), o Prof. Doutor Sebastião Cabral da Costa Sacadura realizou na Faculdade de Medicina da UL, corria o dia 29 de Novembro de 1957, uma palestra intitulada Trajos oficiais e sociais dos médicos[5], iniciativa apoiada numa exposição iconográfica. Elogiando o caso da UC e de outras universidades históricas ocidentais frequentadas pelos cientistas portugueses, Sacadura Costa lamentava o esquecimento do grande uniforme napoleónico e a ausência de contextos cerimoniais na UL.
A crítica deste idoso médico, diplomado pela Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, parece deixar antever algum mal-estar resultante da diferenciação identitária entre a Faculdade de Direito (que usava traje e insígnias conforme a tradição coimbrã) e a “Nobreza do Professorado de Medicina” que se mantinha fiel à herança das Escolas Médico-Cirúrgicas de forja oitocentista.
Numa atitude de distanciamento face aos horizontes político-militares dos historiadores activos nas universidades de Lisboa e Coimbra, António Henrique Rodrigo de Oliveira Marques (1933-2007) explorou as potencialidades do vestuário enquanto objecto de estudo. Assim, no mesmo ano em que Oliveira Marques publica “Efemérides para o estudo do vestuário nos séculos XII e XV” (Revista da Faculdade de Letras, Lisboa, 1959), Maria Otília Simões Martins apresenta à Faculdade de Letras da UL uma dissertação de licenciatura intitulada Elementos para o estudo do vestuário nos séculos XIII, XIV e XV. Em 1963 Oliveira Marques dava a lume o livro de história quotidiana A sociedade medieval portuguesa, com um expressivo e muito completo capítulo sobre “O Traje”, cuja leitura crítica esteve a cargo de Maria José Mendonça (A sociedade medieval portuguesa, 5ª edição, Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1987).
A década de sessenta parecia abrir as portas à consagração dos estudos sobre a indumentária em Portugal, merecendo referência trabalhos assinados por Ernesto Soares (“Trajos e costumes dos séculos XIV, XV e XVI”, Dicionário de iconografia portuguesa, Lisboa, 1960), Maria Natália Brito Correia Guedes (Organização de um Museu de Indumentária. Dissertação apresentada ao Curso de Conservador de Museu, Lisboa, 1969), e Fernanda Espinosa (Escritos históricos, Porto, Porto Editora, 1972).
Apesar de Oliveira Marques ter continuado a incluir a indumentária nas suas histórias de Portugal[6], e de em 1977 ter ocorrido a fundação do Museu Nacional do Traje e da Moda[7], não se pode dizer que os meios académicos portugueses concederam abrir portas ao tema. Trabalhos ulteriores de merecimento assinados por João Afonso (O trajo nos Açores, Angra do Heroísmo, SRAS, 1987), e Maria José Palla (Do essencial e do supérfluo. Estudo lexical do traje e adornos em Gil Vicente, Lisboa, Editorial Estampa, 1992), não parecem ter alterado as inércias existentes. Serão excepção a este cenário, nos anos oitenta e noventa do século XX, os trabalhos de apoio do Prof. António Camões Gouveia à reconstituição da Embaixada do Rei D. Manuel I ao Papa Leão X[8], os estudos sociológicos de Nuno Luís Madureira na FCSH/UNL (Lisboa. Luxo e distinção. 1750-1830, Lisboa, Editorial Fragmentos, 1990), ou o trabalho desenvolvido no Ministério da Educação por Fernando José Cunha de Oliveira (O vestuário português ao tempo da expansão. Séculos XV e XVI, Lisboa, EME, 1993).
A distracção dos historiadores foi comum aos sociológos e psicólogos, se considerarmos a falta de recepção a propostas assinadas por Umberto Eco e outros (Psicologia do vestir, 1ª edição, Lisboa, Assírio e Alvim, 1975), Daniel Roche (La culture des apparences. Une histoire du vêtement en France, Paris, Fayard, 1989), ou Gille Lipovetsky (O império do efémero. A moda e o seu destino nas sociedades modernas, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989).
A ausência de sensibilidade apontada não é corroborada pela comunidade académica de países como a Espanha, a França, o Brasil[9] e a Grã-Bretanha, onde a história da moda, das indumentárias populares regionais, das vestes profissionais, das insígnias e do protocolo, são alvo de estudos frequentes, consistentes e prestigiados.
O enfoque de alguns historiadores portugueses na moda e cerimoniais da Época Moderna como que tem ajudado a sedimentar uma visão distorcida da realidade, na medida em que a um Ancient Régime rico em indumentária e cerimonial teria sucedido um ambiente pós Revolução de 1789 e Revoluções Liberais sem fardas nem cerimonial, o que não corresponde de todo à realidade portuguesa oitocentista. Os sistemas culturais característicos da cultura de palco, cultura de salão, cultura de animação urbana, cultura de palácio e cultura de catedral permaneceram, adaptaram-se a novas realidades e algumas aprenderam mesmo a viver sob a ameaça do abolicionismo. Dizer que a cultura palaciana era elitista, exibicionista e luxuosa, sendo verdade, é sobretudo um preconceito burguês alimentado por um sistema político, cultural e ideológico cujas vulnerabilidades e contradições seriam severamente postas a nu pelos vários movimentos contraculturais juvenis e estudantis simbolizados pelo Mai 68.
Espanha ocupa lugar de destaque na produção de estudos sobre o protocolo municipal, protocolo universitário, vestes e insígnias académicas. Em 1996 foi criada a Asociación para el Estúdio y la Investigación del Protocolo Universitario, que além de emitir recomendações, dinamiza grupos de trabalho, promove encontros inter-universitários desde 1996, e edita regularmente em formato digital as actas das comunicações[10]. No conspecto das produções disponibilizadas nos últimos anos destacam-se, de Francisco Galino Nieto, Del protocolo y ceremonial universitário y complutense, Madrid, Editorial Complutense, 1999, e de Juan Luís pólo Rodriguez e Jerónimo Hernández de Castro, Cerimonias y grados en la Universidad de Salamanca. Una aproximación al protocolo académico, Salamanca, Ediciones Universidad Salamanca, 2004.

