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sábado, 25 de julho de 2009

Alguns trajos portugueses de 1836


Camponeses da Ilha do Pico
A gravura limita-se a enunciar "peasants of the western islands". A indumentária feminina, o pote de cedro com as suas quatro aduelas e o trajo masculino levam-nos a colocar como hipótese forte um registo na zona ocidental de Ilha do Pico (concelho da Madalena) pelos idos de 1836.
Com efeito, o camponês enverga um dos trajos de trabalho mais típicos da ilha, anterior à influência das modas vindas dos EUA: as medievais albarcas de couro, as meias de lã e as polainas, a camisa grosseira de linho e o histórico conjunto de baeta castanha à base de calções, colete de trespasse, jaleco (não confundir com o casaco de baeta à moda de São Jorge, muito usado até à década de 1960) e a carapuça de quartos. Da última, avistada ainda em finais da década de 1960, se dirá que comportava virola em torno do crânio e era talhada em quatro panos triangulares que se cosiam com as costuras voltadas para fora.
O referido trajo corresponde quase ipsis verbis à descrição dos irmãos Joseph e Henry Bullar que em 1838 visitaram diversas ilhas açorianas. A propósito da estadia na cidade da Horta e por se falar nos camponeses da Ilha do Pico que diariamente atravessavam o canal e iam vender lenha, queijos, frutas, pão, carvão e vinhos, os Bullar frisam que os picarotos eram alvo da chacota dos faialenses por se apresentarem vestidos com albarcas de couro, muitas vezes descalços, polainas e trajo de baeta grosseira em tom castanho-avermelhado: colete, calções e jaleco. (Joseph e Henry Bullar, Um inverno nos Açores e um verão no Vale das Furnas, 2.ª edição, Ponta Delgada, ICPD, 1986, pp. 177-178). Outro elemento etnográfico que não engana na gravura é o clássico alvião dos cavadores, com bico pontiagudo, alfaia arcaica que ajudou a fazer os vinhedos que se tornariam património mundial.


Vendedores de rocas e vassouras
É possível que a gravura de 1836 tenha sido registada em Lisboa. Ao longo de todo o século XIX, a figura do vendedor de rocas, colheres de pau e palitos andará associada aos fabricantes e vendores do Lorvão que por vezes percorriam longas distâncias para apregoar e vender os seus produtos.


Camponeses da Beira Litoral
Registo de 1836 de casal de camponeses da orla marítima, possivelmente Ovar. Destaque para o chapeirão masculino de tecido ou feltro preto com copa piramidal, oito pompons e quatro presilhas a ligar as abas ao rebordo superior da copa. Uma variante deste extraordinário chapéu existe em réplica no Museu de Ovar. Salvo melhor opinião, parece tratar-se de uma apropriação popular do chapéu puritano europeu do século XVII, de que chegou a haver uma versão de gala usada pelos vereadores da Câmara de Hamburgo.


Camponeses da Beira Litoral
Casal de camponeses registado em 1836 com indumentária característica dos espaços litorâneos situados entre Mira e Ovar, com ocorrências na região de Coimbra.
Pormenor curioso, ambos estão calçados, situação que não se pode considerar comum no mundo rural e piscatório da época.
O chapeirão de tecido ou feltro, com amplas abas, copa semi-esférica e os jogos de oito pompons e quatro presilhas, versões masculina e feminina, foi usado em Coimbra, Mira, Ílhavo, Ovar e Murtosa. Em Ovar, a versão feminina atingiria a sua expressão máxima em termos de dimensão. A versão masculina do chapéu é conhecida com variantes em povoados da Estremadura portuguesa (copa troncónica e fundo plano) e em Salamanca. Estas coberturas de cabeça poderão parecer bizarras, mas se as compararmos com os chapéus de gala dos cardeais e bispos (galeros de borlas), as diferenças são pouco significativas.
Quanto ao resto, merecem destaque o mantéu de ombros, quiçá saia de ombros, na figura feminina, e as anáguas ou saio-calção de linho exibido pelo par masculino.


Desembargadores com becas
De acordo com a legenda de 1836, os figurados são juizes desembargadores de tribunal superior.
A acreditar no testemunho do aguarelista, só poderão ser desembargadores da então jovem Relação de Lisboa e não do Supremo Tribunal, uma vez que os conselheiros estavam obrigados ao porte de capa talar sobre a beca.
Neste caso são bem visíveis a beca talar de dois corpos sobrepostos, os calções e meias altas, os sapatos de fivela, o plastron, o chapéu forrado de tecido preto, a vara branca e a peruca. Poucos anos depois, por dipoma de 1841, o plastron foi substituído pela volta branca, peça que em Coimbra muito irritava os estudantes adeptos da laicização do ensino.


