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sábado, 15 de novembro de 2008


Gand retoma a formatura
O processo de Bolonha mexeu profundamente com as universidades clássicas. A necessidade de sobreviência e a utilização de um marketing aguerrido e eficaz do ponto de vista da promoção da imagem, da acreditação pública dos diplomas e da enfatização de especificidades reais ou fictas fez retomar cerimónias perdidas e inventar outras.
Na Universidade de Gand, Bélgica, a cerimónia de formatura de bacharéis e licenciados estava esquecida desde os idos da Segunda Guerra Mundial. Gand é a primeira a experimentar o retorno da formatura, ao que parece não de acordo com o cerimonial académico europeu. No corrente ano, colhendo os exemplos da Sorbonne, de univerisidades alemães, italianas, asiáticas e norte-americanas, o Reitor Paul van Cauwenberghe liderou o projeto de retoma da formatura. Em meados de 2008 a Universidade de Gand encomendou mil togas, não especificando a notícia se de modelo belga ou norte-americano. Em 1 de Julho, o curso de medicina dentária de Gand realizou a primeira formatura do pós-guerra, com entrega de diplomas e lançamento do barrete à americana.

Estudantes germânicos


Estudantes de Bona (1)
Participação de uma legação de estudantes da Universidade de Bona nos festejos de etronização do Bispo de Trèves, em Maio de 1922.


Estudantes de Bona (2)
Parada dos estudantes de Bona em Trèves, Maio de 1922, com grande uniforme militar, faixa, barretina de gala, bandeiras e espadas.


Estudantes de Bona (3)
Desfile de aparato dos académicos da Universidade de Bona na festa de entronização do Bispo de Trèves, em 17 de Maio de 1922.