Reflectindo sobre as potencialidades da moda e da história do vestuário na era do pós-abolicionismo, da globalização das colecções do pronto-a-vestir e do império das marcas, Arianna Giorgi propõe uma indagação apta a superar as teorias clássicas que colocaram o vestuário fora das fronteiras da produção artística ou proclamaram sucessivamente a sua desnecessidade em função de visões que consideram a indumentária um produto cultural tido por aparentemente supérfluo ou incómodo:

Rescatada de su sociológico exílio, la indumentaria se perfila como herramienta de trabajo y como una sistemática vertiente cultural que, indispensable para la divulgación cotidiana de la identidad humana, representa un ingente testemonio estilístico, perpetuando su atractiva y estética historia creativa[11].

Em Espanha, Brasil e Bélgica foram criadas especializações académicas e pós-graduações em cerimonial e protocolo. O tema, que nunca perdeu acuidade nos meios políticos, diplomáticos, militares e religiosos, ganha novo fulgor nos currículos de formação de gestores e organizadores de eventos empresariais, onde o domínio do protocolo é visto como estratégia comunicacional. Na Grã-Bretanha, o estudo do cerimonial mantém-se vicejante, situação atestada por monografias de grande envergadura publicadas nos séculos XIX e XX[12]. Em 2000 surgiu em Londres uma instituição expressamente vocacionada para o estudo comparado das vestes e insígnias universitárias, The Burgon Society, que disponibiliza copiosa informação iconográfica e histórica, bem como bibliografia especializada[13].
Por tudo quanto foi dito, não surpreende que o hábito talar e as insígnias da Universidade de Coimbra (UC)[14] não tenham originado estudos monográficos, num país onde apenas se tem vindo a prestar atenção à confecção artesanal da casaca de toureiro e ao “traje português de equitação”[15].
As insígnias doutorais conimbricenses, obra artesanal rara e original cujo fabrico local se perdeu, nunca foram satisfatoriamente estudadas. Não se conhece qualquer levantamento iconográfico e nenhum especialista procedeu a uma descrição satisfatória do modo de confecção, dos padrões de tecidos empregues, da ornamentação, dos pontos usados pelas bordadeiras locais, da designação de cada uma das peças bordadas ou forradas a fio de seda ou mesmo do seu feitio. Afinal quantos nós se dão para fazer uma aselha? Quantos volteios faz a agulha para revestir uma mandorla? Como se corta e afeiçoa a cartolina do barrete? Como se talha, reveste e atarraxa a pega à copa do barrete?

No monumental catálogo de Alberto Correia, Portugal. Artesanato da Região Centro, Coimbra, Edição do Instituto do Emprego e Formação Profissional/Delegação Regional do Centro, 1992, a arte citadina da confecção da borla e capelo não é mencionada, apesar de nesta data ainda se manter em actividade a última bordadeira que sabia confeccionar as insígnias doutorais, Leocádia Machado[16]. Relativamente a Coimbra, apenas são indicados os panos tradicionais do Almalaguês. Quanto a trabalhos de luxo, com utilização de fio de seda natural, o destaque na obra referida vai para o bordado de Castelo Branco, na Beira Baixa.
A inércia que rodeia o estudo, reconhecimento da originalidade e valor patrimonial das insígnias doutorais conimbricenses, e os silêncios em torno da sua descrição/caracterização e modo de confecção suscitam perplexidade, pois em campos contíguos são vários os trabalhos dados à estampa em Portugal. Recorde-se, sem preocupação de exaustividade, o monumental projecto coordenado por Carlos Laranjo Medeiros, com texto de António Teixeira de Sousa, Bordados e rendas nos bragais de Entre Douro e Minho, Edição Programa de Artes e Ofícios Tradicionais, 1994; de Clara Vaz Pinto, Colchas de Castelo Branco, Instituto Português de Museus, 1993; de F. Baptista de Oliveira, História e técnica dos Tapetes de Arraiolos, 1983[17]; ou de Leandro Jardim, O bordado da Madeira na história e quotidiano do Arquipélago, 1996.
Diversos saberes tradicionais, pouco conhecidos, ou ameaçados de extinção, têm suscitado estudos dignos de realce, servindo de exemplo os trabalhos de Ernesto Veiga de Oliveira, Instrumentos populares portugueses, Lisboa, Fundação Caloust Gulbenkian, 1964[18], Estêvão Carrasco e Alberto Peres, Barcos do Tejo, Lisboa, Edições INAPA, 1997, Sven Stapf, Faiança Portuguesa. Faiança de Estremoz, 1997, Priscila Cardoso, Filigrana portuguesa, Porto, Lello Editores, 1998, Teresa Perdigão, Tesouros do artesanato português, Lisboa, Verbo, 2001, José Alberto Sardinha, Viola Campaniça. O outro Alentejo, Vila Verde, Tradisom, 2001[19], ou mesmo o catálogo 50 anos de tapeçaria em Portugal. Manufactura de Tapeçarias de Portalegre. 26 de Setembro 1996. 16 de Dezembro, Lisboa, 1996.
E no âmbito do projecto “Porto. Capital Europeia da Cultura 2001”, de uma série de dez estudos temáticos, pelo menos dois versaram assuntos da cultura imaterial/patrimonial: François Guichard, Rótulos e cartazes no Vinho do Porto, Lisboa, Edições INAPA, 2001, e Hélio Loureiro, Gastronomia Portuense, Lisboa, Edições INAPA, 2001.

Na Coimbra dos anos que se seguiram ao Maio de 1968/Crise Académica de 1969 e Revolução de 25 de Abril de 1974 o legado da Aufklarung burguesa ditou acções separadas e ambíguas de revitalização das tradições universitárias.
