sábado, 8 de março de 2008

Caeremoniale Conimbrigensis
[Parte II] O Capello. Actos da Véspera
Por AMNunes

Nos dias que antecedem a cerimónia devem os candidatos acordar com a Casa Reitoral a calendarização do evento. A Reitoria confia a direcção do cerimonial ao Secretário Geral e envia convocatórias aos charameleiros, Guarda-Mor das Escolas, jardineiro e sineiro.
Inteirado da situação, o Conselho Científico da Faculdade que protagoniza a cerimónia segue os passos seguintes:

a) designa, de entre os doutores mais novos detentores de Insígnias Doutorais os dois Oradores encarregados de abrilhantarem a cerimónia[1]. Mesmo nas Faculdades onde existem múltiplos cursos, como Medicina, Letras, Ciências e Economia, os oradores são convidados em função da data de obtenção da respectiva laurea e não pelo facto de corresponderem ao mesmo curso do(s) candidato(s) à nova laurea;
b) convida atempadamente o Director da Faculdade outorgante para estar presente no acto, tanto mais que é nele que o Rector Magnificus, na sua condição de Magnus Cancellarius, delega a solene Investidura das Insígnias nas cabeças e mãos dos laureandos.

Compete a cada candidato à laurea convidar individualmente o seu «Apresentante», dignitário de certa categoria que terá de adquirir o Anel Doutoral a ofertar ao recipiendário. Não existe um modelo padronizado para o Anel Doutoral conimbricense, mas é obrigatório que tenha a base em ouro e uma pedra na cor oficial da respectiva Faculdade (annulus cum gema). Ao contrário do admitido para a Borla e Capelo, no Anel Doutoral nunca se misturam cores. Quando uma Faculdade tem duas cores (Carmezim e Branco, de Economia, ou Castanho e Branco de Educação Física), a pedra é bicolor. Nas Faculdades onde está consagrada uma só cor, apenas se pode aplicar uma pedra na parte superior do anel, mas não orlas de diamantes em torno da mesa onde assenta a gema principal. As duas faces do besel costumam ser esculpidas, mas nunca foi obrigatório nelas figurar o Sigillum da Alma Mater nem o emblema de cada Faculdade. Quando um docente é doutorado por mais do que uma Faculdade, dispõe a tradição que possa ter tantos anéis quantas as Escolas por onde se graduou e não um só anel com mistura cromática de gemas.
O «Apresentante» pode ser um doutor de qualquer uma das Faculdades da Universidade de Coimbra, ou docente integrado noutra instituição de ensino superior portuguesa ou estrangeira. Na segunda opção, em vez do Hábito Talar e Insígnias de modelo conimbricense, o «Apresentante» envergará o traje profissional e as insígnias da sua escola, ou da instituição portuguesa ou estrangeira por onde se graduou. Excepcionalmente poderá a escolha do «Padrinho»/«Madrinha» recair em chefes de Estado, eclesiásticos, diplomatas, advogados, magistrados, militares, etc.. Nestas situações o protocolo deve solicitar atempadamente aos Apresentantes o porte dos trajes de gala/uniformes regulamentados para tais dignitários.
Com a devida antecedência e cuidado se preparam os dois Oradores[2]. O Orador dos Novos Doutores deve ser o mais antigo dentre os dois convidados pelo Conselho Científico. Compete-lhe elaborar as biografias e notas curriculares de cada um dos candidatos, elogiando-os um por um, com alguma brevidade O Orador do(s) «Apresentantes(s)», que é o mais novo da sua Faculdade a ter obtido a investidura, recolhe dados biográficos e curriculares relativos a todos os Apresentantes presentes, falando sumariamente das virtudes de cada um[3].
Na gíria académica de Coimbra, Salamanca e antiga Universidade de Alcalà de Henares (=Complutense), os dois Oradores eram designados por Galo (orador mais antigo, ou dos Doutores) e Galinha/Galina (orador mais novo, ou dos Apresentantes), por se travar entre ambos uma espécie de disputa para aferir quem tirava da manga os mais notáveis feitos em prol das ciências e das artes[4].
A Secretaria-Geral prepara as “Cartas” ou “Diplomas”, redigidas em latim, sobre pergaminho, e assinadas pelo Reitor, Chanceler e Secretário-Geral. Conforme já se anotou, para efeitos deste tipo de cerimónia, trata-se de um Certificado de Imposição de Insígnias e não de uma Carta Doutoral tout court.
Compete a cada candidato munir-se do Hábito Talar masculino ou feminino, conforme o costume conimbricense, luvas brancas de tecido fino ou peliça, bem como do Barrete Doutoral e do Capelo[5]. Estas insígnias podem comportar mistura de cores, sempre que o laureando já tenha obtido doutoramento noutra(s) ciência(s). É admissível que a mistura de cores também possa ocorrer quando o laureando tenha obtido doutoramento noutra universidade portuguesa ou estrangeira, o qual se ache devidamente reconhecido pelos serviços académicos.
Na véspera da festividade, entre a tarde e o final do dia, são ultimados os preparativos da cerimónia. É chegado o momento de o Jardineiro decorar toda a balaustrada da Via Latina com festões de louro, em rememoração das coroas délficas de Apollus, Niké, e dos triunfos romanos votados a Júpiter.