Boné germânico (1)
Boné verde de uma agremiação académica da Universidade de Heidelberga num bilhete postal ilustado de 1906. Os estudantes de Coimbra conheciam muito bem o boné prussiano, pois esta peça de vestuário fizera parte da sua farda enquanto membros do Batalhão Académico que nos Açores e em Portugal continental combateu ao lado do exército de D. Pedro IV (1828-1833). Após a desmobilização, os estudantes não popularizaram em Coimbra o boné prussiano, tendo permanecido arreigados ao gorro ibérico dos alunos pobres. Pelo mesmo caminho andaram os liceus, escolas agrícolas, escolas politécnicas e escolas comerciais e industriais portuguesas fundadas no curso do século XIX.
Ao longo do século XIX, à medida que as vozes dos lentes e dos estudantes de Coimbra foram subindo de tom na reclamação da abolição da capa e batina, momentos houve em que o uniforme militar pareceu ganhar partidários, enquanto via alternativa. A memória positiva da participação dos escolares nos batalhões académicos e o favor tributado ao grande uniforme napoleónico em todo o Ocidente pareciam ditar um futuro risonho às fardas militares na Universidade de Coimbra.
O decreto regulamentar de 25 de Novembro de 1839 que instituiu polícia académica em substituição do antigo foro privativo, não se limitava a confirmar o porte do traje talar para os estudantes e lentes, a legitimidade policiadora do corpo de archeiros, o poder disciplinar do Conselho de Decanos, o cárcere académico e as penas de expulsão temporária e definitiva.
Na realidade, este dipoma ia mais longe, declarando expressamente que os alunos militares pudessem frequentar as aulas, actos e cerimónias com farda militar. Ou seja, as fardas militares não eram consideradas traje académico, mas podiam ser usadas pelos alunos com estatuto militar em pé de igualdade com a capa e batina, sendo mesmo permitido aos quintanistas o porte de pasta de luxo com fitas de seda.
Esta abertura ao imaginário militar procurava de alguma forma aproximar a Universidade de Coimbra dos uniformes militares em moda nas associações de estudantes germano-austríacas e em instituições francesas como as escolas politécnicas, escolas de artes e ofícios e academias científicas e literárias. Era também uma manobra de distração ofertada aos acerados críticos do cerimonial, vestes e insígnias conimbricenses, sistematicamente acusadas de obscurantismo e jesuitismo. E, acrescentamos nós, era uma forma relativamente eficaz de o legislador calar os descontentes que, bem informados, sabiam que o governo central de Madrid abolira em 1834 a antiga loba e mantéu dos alunos espanhóis.
As críticas, formuladas a quente e em tom empolado devem ser devidamente matizadas, pois nem a generalidade dos estudantes universitários europeus e norte-americanos da época caminhavam para o abolicionismo de vestes e insígnias, nem o cerimonial e fardas de gala militares eram menos complexas do que o cerimonial universitário, católico ou monárquico.
No momento do abolicionismo, nem a Academia de Coimbra aderiu de forma generalizada à supressão do traje, nem as soluções individuais e colectivas foram ao encontro das fardas militares. A capa encontrava-se mitificada pelo dicurso poético e literário romântico, e pelo folclore conimbricense, sendo praticamente impossível contorná-la. Além do mais, sem traje, repontavam os tradicionalistas, não se podiam exercer os rituais praxísticos. O próprio Eça de Queirós, na rememoração da liderança contestatária e heróica de Antero de Quental, não deixara de o associar à capa no adro da Sé Nova.
E, a pesar mais do que o romantismo e os afectos estava a cultura tradicional académica, elitista e xenófoba em relação ao corpo de polícia cívica (fundada em 1867) e aos contigentes militares que haviam cercado a Universidade durante a Greve Académica de 1907. Vociferando contra o controlo disciplinar praticado pelos archeiros e o pelo Conselho de Decanos, os estudantes perceberam logo em Outubro de 1910 que a abolição do regulamento disciplinar interno e da cadeia académica significava a sua entrega à polícia cívica, ou ao exército (caso fossem estudantes militares). E não gostaram do desfecho.
A tradição académica conimbricense não era benévola para com os corpos policiais, colocando o caloiro abaixo de cão mas acima de polícia. Rivalidades corporativas e uma relação baseada na hostilidade crescente conduziriam, em 1913, um grupúsculo de estudantes a roubar um boné a um polícia no Teatro Avenida. O conflito, conhecido por "Olha o Boné" (facécia ainda lembrada na década de 1980), levou a que entre 1913 e os finais da década de 1940 o dia do roubo, 27 de Maio, fosse decretado "feriado" e celebrado com a grande parada alegórica do cortejo da Queima das Fitas.
O boné de pala viria a ser usado em Portugal por grupos profissionais sem qualquer ligação ao mundo escolar: oficiais da marinha, forças policiais civis, aguadeiros galegos, padeiros citadinos, tipógrafos, empregados de oficinas metalúrgicas, moços de fretes, maquinistas e fogueiros de combóios, carregadores de gares ferroviárias, carteiros, porteiros e chauffeurs. A nobreza passou-lhe ao lado, bem como a alta burguesia de coco e cartola, e o mesmo aconteceu com o povo português em cujas indumentárias regionais permaneceram até tarde os chapéus de feltro e de palha, os gorros e as carapuças.
Quanto à barretina redonda, de tipo islâmico, popularizada na Europa por academias de cadetes e pelos veteranos universitários alemães, austríacos e suiços ligados a clubes de esgrima, entre as décadas de 1890-1920 foi possível avistá-la em alunos e alunas do Liceu de Évora, liceus do Porto, liceus de Lisboa e Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. E em Coimbra? O antigo gorro era bem pouco usado no século XIX. Para a 1ª metade da década de 1880, Trindade Coelho informa nas suas memórias que o antigo gorro tubular preto convivia amistosamente com um boné preto (de pala dianteira rígida?). Em 1889, António Nobre, de cabeça descoberta, fez-se fotografar ao lado de Alberto de Oliveira e António Homem de Melo, os dois últimos com barretinas de tipo "fez" ou cadete. Numa crónica de 15/10/1898, "O Conimbricese" informava em tom crítico que o antigo gorro era usado em pé igualdade com gorros curtos e bóinas de tecido azul. Quase nas vésperas do abolicionismo, o edital reitoral de 21/09/1907, procurava suster o uso de coberturas de cabeça que não respeitassem a configuração e cor do velho gorro.