De uma lado da barricada a Casa Reitoral, do outro a Academia estudantil. Na impossibilidade de se pensar o património universitário simbólico e imaterial como um sistema integrado, capaz de reflectir as especificidades do corpo docente, corpo discente e funcionários, em estreita articulação com o tecido urbano e seus habitantes, os movimentos de revitalização estudantis não dialogaram nem concertaram quaisquer estratégias com o Senado ou com a Casa Reitoral. O corpo com menor afirmação simbólica tem sido o dos funcionários, herdeiro do capital simbólico dos antigos oficiais maiores e menores, que em 1984 fundou a Casa do Pessoal da UC. E contudo, os funcionários da UC possuíam insígnias e uniforme de trabalho e de gala, não se compreendendo o seu não uso em cerimónias de tomada de posse dos titulares de determinados cargos, ou a não participação de dirigentes de cargos intermédios e superiores como vice-director do AUC, da IUC, da BGUC, do administrador, do vice-presidente dos serviços de acção social escolar no cerimonial universitário. Esta exclusão configura uma má herança do período do Estado Novo, bem ao arrepio do disposto nos chamados Estatutos Velhos[20]. Eis uma fractura que se mantém desde a Revolução Republicana de 1910, cuja chave de leitura radica num século XIX encapelado de relações difíceis.
No após 1976, diversas perversidades das tradições e praxes estudantis, sedimentadas durante o liberalismo clássico e o Estado Novo, vieram de novo à tona das vivências juvenis, convocando o retorno de tiques burgueses requentados como a velha separação dos sexos e o culto da visão linear do tempo histórico. O peso da memória vivencial dos antigos estudantes do sexo masculino matriculados entre as décadas de 1930-1950 revelar-se-ia esmagador na construção do movimento restauracionista pós-1974, impondo uma visão monocultural e anacrónica do passado re-inventado.
Na Coimbra académica das décadas de 1970-1980 praticava-se uma estranha guerra das trincheiras entre as sensibilidades adeptas do retorno das tradições (retorno com adaptações; retorno puro e duro a partir das interrupções de 1969) e as forças defensoras do abolicionismo integral pacífico e do abolicionismo assente na acção violenta.
Percorridos dois séculos de Aufklarung burguesa[21], torna-se mais claro o quanto as estratégias de aniquilação da identidade do adversário[22], o desprezo visando diminuir ou desmoralizar o outro, foram valores que apesar de não assumidos explicitamente fascinaram os arautos mais radicais dos discursos revolucionários e anarquistas.
Do outro lado da barricada, a hoste dos adeptos dos paradigmas tradicionalistas acobertava inúmeras sensibilidades sem que as facções mais radicais se assumissem como reaccionárias[23]. Por seu turno, o pelotão auto-concebido como vanguardista e modernista não abdicava dos vários mitos ancorados em filosofias da história[24] e em paradigmas neotribais pósmodernos[25]. Ambas as facções se espiavam, insultavam e agrediam, numa guerra-fria que se arrastou penosamente até finais da década de 1980.
O embate dos últimos grandes paradigmas ideológicos ocorreu em Coimbra, num plano meramente teórico e idealístico, no embalo de uma cronologia retardada, quando o mundo ocidental estugava o passo em direcção ao fim da Guerra-Fria. Mas os “mundos” discutidos acaloradamente nas teóricas tertúlias coimbrãs não reflectiam um aprofundado conhecimento da realidade das ditaduras ou das democracias, nem sequer do Portugal profundo nas suas idiossincrasias e falares[26].
Juntemos a tudo isto um traço comportamental característico das vivências e representações das elites docentes e discentes coimbrãs, o hipercriticismo autofágico que frequentemente redunda na depreciação de projectos e no não reconhecimento de valor aos bens e agentes culturais, atitude que tem valido à Alma Mater Conimbrigensis o apodo de “madrasta”[27]. Os exemplos não faltam. Subaproveitado, o Museu Académico de Coimbra arrastou-se penosamente nesses anos, quando possuía um acervo único no Ocidente desde 1951. Um quarto de século mais tarde viria a ser ofuscado por projectos mais dinâmicos como o Museo Europeo degli Studenti (Bolonha: 2004)[28] e o Museo Internacional del Estudiante (Salamanca: 2008)[29]. Noutro registo, os trabalhos de pesquisa sobre os costumes estudantis, acumulados pelo Dr. António José Soares desde a década de 1940, poderiam ter originado projectos museológicos, bem como iniciativas e publicações de grande envergadura, mas as potencialidades deste antigo estudante não foram minimanente aproveitadas[30].
Para aquilo que nos importa, e recentrando o caudal do discurso no seu leito, o peso da Aufklarung era ainda determinante em Coimbra na escolha dos temas de investigação que os titulares das cadeiras das áreas de História, Sociologia, Psicologia Educacional e Antropologia propunham para investigação nas décadas de 1980-1990. Eram não “temas” de investigação nesses anos o traje académico, as festividades académicas, a Canção de Coimbra e as serenatas, o cerimonial universitário ou os casos de sucesso polarizados em torno da ocupação dos tempos livres estudantis. Relegados para a gaveta das “coisas de estudantes”, ou das “curiosidades”, quando muito teriam lugar no âmbito da literatura memorialística ou da etnografia[31]. A história oral, em processo de afirmação em instituições como a Columbia University, era tida por inadmissível.
Importantes publicações singulares e colectivas levadas a cabo nesses anos traduzem a inércia e o desconhecimento dos docentes da UC, da Casa Reitoral e dos institutos científicos das várias Faculdades perante a importância e potencialidades do património multissecular gerado pela instituição. Curiosamente, ninguém se sentia ridículo ou reaccionário a estudar lesmas, caracoletas, borboletas, algas, musgos ou lascas de pedra.