Mulheres com capote
Nesta gravura de 1836, possivelmente registada em Lisboa, o autor pormenoriza "usual female attire in Portugal". Ou seja, na década de 1830 os capotes, mantéus e mantilhas continuavam a ser os trajes mais expressivos usados pelas mulheres das cidades, vilas e aldeias para deslocações aos mercados, feiras, procissões, baptizados, casamentos, funerais e romarias.
Na Lisboa do primeiro terço do século XIX, o tapa-tudo mais apreciado pelas mulheres do povo e da burguesia foi um capote comprido servido de mangas que se deitava sobre a roupa, conhecido por "josezinho".
O modelo de capote aqui desenhado, com romeira em torno dos ombros, foi usado em quase todo o Portugal oitocentista, inclusivé por homens, em preto, castanho e azul-escuro. Valerá a pena lembrar que existia uma capa eclesiástica de inverno de feitio idêntico? A completar, o indispensável lenço branco, fixado sobre um alto pente de tartaruga. Estamos ainda em fase anterior ao advento dos xailes e o capote com lenço eram a alternativa mais comum ao mantéu e à mantilha, a última conhecida e criticada por exibir sobre os ombros das portadoras avantajados capelos, biocos e cocas armadas com barbas de baleia.


Trajes de vereador à antiga portuguesa
Nesta agurela são documentados dois tipos de trajes de vereadores que se usaram até 1910 em Portugal continental, ilhas atlânticas, Brasil e antigos domínios de África:
-traje de gala de vereador, sucessivamente actualizado desde o século XVI, que chegou a 1910 composto por colete branco bordado, casaca preta napoleónica, calções pretos, meias brancas de seda, sapatos pretos de couro ornados de fivela de prata, camisa branca, plastron, chapéu preto ornado de plumas e mantéu pela meia perna com forro de cetim branco. As insígnias eram o espadim e a vara com 1,70m, a que se adicionou após 1833 uma faixa azul e branca;
-traje de luto pesado, integralmente preto (excepto o plastron branco), composto por casaca, colete, calções, luvas, meias altas, sapatos de fivela, capa preta talar, vara integralmente preta e chapeirão preto com fumos pendentes. O referido trajo foi usado em todos os municípios em exéquias solenes e muito particularmente na cerimónia da quebra dos escudos por morte dos monarcas portugueses, se não erramos feita pela última vez por morte de D. Pedro V.
(conjunto de aguarelas integradas na brochura "Pituresque review of the costume of the portuguese", 1836, de que existe versão completa na Biblioteca Nacional, http://purl.pt/13864/2/P33)


Estudantes de Coimbra em Espanha
De acordo com a legenda identificativa do Museo Internacional del Estudiante, a gravura reporta-se a uma digressão de tunos de Coimbra a Madrid no ano de 1891.
Relativamente às férias da Páscoa de 1891 temos notícia de um grupo de sócios da Estudantina de Coimbra se ter deslocado a Salamanca, cidade onde actuou. É possível que a mesma formação tenha seguido de Salamanca para Madrid.
De destacar nesta gravura de época os dois tunos em grande plano, com calça comprida, casaca fechada, laçarote de tunante no ombro, um com o gorro comprido, outro com barretina de cadete (dita "tacho"), idêntica à que se usou em alguns liceus portugueses e academias militares. Seria certamento do conhecimento dos estudantes de Coimbra que esta barretina era o chapéu de gala dos estudantes das universidades germânicas. Pouco antes, o Grupo Boémia Nova, a que pertenciam os literatos Vasco da Rocha e Castro, Agostinho de Campos, Alberto de Oliveira, António Nobre e António Homem de Melo (Toy) fizera-se fotografar em 1889, com Alberto de Oliveira e Toy a exibirem o mesmo tipo de barretinas.