Embora alguns candidatos das décadas de 1980-1990 tenham feito depositar na Reitoria a tradicional propina de ovos doces no próprio dia da cerimónia, estipula o protocolo que a manufactura de pastelaria contratada pelos laureandos faça chegar de véspera à casa do Reitor, ao Director da Faculdade, ao Secretário Geral e ao(s) Apresentante(s) os doces nas quantidades prescritas para cada um[6].
Incumbe à Casa Reitoral acompanhar a preparação da Sala dos Actos Grandes para a cerimónia que se avizinha. A parede do topo, por detrás do paraninfo, orna-se com uma sanefa na cor oficial da Faculdade que se presta a outorgar as Insígnias. Do lado direito dessa mesma parede são dispostas a credencia de talha dourada para a Borla Reitoral e a Cátedra Reitoral, que deve ser de espaldar alto e estofada de verde (cor oficial da Casa Reitoral). Logo a seguir, ocupando o meio da parede, são alinhadas tantas cátedras quantos os recipiendários, todas espaldar baixo e forradas na cor científica da Faculdade que realiza a investidura, dispostas conforme as antiguidades de cada doutor. No extremo esquerdo deste arranjo fica a cátedra reservada ao Director da Faculdade que em representação do Reitor outorgará as Insígnias Doutorais a cada um dos candidatos, estofada na cor da respectiva Faculdade, cujo espaldar é inferior ao do Reitor e mais elevado do que os dos laureandos.
Ainda no paraninfo, colocam-se duas mesinhas e duas cadeiras de espaldar, estas também forradas na cor oficial da Faculdade onde se desenrolará o acto, destinadas aos dois Oradores. Em frente, a meio dos degraus do paraninfo, dispõe-se o escabelo do Secretário-Geral que na Universidade de Coimbra congrega as funções de Mestre de Cerimónias.
Em baixo, na teia, são dispostas duas carreiras de cadeiras, numeradas por ordem de antiguidade dos laureandos, estofadas na respectiva cor científica, em quantidade suficiente para que cada «Apresentante» tome assento à mão direita do “seu” recipiendário. Mais raramente as cadeiras poderão não ser dispostas aos pares, isto no caso de um «Apresentante» ser convidado para apadrinhar dois ou mais laureandos.
Ao entardecer, logo após o toque dos tristes pela Cabra, o sineiro fará dobrar festivamente o Sino dos Capelos, anunciando os actos magnos da Alma Mater Studiorum Conimbrigensis e convocando todas as Faculdades a reunir em claustro pleno.
ANOTAÇÕES
[1] Este costume remonta apenas à Reforma Pombalina de 1772.
[2] Na sessão pública de tomada de posse de um novo sócio efectivo da Academia de Ciências de Lisboa, exigia-se que o eleito elogiasse o sócio cuja vaga iria ocupar. Um outro sócio efectivo, designado pela instituição, responderia a este discurso. Cf. Decreto Nº 4.480, de 27 de Junho de 1918 [Estatuto e Regulamento da Academia de Sciências de Lisboa], in Diário do Governo, I Série, Nº 141, de 27 de Junho de 1918, página 1001 e ss., artigo 11º, sendo Secretário de Estado da Instrução Pública José Alfredo Mendes de Magalhães.
[3] Nos estatutos anteriores ao século XVIII apenas se exigia que os doutorandos fossem louvados por homens honrados (distintos). Nos séculos XVI e XVII, tanto em Coimbra como em Salamanca, a apr do elogio, deveria também ocorrer um moderado “vexame” do graduando. Em Coimbra, este costume ancestral do “vexamen” foi mantido pelos estudantes até 1974 com a designação de “Tourada ao Lente”. Com a Reforma Pombalina de 1772, o marquês reformador modificou o protocolo, exigindo que os oradores fossem os doutorados mais jovens da Faculdade outorgante. É de admitir que o Marquês de Pombal se tenha baseado no cerimonial diplomático português, segundo o qual o Introdutor do Núncio Apostólico na Audiência de Apresentação das Credenciais deveria ser o conde mais recentemente titulado pelo Chefe de Estado. Veja-se, comparativamente o “Programma” de apresentação do Núncio Luigi Oreglia em 31 de Julho de 1868, «Diário de Lisboa», Nº 168, 4ª feira, 29 de Julho de 1868.
[4] Designação que remete directamente para a mitologia clássica, dado que o Galo era originariamente o símbolo de Pallas Atheneia como obreira ou promotora do trabalho. São inúmeros os animais integrados na mitologia conimbricense, o que nos permite reportar um autêntico “Bestiário Académico”. Alguns exemplos: Raposa (“chumbo” ou ano escolar perdido), Mocho (Athena Noctua, símbolo do estudo), Touro (Caloiro e Novo Doutor), Serpente (Medicina, Farmácia), Duas Serpentes (Economia)/e Dialéctica, Carneiro (“bicho” ou estudante liceal), Esfinge (História, Arqueologia).
[5] Fazem parte dos acessórios do traje de gala os sapatos pretos de couro, de tipo chinelo, adornados com fivela de prata, entretanto caídos em desuso.
[6] A propina doutoral antiga era obrigatoriamente composta por oferta de vinhos finos, luvas e doces de ovos ao Reitor, Padrinho, Decano da Faculdade (depois de 1910 o Director da Faculdade), Secretário Geral e Orador. Entre 1916 e 1974 o Novo Doutor deveria entregar duas arrobas de doce de ovos, repartindo as quantidades pelos intervenientes. Na actualidade a propina continua a ser de doces de ovos, podendo estes ser revestidos de massa de óstia à moda de Aveiro, divididos em quinhões decrescentes: 2kgs para o Reitor, 1,5kgs o Director da Faculdade, 1kg para o Apresentante, 1kg para o Orador e meio quilo para o Secretário Geral.

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