O Congresso de História da Universidade, realizado em Março de 1990 a propósito do 7º Centenário da fundação, originou cinco tomos de actas publicadas em 1991 sob o título Universidade(s). História. Memória. Perspectivas. Só o tomo três apresenta uma rubrica intitulada “Quotidiano e sociabilidade estudantil na Cidade Universitária”. Das doze comunicações transcritas, apenas uma aflora em concreto questões como a origem e evolução do hábito talar e insígnias doutorais, assunto ilustrado por alguma iconografia de apoio[32].
Por seu turno, a prestigiada Revista de História das Ideias, editada pelo Instituto de História das Ideias da Faculdade de Letras, dedicou os números 8 e 9, de 1986-1987, à temática O sagrado e o profano, o número 12, de 1990, ao tema Universidade, e o número 15, de 1993, aos Rituais e Cerimónias, com total omissão de artigos sobre as insígnias doutorais e cerimonial académico que traduzissem as últimas orientações ventiladas pela Unesco em termos de salvaguarda do património cultural[33].

Nas décadas de 1980-1990 as tradições, trajes, insígnias e cerimonial da UC gozavam de enorme prestígio na UP, na UL[34], nas jovens universidades portuguesas públicas e privadas em processo de afirmação e na maior parte das universidades brasileiras. Muitos dos institutos superiores politécnicos portugueses criados nas décadas de 1970-1980 tinham os olhos postos nas tradições da UC, tendo desencadeado processos de imitação/apropriação da festa da Queima das Fitas, das serenatas, da capa e batina, da pasta e das fitas, das cartolas de fantasia, dos anéis de curso, e transposições quase literais do “código da praxe de 1957”.
No espectro dos pedidos de informação à UC figuravam ainda solicitações de apoio técnico sobre a história e evolução do hábito talar discente para efeitos de realização de séries televisivas que integravam aspectos da vida académica. No mesmo período, nas universidades históricas italianas e espanholas lamentava-se a perda do cerimonial medieval, citando-se Coimbra como um caso único no contexto europeu continental.
As solicitações de colaboração à Casa Reitoral por parte de instituições portuguesas e brasileiras eram em número avultado, não se compreendendo a atitude de inércia investigativa patenteada pelos docentes da instituição, quando se encontravam em situação privilegiada para praticar e incentivar estudos sobre as temáticas afins[35].
Na matéria que nos ocupa, a diferença de atitudes entre a Casa Reitoral de Coimbra e a Reitoria da Universidade do Minho não podia ser mais flagrante. A um uso irresponsável ou amadorístico do património cultural, típico de Coimbra, opõe a Universidade do Minho uma atitude consciente apostada numa construção identitária integrada. Apesar de não ter conseguido resolver as crispações entre o projecto bracarense em construção e os adeptos das antigas festividades nicolinas de Guimarães, a ofensiva cultural intentada pela Universidade do Minho na década de 1990 cifra-se em resultados bastante positivos testemunhados por Henrique Barreto Nunes/Maria Helena Laranjeiro da Cunha/Nuno Pinto Bastos (coordenação), Tradições académicas de Braga, Braga, Associação Académica da Universidade do Minho, 2001, e Albertino Gonçalves, O sentido da comunidade num mundo às avessas: o imaginário grotesco nas tradições académicas de Braga, Braga, Biblioteca Pública de Braga, 2001.

No nº 15, de 1993, da Revista de História das Ideias editou Luís Reis Torgal, docente ligado ao Instituto de História das Ideias, um longo escorço intitulado “Quid petis? Os “doutoramentos na Universidade de Coimbra”, que na esteira da Aufklarung e da chamada “guerra dos lentes”[36] interpelava a legitimidade das cerimónias e insígnias, bem como a acuidade e preço das insígnias doutorais[37]. Contrariamente ao que se ofereça inferir de uma leitura apressada deste artigo, Luís Reis Torgal não enfileirava pelas visões abolicionistas clássicas. Propunha a produção de reflexões que conduzissem à simplificação de alguns aspectos do cerimonial, criticava veementemente os elevados preços praticados pela casa de confecção portuense que na altura confeccionava as insígnias doutorais em exclusividade e instava os Serviços Sociais da UC a abrirem uma oficina de manufactura de trajes e insígnias a preços mais compatíveis[38]. Enquanto não fosse implementada a oficina, recomendava-se que o Conselho Directivo de cada Faculdade encomendasse um conjunto de insígnias doutorais para uso gratuito em situações protocolares. Os esforços desenvolvidos em 1992 com vista ao lançamento de um primeiro curso de confecção de insígnias doutorais fracassaram em toda a linha, em grande parte devido à recusa da mestra bordadeira em trabalhar com matérias-primas de menor qualidade. Que projectos desta natureza eram sustentáveis viria a prová-lo a Universidade da Beira Interior ao criar na Covilhã uma oficina de manufactura de trajes docentes e insígnias[39].
O crescente desfazamento entre o legado anacrónico de uma Aufklarung tardo-burguesa à moda de Coimbra e a mudança de paradigmas culturais no mundo ocidental parece justificar o mutismo da UC perante as responsabilidades que a instituição partilhou com o Estado Novo em termos de destruição da Alta para construção da nova cidade universitária[40]. Nos anos que se seguem a 1974, a UC não funda um centro de história oral visando a recolha dos testemunhos de vida e registo do património imaterial das comunidades compulsivamente desalojadas, como não participa oficialmente em iniciativas de grande vulto como o A Velha Alta desaparecida. Álbum comemorativo das Bodas de Prata da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra, Coimbra, Almedina, 1984[41].
