sábado, 25 de julho de 2009


Préstito doutoral
Nesta gravura de ca. 1885 sugere-se uma reconstituição do préstito equestre que antecedia em Salamanca a investidura do grau de doutor, cerimónia correntemente designada em Coimbra por "capelo". Avistam-se alguns elementos clássicos do passeio doutoral como a charamela montada e os doutores. Pormenor importante, o artista omite os imprescindíveis bedeis logo adiante do corpo docente. Notam-se diversas incongruências cronológicas como o traje napoleónico dos tunos, cabeleiras postiças caídas em desuso desde a guerra peninsular e a toga e o barrete dos doutores conforme modelo instituído pelo governo central de Madrid em 1850.
Seja como for, o doutoramento salmantiense era a cerimónia universitária ibérica mais aparatosa que se conhece, com solenidade religiosa na catedral, cortejo equestre na via pública, acto nas Escolas Maiores, tourada de gala, refeição, distribuição de prendas e "victor". Tal como em Coimbra avistam-se colchas nas janelas e varandas. Em 1885, data da realização da gravura, pouco restava da memória visual dos antigos doutoramentos. Por diploma de 2 de Janeiro de 1752 o rei Fernando VI ordenara a simplificação do cerimonial de doutoramento no que respeita aos gastos, passeio público, banquete e tourada.
Outras universidades ocidentais estavam em vias de trilhar o mesmo receituário de retirada da via pública imposto a Salamanca. Assim aconteceria com as universidades francesas e italianas. Em Coimbra, a partir de 1834 deixa de realizar-se a grande parada equestre entre o Paço das Escolas maiores e o Mosteiro de Santa Cruz, seguindo-se na segunda metade do século XIX um confinamento intra-muros (Pátio das Escolas/Sala dos Actos), com anos de completa desarticulação após 1910 e após 1974.
Algumas notas de reflexão a propósito: o confinamento do cerimonial académico foi um fenómeno europeu continental, sem correspondência nas universidades britânicas; a cultura de repressão cerimonial imposta às universidades históricas nunca foi secundada por idênticas práticas a nível da propaganda política, da afirmação da identidade visual e emotiva dos grandes clubes de futebol, da prática e consagração dos atletas olímpicos, das confrarias gastronómicas e vinícolas ou da distribuição de prémios a figuras do mundo do cinema, música, desporto e economia; contrariando o discurso abolicionista e repressivo, a era pós queda do Muro de Berlim festejou a explosão do património cultural e imaterial e os projectos de animação de espaços desertificados nos centros urbanos.
(gravura do acervo do Museo Internacional del Estudiante)

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