Préstito doutoral
Nesta gravura de ca. 1885 sugere-se uma reconstituição do préstito equestre que antecedia em Salamanca a investidura do grau de doutor, cerimónia correntemente designada em Coimbra por "capelo". Avistam-se alguns elementos clássicos do passeio doutoral como a charamela montada e os doutores. Pormenor importante, o artista omite os imprescindíveis bedeis logo adiante do corpo docente. Notam-se diversas incongruências cronológicas como o traje napoleónico dos tunos, cabeleiras postiças caídas em desuso desde a guerra peninsular e a toga e o barrete dos doutores conforme modelo instituído pelo governo central de Madrid em 1850.
Seja como for, o doutoramento salmantiense era a cerimónia universitária ibérica mais aparatosa que se conhece, com solenidade religiosa na catedral, cortejo equestre na via pública, acto nas Escolas Maiores, tourada de gala, refeição, distribuição de prendas e "victor". Tal como em Coimbra avistam-se colchas nas janelas e varandas. Em 1885, data da realização da gravura, pouco restava da memória visual dos antigos doutoramentos. Por diploma de 2 de Janeiro de 1752 o rei Fernando VI ordenara a simplificação do cerimonial de doutoramento no que respeita aos gastos, passeio público, banquete e tourada.
Outras universidades ocidentais estavam em vias de trilhar o mesmo receituário de retirada da via pública imposto a Salamanca. Assim aconteceria com as universidades francesas e italianas. Em Coimbra, a partir de 1834 deixa de realizar-se a grande parada equestre entre o Paço das Escolas maiores e o Mosteiro de Santa Cruz, seguindo-se na segunda metade do século XIX um confinamento intra-muros (Pátio das Escolas/Sala dos Actos), com anos de completa desarticulação após 1910 e após 1974.
Algumas notas de reflexão a propósito: o confinamento do cerimonial académico foi um fenómeno europeu continental, sem correspondência nas universidades britânicas; a cultura de repressão cerimonial imposta às universidades históricas nunca foi secundada por idênticas práticas a nível da propaganda política, da afirmação da identidade visual e emotiva dos grandes clubes de futebol, da prática e consagração dos atletas olímpicos, das confrarias gastronómicas e vinícolas ou da distribuição de prémios a figuras do mundo do cinema, música, desporto e economia; contrariando o discurso abolicionista e repressivo, a era pós queda do Muro de Berlim festejou a explosão do património cultural e imaterial e os projectos de animação de espaços desertificados nos centros urbanos.
(gravura do acervo do Museo Internacional del Estudiante)


Cultura académica
Santo com hábito talar e borla e capelo de modelo rocaille conimbricense. Santo e templo não identificados. Imagem divulgada no endereço http://jansenista.blogspot.com/2009_05_01_archive.html.

sexta-feira, 24 de julho de 2009


Docentes de Leipzig
Grupo de lentes da U. de Leipzig, numa gravura de 1809, com casaca/calção/meia alta/sapato de fivela, e túnica preta talar/capelo guarnecido de arminhos e chapéu armado e forrado de brocado ou damasco.
A túnica, capelo e chapéu são semelhantes ao conjunto vestimentário e insigniário da U. de Viena. A mesma tipologia de chapéu terá sido partilhada com Colónia e Helmstadt. Relativamente a Portugal, há que não perder de vista as semelhanças entre o chapéu académico redondo alemão/austríaco e o chapéu judiciário de gala que foi usado pelos juízes e magistrados do MP até 1910.


Reitor de Halle
Retrato de Ernest von Dobschutz (1870-1934), com as vestes e insígnias da U. de Halle, fotografado em 1922. O manto reitoral não é muito comum nas universidades ocidentais, ocorrendo com mais frequência na Finlândia.


Retrato do reitor Dietmayr
Retrato de corpo inteiro do reitor da U. de Viena, abade Berthold Dietmayr, figurado segundo os cânones barrocos setecentistas, com vestes eclesiásticas (capa e túnica), barrete e capelo dos doutores em seda lavrada e orlada de arminhos.

quinta-feira, 23 de julho de 2009


Chapéu cerimonial tibetano dos dirigentes (monges e jurisconsultos), ornado de franja de seda, pega superior e tiras de borlas. O ar de familiaridade com a borla doutoral conimbricense não pode ser tido por mera coincidência.


Chapéu tibetano com aba preta revirada, copa calótica em seda e pega superior central


Chapéu de monge budista tibetano


Chapéu de monge tibetano
Peça do século XVII, Metropolitan Museum of Art



Chapéu de mandarim


Mandarim
Traje cerimonial e chapéu cónico ornado de franja, pega e trança