Quanto ao 1º Encontro sobre a Alta de Coimbra. Coimbra, 23, 24, 25 e 28 de Outubro de 1987 (Alta de Coimbra. História, arte, tradição. Actas, Coimbra, GAAC, 1988), da iniciativa do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro, a Casa Reitoral limita-se a uma comunicação lacónica, intitulada “A Universidade de Coimbra e a Alta. Presente e futuro”, onde não assume qualquer responsabilidade moral face à demolição da Alta, nem apresenta projectos de abertura da instituição à cidade ou de revitalização de patrimónios destruídos ou em perigo.
E contudo, a amnésia da UC perante a demolição do Bairro Latino[42], a deportação forçada das comunidades populares para bairros periféricos, a inevitável extinção de vivências orais como os arraiais de São João Baptista ou o desaparecimento das oficinas de passamanaria que confeccionavam artesanalmente as insígnias doutorais, levam-nos a questionar se teria sido necessário esperar pela edificação de uma consciência preservacionista escorada em iniciativas Unesco como a conferência de Washington “Avaliação mundial da recomendação de 1989 sobre a salvaguarda da cultura tradicional popular, participação e cooperação internacional” (1999), ou a “Convenção para a salvaguarda do património cultural” (2003/2006)?
A legislação novecentista portuguesa, assente numa visão estritamente monumentalista de certas tipologias de património edificado não ajudou. Mas quem estivesse atento, teria notado em 1972 a “Convenção para a protecção do património mundial, cultural e natural”, a proposta de protocolo avançado pela Bolívia sobre a necessidade de proteger o folclore (1973), a criação do “Comité de Especialistas para a salvaguarda do folclore” (1982), a “Recomendação da Unesco para a salvaguarda da cultura tradicional e popular” (1989), e o programa “Tesouros humanos vivos” (1994)[43].
Se plenamente aproveitada, a candidatura do Paço das Escolas e espaços envolventes a património imaterial da Unesco poderá constituir um momento charneira para a revitalização da confecção das insígnias doutorais, reforma e actualização do património vestimentário, criação de objectos de prestígio associados à identidade visual e relançamento de momentos cerimoniais como a formatura e os actos de mestrado.
REFERÊNCIAS
[1] Na sequência dos contactos com o MBM, a Dra. Paula Lamego propôs em inícios do Outubro de 2008 à CMVNF a afectação de verba para o restauro das insígnias e reprodução das peças do hábito talar.
[2] Referência formulada a partir do habitus cultural de instituições como a Universidade Clássica de Lisboa, a Universidade de Coimbra e a Universidade do Porto. Em Lisboa, o ISLA começou a ministrar um curso de “imagem, protocolo e organização de eventos”, nos inícios da 1ª década do século XXI, que em Março de 2009 entrou na 16ª edição. Informação presente no sítio http://www.isla.pt/isla/PosGraduacoes/ImagemProtocoloOrganizacaoEventos/25k. O plano de estudos, muito centrado na realidade empresarial e hoteleira, incluía no Módulo III a abordagem do protocolo diplomático, municipal, militar, religioso e universitário (6 horas). Uma das responsáveis, Isabel Amaral, esteve ligada ao lançamento da Associação Portuguesa de Estudos de Protocolo, fundada em 2005. Cf. http://www.apep-protocolo.com/.
Armando Luís de Carvalho Homem, docente história medieval na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, dedicou uma monografia aos trajes dos professores universitários portugueses: O Traje dos Lentes, Porto, FLUP e-dita, 2007, obra que contém alguns comentários sobre o protocolo na UP ao longo do século XX. À inércia dos investigadores da Época Contemporânea opõe-se trabalhos centrados no Antigo Regime, nomeadamente os assinados por Ana Maria Alves, Pedro de Almeida Cardim (FCSH-UNL) e José Pedro Paiva (FLUC). De referir as actas do encontro realizado em Coimbra entre 25-27 de Maio de 2001, com o título Religious Ceremonials and images. Power and social meaning (1400-1750), Coimbra, 2002 (recepção crítica por David Felismino, PENÉLOPE, Nº 27, 2002, pp. 161-181, disponível em
http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_27/27_10_leituras.pdf), o conjunto de comunicações enviadas à Revista de História das Ideias, nº 15, de 1993, cujo tema agregador foi Rituais e Cerimónias, ou a incursão de Maria G. Parani, Reconstructing the reality of images. Byzantine material culture and religious iconography (11th-15th centuries), Washington, 2003, acessível em http://books.gogle.pt/, (9.06.2009).
[3] A influência da Aufklarung burguesa no pensamento dos historiadores da Época Contemporânea continua a fazer inteligir a ostentação e os cerimoniais como meros actos de exibicionismo, e como tal desnecessários e até reprováveis. É o que parece acontecer em parte com Irene Flunser Pimentel in Cardeal Cerejeira. Fotobiografias do século XX, Lisboa, Temas & Debates, 2008. Não tem sido este o entendimento da questão nas Forças Armadas, onde os estudos relativos aos fardamentos, condecorações e insígnias ocupam um importante espaço. Veja-se, a título de exemplo, Pedro Soares Branco, Os uniformes portugueses na Guerra Peninsular, Lisboa, Tribuna, 2008.
[4] Em finais do século XX, os trajes populares mereceram alguma antenção por parte de disciplinas de Sociologia da Moda. No final da década de 1980, estilistas como Nuno Gama reintegravam na moda sazonal elementos etnográficos. Dados em Cristina Duarte, Trajes regionais. Gosto popular, cores e formas, 2007, pp. 163 e 167. No ano lectivo de 2007/2008, o Departamento de Ciências e Técnicas do Património da FLUP oferecia uma cadeira de História do Traje, a cargo de Manuel Augusto Lima Antunes.
[5] Publicada no jornal O Médico, nº 331, 1958, pp. 63-70.
[6] Ou mesmo em monografias, como aconteceu com a notável incursão às vestes cerimoniais e insígnias maçónicas. Cf. António de Oliveira Marques, Figurinos maçónicos oitocentistas. Um guia de 1841-42, Lisboa, Editorial Estampa, 1983.