Boné germânico (2)
Representação do boné azul dos estudantes tradicionalistas de Heildelberga, com a típica copa redonda descaída sobre a pala, num postal ilustrado de 1906. Esta variante do boné militar também foi usada pelos estudantes franceses das escolas de artes e ofícios e pelos estudantes universitários suiços.


Boné estudantil (3)
Este postal ilustrado, editado em 1906, celebra o boné académico carmezim dos alunos de Heidelberga.


Acolhimento de um estudante
Ritual de acolhimento de um novo sócio numa agremiação académica germânica. Gravura sobre madeira, século XIX.


Bismark em Gottingen
Perfil de Bismarck na sua passagem por Gottingen em 1832-1833.


Estudante cicatrizado
Esgrimista académico alemão num postal-caricatura de inícios do século XX. O desenho associa à imagem do duelista os signos de representação comuns aos estudantes de Heidelberga, Berlim, Paris e Coimbra (lunetas, cigarrilha), sem olvidar a remissão para elementos específicos da mitologia académica germanista (faixa peitoral, boné prussiano de pala, cicatrizes faciais).


Estudante de Iena
Gravura oitocetista das colecções do Museo Internacional del Estudiante, documenta um académico com o traje militar de aparato adoptado pelas agremiações alemães, austríacas e suiças.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Estudante de agronomia
Fotografia de Walter Luyken, estudante alemão de agronomia, com anotação autógrafa de 1928/1929, esgrimista e sócio da corporação de estudantes de Bona. Traje militar de aparato comum às agremiações estudantis da Áustria e da Suiça. O barrete de luxo, é agaloado a ouro na ilharga e na copa, sendo reservado aos veteranos.


Associação de estudantes judeus
Membros de uma associação de estudantes judeus, Alemanha, fotografados em 1907. Procurando responder à pressão desencadeada pelos clubes de esgrima de estudantes germânicos, os académicos de descendência judaica fundaram a sua primeira associação em Breslau no ano de 1886. O traje adaoptado é o de cadete, a que não falta a barretina redonda que se vinha a usar das academias de cadetes da Grã-Bretanha desde 1859. Este barrete, de origem islâmica, foi também usado por alunos dos liceus de Lisboa, Porto e Évora.

Cantos goliardos
Gemalde Muhlerberg pintou em 1900 uma sequência de momentos da vida estudantil alemã. Neste caso específico, o autor centra as atenções num momento de ingestão de cerveja e de interpretação de canções goliardas, um costume medieval comum à maior parte das comunidades estudantis e ao imaginário de taberna (Commercium Song, http://en.wikipedia.org/wiki/Commercium_songs).


Sessão de esgrima
"Auf die mensur", um duelo de estudantes alemães, quadro de Gemalde Muhlerberg, 1900.


Divertimento académico
divertimento de estudantes germânicos, num registo da década de 1820, onde são figuradas libações e perfurações de bonés.

Duelo estudantil
Os treinos de esgrima e as lutas estudantis entre clubes eram das actividades físicas preferidas pelos estudantes universitários alemães que não raro exibiam orgulhosamente o rosto pejado de fundas cicatrizes. Interditados pelo regime nazi, os duelos académicos continuam a ser praticados em clubes restritos.
Na Universidade de Uppsala também existiram grandes aficionados da arte da esgrima. Na Univerisdade de Coimbra, ao longo do século XIX foram episodicamente abertos diversos salões de esgrima. Ficaram célebres duelos protagonizados por antigos estudantes de Coimbra como Antero de Quental, Alexandre de Albuquerque e Afonso Costa que nos arredores do Parlamento exibiu em diferentes momentos os seus dotes.
"Sabelmensur" é o título de uma pintura realizada em 1900 por Gemalde von Georg Muhlberg.


