sábado, 19 de julho de 2008


Uniformes da politécnica de Paris
Em inícios de 2008 a École Polytechnique de Paris, fundada em 1794, inaugurou uma exposição diacrónico-iconográfica muito bem documentada sobre a origem e evolução dos trajes profissionais dos alunos (os "pipos").
Duradouramente marcado pelo paradigma militar, o uniforme da politécnica mudou de cores e de insígnias, oscilou entre o calção e calça comprida, a espada e o capote, o masculino e o feminino. Com a admissão das primeiras mulheres, em 1972, o antigo uniforme potenciou a abertura à feminilização (saia avivada, tricórnio).
Por força da vivacidade do modelo cultural e ideológico iluminista, os uniformes da politécnica e os dos académicos do Instituto de França conquistaram um lugar de imparável favor junto dos escolares, docentes e intelectuais ocidentais até bem depois da 2ª Guerra Mundial. Concomitantemente, a estigmatização do paradigma vestimentário e cultural talar foi sucessivamente associado ao catolicismo ultramontano e ao reaccionarismo.
Reactualizados no período napoleónico, os uniformes de gala da politécnica e do Institut de France exerceram imparável fascínio nos países da Europa continental e da América Latina em processo de independentização. Em Portugal, entre 1833-1910, os ministros e secretários de estado, os governadores civis e seus secretários, os administradores de concelho e seus secretários, os académicos da Academia das Ciências, os membros do corpo diplomático, os lentes da Academia Politécnica do Porto e os da Escola Politécnica de Lisboa, envergaram orgulhosamente o grande uniforme napoleónico. A própria Universidade de Coimbra, progressivamente encurralada pelas acusações aparentemente irrebatíveis de reaccionarismo, clericalismo e monarquismo, tentou na década de 1860 adoptar o grande uniforme napoleónico.
A colagem dos intelectuais às modas francesas não se confinou aos adeptos dos ideais republicanos. Entre as décadas de 1920-1940, os regimes autoritários italiano e português ainda invocaram este modelo como imagem de marca da afirmação da identidade da Academia de Itália ou da Academia Portuguesa de História.
Porém, algo estava a mudar lentamente no universo do até então incontestado modelo francófilo. Assim, na década de 1940, quando o Ministério da Educação aprovou o traje profissional da Universidade Técnica de Lisboa, a opção recaiu em veste talar afrancesada e não em uniforme militar. O mesmo aconteceria na Espanha de Franco, quando em 1967 se determinou que o uniforme e as insígnias das universidades politécnicas seria a toga preta, a murça e o barrete armado.
Em Portugal, o uniforme militar gozou de intocável favor durante o século XIX, a tal ponto que na Univerisdade de Coimbra e nas politécnicas de Lisboa e Porto se estatuíu que os alunos militares poderiam frequentar as aulas e actos de exame com os respectivos trajes castrenses. Mesmo assim, o traje militar da politécnica de Paris nunca chegou a ser adoptado pelos estudantes portugueses das politécnicas de Lisboa e Porto (1836-1911), nem pelos dos institutos superiores politécnicos portugueses do século XX. Comparativamente, na oitocentista Escola Médico-Cirúrgica de São Salvador da Bahia, alunos e docentes optaram pela toga talar de dois corpos e barrete redondo armado. E a partir de 1911, quando as escolas politécnicas foram integradas nas novas universidades de Lisboa e Porto, e convertidas em faculdades de ciências, a opção institucional recaiu na toga talar preta e não no grande uniforme napoleónico.
No mesmo período, as vestes talares continuaram a manter o seu prestígio nos territórios marcados pela influência cultural anglo-saxónica, os quais eram praticamente desconhecidos das elites portuguesas. Nos EUA, a a partir da década de 1890, a toga generalizou-se nas universidades mais prestigiadas, conquistou desde o primeiro momento utentes femininas e arriscou em crescendo o ritual da "graduation ceremony".
No caso de Portugal, a adesão ao uniforme napoleónico, não implicou apenas o combate às vestes, símbolos e insígnias da Igreja Católica e da Universidade de Coimbra. As antigas librés de gala à portuguesa, muito mais interessantes do que o grande uniforme francês, de que eram exemplo as dalmáticas, os tabardos, as opas e os trajes de capa e espada dos vereadores e oficiais administrativos, também conheceram tempos de estigmatização.

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