[7] Informação adicional no respectivo sítio web, http://www.museudotraje-ip-museus.pt/.
[8] Terá sido o primeiro grande cortejo histórico-alegórico realizado em Portugal após o Cortejo Histórico da Tomada de Lisboa aos Mouros em 1147, encenado e recriado pelo cineasta Leitão de Barros em 1947. Inspirado nos filmes históricos de Holywood, este cortejo misturava fantasia com realidade, propondo vestes e adereços nem sempre escorados no conhecimento das épocas retratadas. A encenação exibida na Expo Sevilha de 1992 era mais sólida do que a de 1947, tendo sido apresentada em Lisboa algum tempo antes (guarda-roupa recriado por uma equipa de estilistas do Parque Mayer).
[9] A título meramente exemplificativo, Maria do Carmo Teixeira Rainho, A cidade e a moda, Brasília, Universidade de Brasília, 2002; Gilda de Mello e Sousa, O espírito das roupas. A moda no século XIX, São Paulo, Companhia das Letras, 2005; Camila Borges da Silva, A indumentária como linguagem. Cultura política no Rio de Janeiro (1808-1821), http://www.encontro2008.rj.anpuh.org/resources/content/anais/1211929416_ARQUIVO_Aindumentariacomolinguagem-culturapoliticanoRiodeJaneiro.pdf (8.09.2009), Rosane Feijão de Toledo Camargo, A moda e a cidade na reforma de Pereira Passos. Modernidade, velocidade, visibilidade e controle na Belle Époque Carioca, http://www.intercom.org/br/papers/regionais/sudeste2008/resumos/R9-0256-1.pdf (8.06.2009), Jocélio Teles dos Santos, Incorrigíveis, afeminados, desenfreiados. Indumentária e travestismo na Bahia do século XIX, Revista de Antropologia, São Paulo, Volume 40, http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttex&pi=S0034-77011997000200005 (8.06.2009).
[10] Mais informação no sítio http://www.protocolouniversitario.ua.es/associacion.jsp.
[11] Arianna Giorgi (Universidad de Murcia), «Artísticamente Moda», in Revista Electrónica de Estudios Filológicos, p. 5, disponível em http://www.um.es/tonosdigital/znum12/secciones/Moda.htm (consultado em 13.04.2009). E mais adiante, na p. 21, “Desafortunadamente, prescindiendo de una histórica aceptación de intelectuales y literatos hasta los años ochenta del siglo XX, la moda se vio apartada de los tratados y de los estúdios del património cultural, por su cariz frívolo y su asociación com la vanidad (…)”.
[12] Podendo destacar-se trabalhos levados a cabo por Daniel John Cunningham, The evolution of the graduation ceremony, Edinburgh, 1904, Joseph Wells, The Oxford degree ceremony, Oxford, The Clarendon Press, 1906, e W. Hargreaves-Mawdsley, A history of academical dress in Europe until the end of the eighteenth century, Oxford, At the Clarendon Press, 1963.
[13] Historial e links no sítio http://www.burgon.org.uk/.
[14] Instituição designada doravante pelas unciais UC.
[15] Título de uma obra bem documentada e ricamente ilustrada, da autoria de Lina Gorjão Clara e João Gorjão Clara, que se encontra esgotada, e que está na origem de projectos culturais de divulgação, salvaguarda e recuperação deste tipo de indumentária. O referido traje, nas suas versões masculina e feminina, viria também a ser adoptado pelos alunos da Escola Superior Agrária de Santarém.
[16] A omissão é fruto de desconhecimento. Também não se cita em parte alguma deste importante catálogo o trabalho de recuperação da viola toeira e da guitarra de Coimbra que estava a ser desenvolvido em oficinas locais.
[17] A necessidade de protecção do ponto de Arraiolos chegou a motivar a apresentação, na Assembleia da República, do Projecto de Lei nº 444/VIII, de 16 de Maio de 2001.
[18] Clássico reeditado em 1982, 1986 e 2000, sempre com enorme procura. O trabalho de Veiga de Oliveira tem alimentado notáveis projectos de reconstituição e registo de fontes sonoras, experiências ligadas à construção e ensino de instrumentos musicais tradicionais.
[19] Os trabalhos deste autor abriram a porta a projectos de construção e ensino da viola tradicional alentejana, então em risco de desaparecimento.
[20] Situação observada ao longo das décadas de 1980-1990, correspondendo ao reitorado de Rui de Alarcão, ao que parece transversal aos reitorados ulteriores. Exemplificando, na tomada de posse do Reitor Fernando Seabra Santos, realizada no dia 28.02.2007, encontravam-se junto à porta fundeira da Sala dos Actos Grandes o vice-presidente dos Serviços de Acção Social Escolar, e algumas assistentes sociais do quadro da instituição, sem traje, sem insígnias, e sem integração na cerimónia. Centremo-nos apenas em fotografias de 1993 relativas ao doutoramento honoris causa de Gladstone Chaves de Melo e Vergílio Ferreira, e de 2001 relativas ao honoris causa de Fernando Aguiar-Branco. Nas duas obras editadas pela Fundação Eng. António de Almeida, o cerimonial enfoca erroneamente apenas os bedéis e o guarda-mor, sendo bem visível a degradação do uniforme de gala e a irrupção de um conjunto de barbarismos como fato masculino azul-escuro, sapatos vulgares, calças compridas, meias cor de pele, gravatas pretas e ausência de luvas.
[21] Tema aprofundado nos ensaios de Hans Mayer, Les marginaux. Femmes, juifs et homosexuels dans la litérature européene, Paris, Albin Michel, 1994 (original alemão de 1975).