O dia do exame
Representação (ou recriação fantasiada?) de um acto numa universidade alemã, 1888, apresentando-se o candidato em veste civil (gravura do Museo Internacional del Estudiante).

Regresso dos estudantes
Celebração do aniversário da guerra da independência, registando a gravura o momento do regresso dos estudantes da Universidade de Berlim, 1863. Nas décadas de 1850-1860, à espada e ao boné junta-se a faixa peitoral que ainda hoje permanece em uso nos académicos dos países escandinavos (iconografia do Museo Internacional del Estudiante)


Cortejo na Universidade de Berlim
Cortejo comemorativo do grande jubileu da Univerisidade de Berlim, em 1860, com representações de estudantes e docentes (gravura de época obtida a partir do acervo do Museo Internacional del Estudiante)

Estudante alemão
Registo fotográfico da década de 1890 (?), fixa um estudante em fato masculino civil, com a inseparável espada o boné (schulermutzen).
(imagem do Museu Internacional del Estudiante, http://www.museodelestudiante.com/)


Alunos germânicos
Estudantes germânicos com os bonés, motivo de capa da obra impressa "Allgemeines Deutsches Kommersbuchs", 1858, uma colectânea de canções goliardas.


Estudantes germânicos
Diaporama de elementos vestimentários usados por estudantes germânicos entre o século XVIII e 1887. Gravura alemã obtida a partir de exemplar do Museo Internacional del Estudiante.

Duelo de estudantes em Tubingen
Sessão de esgrima (mensur) de alunos da Universidade de Tubingen, em 1831, sendo bem visíveis os bonés militares prussianos de copas verdes, brancas e vermelhas.


Gottinger Clubbs (1)
Bonés de clubes de alunos da Universidade de Gottingen, 1827.

Gottinger Clubbs (2)
Gravura de 1827 com figuração de 20 bonés adoptados por clubes ou corporações de estudantes da Universidade de Gottingen.
Diferentemente de Oxford, Cambridge, Salamanca, Valladolid ou Coimbra, os estudantes universitários germânicos não estavam obrigados ao porte de um traje corporativo no alvorecer do século XIX. O recuo da toga e dos trajes talares proposto pela Revolução Francesa motivou a afirmação de grandes uniformes militares em escolas politécnicas, escolas de artes e ofícios e academias científicas. Nos territórios germânicos, os estudantes universitários consagraram pela década de 1820 como peça identitária o boné do exército prussiano. Associado a uma imagem de virilidade, honra e duelo, o boné rapidamente recebeu cores e avivados conforme a origem geográfica dos clubes ou corporações. Em 1827 existiam na Univerisdade de Gottingen pelo menos uns 40 clubes de esgrimistas, cada um ostentando peculiarismos na ornamentação do boné. A partir de Gottingen, o boné dos estudantes rapidamente alastrou à Austria, Suiça e países escandinavos.


Estudante de Hanover
Gravura de 1773, representa um aluno hanoveriano matriculado na Universidade de Gottingen.


Estudante de Brunswick
Gravura de 1773, figura um estudante oriundo de Brunswik a frequentar a Universidade de Gottingen.


Estudante de Marburgo
Nesta representação reportada aos inícios do século XVIII, intitulada "academicus marburgensis", a imagem de marca de virilidade do escolar germânico aparece colada à grande casaca civil de corte, ao tricórnio de feltro preto e à inseparável espada dos esgrimistas. Enquanto nos países ibéricos e na Grã-Bretanha continuou a prevalecer o académico de toga, nos países nórdicos firmou-se a imagética do académico de espada, a última bem presente na mitologia estudantil alemã e na afirmação do cerimonial doutoral em países como a Finlandia.

Escolar germânico
Recriação de Braun & Schneider, ca. 1861-1880, na obra "The history of costume", a partir de documento quinhentista.
À semelhança dos académicos de outras universidades oriundas da Idade Média, este académico germânico veste uma garnacha talar adapatada ao gosto de quinhentos: mangões tubulares com entretalhos, estolas dianteiras e longo cabeção dorsal.