[22] Acompanhem-se algumas reflexões sobre a dimensão purgatória da iconoclastia em Françoise Chaudenson, À qui appartien l’oeuvre d’art?, Paris Armand Colin, 2007, pp. 99-108. Para uma visão sociológica mais clássica, siga-se Michel Vovelle, A mentalidade revolucionária. Sociedade e mentalidades na Revolução Francesa, Lisboa, Edições Salamandra, 1987. Quanto aos prolegómenos da visão contra-revolucionária, atente-se nas propostas de Robert Nisbet, O conservadorismo, Lisboa, Editorial Estampa, 1987.
[23] Para um enquadramento da ideologia conservadora, vide Robert Nisbet, O conservadorismo, Lisboa, Editorial Estampa, 1987.
[24] Tema problematizado por Fernando Catroga, Caminhos do fim da história, Coimbra, Quarteto Editora, 2003.
[25] Assunto escalpelizado no âmbito da sociologia compreensiva pósmoderna pelo sociólogo francês Michel Maffesoli em obras como L’Ombre de Dyonisos. Contribuition a une sociologie de l’orgie, Paris, Librarie des Méridiens, 1985, Du nomadisme. Vagabondages initiatiques, Paris, Librarie Générale Française, 1997, O eterno instante. O retorno do trágico nas sociedades pós-modernas, Lisboa, Instituto Jean-Piaget, 2001.
[26] Oriundo do imaginário académico convencional, em meados da década de 1950 o estudante-trabalhador José Afonso dava-se conta do profundo distanciamento entre o elitismo teórico coimbrão e a dura realidade regional da maior parte da população portuguesa. Debatendo a questão no âmbito do casamento burguês e dos fanatismos ideológicos, António Alçada Baptista propõe uma leitura semelhante. Cf. O tecido do Outono, 5ª edição, Lisboa, Editorial Presença, 2000, p. 32.
[27] Como que a corroborar a frase de Pierre Vergniaud, “A revolução é como Cronos. Ela devora os seus próprios filhos”, importaria averiguar até que ponto o terrorismo verbal conimbricense não consubstancia uma forma de provincianismo não explicitamente assumido. A sobrecarga retórica niilista é cultivada tanto pelos habitantes de Coimbra que sistematicamente criticam a “macrocefalia” da UC, como pelas elites docentes e estudantis. Num registo comparativo, este tipo de atitudes é tido por inadmissível pelas elites activas na cidade do Porto. Boaventura de Sousa Santos, da Faculdade de Economia da UC, questionou o desencantamento e a falta de auto-estima das elites coimbrãs numa crónica publicada em 2001 com o título “A morte de Coimbra”, ulteriormente inserta na obra A cor do tempo quando foge. Crónicas. 1985-2000, Porto, Afrontamento, 2001. O assunto é também aflorado (sem que dele se extraiam todas as consequências filosóficas) por Aníbal Frias e Paulo Peixoto no texto Representação imaginária da cidade. Processos de racionalização e de estetização do património urbano de Coimbra, 2001, disponível em http://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/183/183pdf (consultado em 13.04.2009).
[28] Alojado no sítio web da Universidade de Bolonha desde 2004, dados disponíveis em http://www.archiviostorico.unibo.it/museostud/default.asp?IDFolder=140&LN=IT.
[29] Fundado por Roberto Martinez del Rio em 11 de Março de 2008, um ano mais tarde tinha recebido milhares de visitantes virtuais de todo o mundo. Infomações e acervo no sítio http://www.museodelestudante.com/.
[30] AMN, António José Soares (1916-2002). Notas sobre um estudioso…, editado no Blog Guitarra de Coimbra I, de 24.04.2005, http://guitarradecoimbra.blogspot.com/2005/047perfil-biogrfico-do-dr.html.
[31] A assunção oficial do potencial contido no património simbólico da UC só viria a acontecer pela primeira vez em plena crise de matrículas e de financiamento do ensino superior, no reitorado de Fernando Seabra Santos. Este prelado foi eleito para um primeiro mandato em 20.01.2003, seguindo-se a investidura no dia 12.02.2003. Cumpriria um segundo mandato, com eleição em 15.01.2007 e posse no dia 28.02.2007. É no decurso do primeiro reitorado que começam a surgir no sítio web da UC e na imprensa periódica portuguesa mensagens culturais valorativas da multissecularidade da instituição, dos trajes, actividades extracurriculares distintivas, festividades e rituais. Fernando Seabra Santos é assim o primeiro reitor a adoptar uma gestão integrada do património cultural universitário, distanciando-se da visão muito pobre e incipiente que após 1910 tinha centrado as atenções na revitalização dos doutoramentos. A esta viragem não será totalmente alheia a formação “etnográfica” colhida pelo Reitor nos anos em que foi membro do Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra?
[32] AMN, “Subsídio para o estudo genético-evolutivo do Hábito Talar na Universidade de Coimbra”, in Universidade(s)… Actas 3, Coimbra, 1991, pp. 399-419.
[33] Junte-se à bibliografia citada o artigo de Boaventura Sousa Santos, “Coimbra: prioridade à cultura. Condições e meios da produção cultural. Teses para uma universidade pautada pela ciência pós-moderna”, Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 27/28, Junho de 1991, pp. 50-59. No final do artigo/ensaio, o autor alude à necessidade de reencantamento da instituição, não mencionando os contributos e desafios lançados pela Unesco em termos de salvaguarda do património e sua reutilização. Excluindo a promoção de doutoramentos honoris causa, solução que menos desafios patrimoniais mobiliza, a Faculdade de Economia não promoveu nas décadas de 1980/1990 estudos no âmbito da divulgação/salvaguarda do património oral e imaterial da UC.
[34] Em Lisboa, ao longo do século XX, predominaria junto do professorado e dos estudantes de direita e de esquerda uma visão cliché do estudante de Coimbra como um filho-família endinheirado, reaccionário, provinciano, elitista, ocioso e inimputável. Após 1974 a maior parte das instituições lisboetas de ensino superior seguiria o fenómeno nacional de imitação e apropriação das tradições académicas conimbricenses, num período de massificação do ensino superior marcado pela ascensão dos filhos do campesinato, emigrantes e pequena burguesia.
[35] Para a compreensão das atitudes referidas, sigam-se os contributos de Allan Bloom, A cultura inculta. Ensaio sobre o declínio da cultura geral. De como a educação superior vem defraudando a democracia e empobrecendo os espíritos dos estudantes de hoje, Mem Martins, Europa América, 1989, Wolf Lepenies, Ascensão e declínio dos intelectuais na Europa, Lisboa, Edições 70,1995, ou a desmontagem neurológica do mito do pensamento racional por António Damásio, O erro de Descartes. Emoção, razão e cérebro humano, 20ª edição, Mem Martins, Europa América, 2000.
[36] Mais dados em Dulce Neto, “Borla e capelo são sinónimos de sabedoria? As lutas praxistas dos lentes da Universidade”, Jornal de Coimbra, 7 de Junho de 1989, pp. 12-13. A contestação à cerimónia de imposição de insígnias e aos elevados preços envolvidos, o confronto entre doutoramento administrativo e colação do grau e a questão dos assentos nos doutorais da Sala dos Capelos eram questões alimentadas pelo “grupo de Letras”, que contava com os docentes Luís Reis Torgal, Amadeu Carvalho Homem, Carlos Reis e José Barata.
[37] Luís Reis Torgal, “Quid petis? Os doutoramentos na Universidade de Coimbra”, Revista de História das Ideias, nº 15, 1993, pp. 177-316.
[38] Algumas das observações formuladas por Luís Reis Torgal eram bastante pertinentes. Por alturas de 1990-1993 a borla e capelo, confeccionada apenas numa casa de artigos funerários do Porto (Carvalho & Irmão, à Rua dos Caldeireiros) rondava os 500.000$00. Este valor era contestado, mas tratava-se de uma artigo de luxo cujos preços eram semelhantes aos praticados na casaca dos toureiros, no traje de luces dos bandarilheiros, nas colchas de Castelo Branco e nos tapetes de Arraiolos certificados. Já os quase 90.000$00 pagos pelo hábito talar nas alfaiatarias locais eram exorbitantes e injustificados. Na mesma altura e nas mesmas alfaiatarias, trajes profissionais esteticamente superiores à veste docente como a toga de advogado e a beca de magistrado eram bem mais acessíveis. Uma boa toga custava 25.000$00 e a beca de corpo duplo não mais que 50.000$00. Abusando de uma veste simples, cuja dignidade é a atribuível ao pequeno uniforme, que tem como peças nucleares uma capa singela e uma casaca, os alfaiates acabavam por incluir acessórios como a saia ou as calças compridas, meias, camisa e gravata (a gravata não integra o hábito docente), atingindo o conjunto um preço exorbitante. O abuso estendia-se ao preço dos tecidos empregues, que nunca incluíam cetim ou seda.
[39] A partir de 1997, a toga, barretina e insígnias foram confeccionadas no Ateliê Têxtil da UBI pela costureira Lucinda Matias. Notícia de Ana Camboa, “Trajados a rigor” (2009), http://www.urbi.ubi.pt/_urbi/pagina.php?codigo=6132.
[40] Responsabilidade que não deve confundir-se com os processos de culturalismo e estetização estudados por Aníbal Frias, «Patrimonialização» da Alta e da Praxe académica de Coimbra, disponível no endereço http://www.aps.pt/cms/docs_prv/docs/DPR462de01a41f32_1.PDF (acedido em 14.04.2009).
[41] A Casa Reitoral, no reitorado de Rui de Alarcão, tinha exemplares deste álbum fotográfico em reserva para oferta a visitantes. A ausência de sensibilidade da UC perante o direito à memória dos deportados da Alta não foi critério de aplicação geral. Em relação à memória da Revolução de 25 de Abril de 1974, o Reitor Rui de Alarcão assinou em 1984 um despacho que deu origem ao Centro de Documentação 25 de Abril, organismo exemplar que em 1990 lançou o notável projecto História Oral [do 25 de Abril]. Cf. Maria Natércia Coimbra, “O arquivo de história oral no Centro de Documentação 25 de Abril na Universidade de Coimbra. Entrevistas: conceito, natureza e direitos de uso e divulgação envolvidos”, Coimbra, Revista de História das Ideias Nº 17, 1995, pp. 513-526; idem, http://www1.ci.uc.pt/cd25a/wikka.php?wakka=HomePage.
[42] Assunto desvelado por Nuno Rosmaninho Rolo, O princípio de uma “revolução urbanística no Estado Novo. Os primeiros programas da cidade universitária de Coimbra (1934-1940), Coimbra, Minerva, 1996; idem, O poder da arte. O Estado Novo e a Cidade Universitária de Coimbra, Coimbra, Imprensa da Universidade, 2006 (súmula da tese de doutoramento).
[43] Mais informação na rubrica da UNESCO “Qu’est-ce que le patrimoine culturel immatériel?”, http://www.unesco.org/culture/ich/index.php?pg=2002 (consultado em 12.12.2008). Idem, “Bref histoire de la Convention pour la saufgarde du patrimoine immatériel” (2003); ibidem, “Domaines du patrimoine immatériel selon la Convention de 2003”. As novas dimensões do conceito de património não cessam de grangear unanimismos e oportunismos. Retratando a visão francesa, veja-se o discurso produzido por Vincent Veschambre, da Université d’Angers, Le processus de patrimonialisation: revalorisations, appropriation et marquage de l’espace, http://www.cafe-geo.net/article.php3id_article=1180. Sobre as fragilidades da naturalização deste discurso em Portugal, leia-se Manuel João Ramos, Breve nota sobre a introdução da expressão «património intangível» em Portugal, http://iscte.pt/~mjsr/docs/Manuel%20Ramos%-%Nota% (acedido em 8.04.2009).