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sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Algumas cerimónias fúnebres realizadas por morte do Rei D. Pedro V (1861)
Por AMN

As cerimónias fúnebres realizadas em Portugal por morte de chefes de estado e de altos dignitários aparecem reiteradamente consagradas em crónicas e “programas” emitidos pela corte ou elaborados pelas câmaras municipais. Até finais do Antigo Regime, a norma protocolar, embora sujeita a adaptações pontuais, revela traços de continuidade fortemente codificados.
O programa chega mesmo a ser solicitado pelos municípios de institucionalização mais recente às autarquias históricas, reproduzindo à escala nacional continental e ultramarina um modelo estético, afectivo e mental comum a municípios urbanos e rurais ou a outros localizados algures nas ilhas atlânticas, Brasil, África, Índia ou Macau. Situação idêntica acontecia relativamente ao programa religioso, que decalcado de templo para templo, apenas diferia na sumptuária e na dignidade eclesiástica de que gozava a igreja paroquial, matriz, sé catedral ou igreja patriarcal.
Um dado muito saliente em todos os programas é o carácter inequivocamente masculino que atravessa a elaboração da normativa, a encenação da cerimónia e sua concretização. As mulheres eram espectadoras a quem os programadores destinavam janelas, varandas e tribunas. Aos homens competia programar e gerir o evento, mas sobretudo representar publicamente o pesar, através do vestuário, dos símbolos, dos pregões, dos brados públicos, das lágrimas e dos gestos de consternação.
Considerando o programa elaborado pela Câmara Municipal do Porto em Dezembro de 1707, por alturas da morte do Rei D. Pedro II, pode dizer-se que a preparação e representação das cerimónias definia os seguintes momentos estruturantes:

1) Recepção da notícia;
2) Reunião da CM, tendo em vista o lançamento dos pregões públicos nas principais praças e terreiros e a elaboração escrita do “programa”;
3) Aquisição das capas, panos, chapéus, varas e escudos; levantamento dos estrados; envio de convocatórias às corporações e altos dignitários locais;
4) Concretização da Cerimónia civil (cortejo e ritual da Quebra dos Escudos) e Religiosa (Exéquias solenes).

A preparação da cerimónia envolvia despesas que os erários municipais procuravam fazer recair sobre o cofre da igreja local ou sé catedral, nomeadamente os encargos respeitantes à ornamentação fúnebre dos templos, instalação do catafalco, eça, tocheiros de aparato e baldaquino, figuras alegóricas, compra de alcatifas, panos de luto, réplicas da coroa e ceptro real e instalação de mochos e cadeiras para todos os dignitários aristocratas, administrativos, religiosos, militares e judiciais.
Às câmaras municipais competia mandar afixar avisos impressos nos locais de estilo, vestir e pagar os trajes de luto dos pregoeiros e tamborileiros fúnebres, agendar com os párocos e sacristães as datas e horas em que dobrariam a finados os sinos das igrejas e conventos (normalmente durante três dias), encomendar às oficinas de carpintaria todas as varas de luto e os três escudos de madeira. Além destas despesas, corriam ainda por conta das câmaras a encomenda, aquisição e distribuição das capas de luto em baetas e sarjas, os chapeirões de feltro, os fumos para os chapéus e estandartes, os panos pretos suficientes para se cobrirem todos os cavalos arrolados para o bom sucesso da cerimónia, e a aquisição das madeiras e panos destinados à montagem dos estrados onde seriam quebrados os escudos.
A partir da instauração do Liberalismo, a ancestral cerimónia logra manter-se até aos inícios da segunda metade de oitocentos, mas acusa paulatino desgaste. Um eloquente sinal da progressiva apropriação social e gestão do tempo como produto útil traduz-se na redução dos dois anos (1 carregado; 1 aliviado) de luto oficial para seis meses (3 de carregado, 3 de aliviado), ou no confinamento dos repiques de dó de 3 para 1 dia.

I - Exéquias na Patriarcal
Portaria de realização de exéquias solenes na Igreja de São Vicente de Fora, em memória de D. Pedro V e de seu irmão, o Infante D. Fernando, proveniente do Ministério dos Negócios do Reino. Direcção Geral de Administração Política, 2ª Repartição, com data de 27 de Novembro de 1861. Assina o documento o Marquês de Loulé. Publicação oficial no Diário de Lisboa, Nº 281, Sábado, 7 de Dezembro de 1861, com repetição no mesmo DL, 3ª feira, 10 de Dezembro de 1861.
“Sua Majestade El-Rei [D. Luís I] tem resolvido que a Real Igreja de São Vicente de Fora se façam exéquias solenes, a que o mesmo Augusto Senhor tenciona assistir, por alma de Sua Majestade El-Rei o Senhor D. Pedro V e de Sua Alteza o Sereníssimo Senhor Infante D. Fernando, seus muito amados e prezados irmãos de sempre saudosa memória, designando o dia 9 de Dezembro próximo, pelas onze horas da manhã, para as exéquias de Sua Alteza, e o dia 11 daquele mês, à mesma hora, para as do falecido monarca; e há por bem ordenar o seguinte:
-Que, pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, se dê conhecimento desta resolução aos outros ministérios e aos oficiais mores da Casa Real, para, nesta conformidade, expedirem as ordens que forem da sua competência, de modo que as sobreditas solenidades sejam efectuadas com toda a pompa e demonstrações fúnebres que forem do estilo em ocasiões similares;
-Que no templo destinado para a celebração das exéquias se disponham as armações e preparativos necessários para os actos religiosos, e se façam prontas as tribunas e lugares próprios para a recepção da família real, corte, pares e deputados existentes em Lisboa, e bem assim para a colocação do corpo diplomático, tribunais e mais corporações que concorrerem aos mesmos actos;
-Que nos dias acima referidos deixe de haver espectáculos públicos nos teatros e fora deles;
-Que, pela publicação desta portaria, e na conformidade do Decreto de 8 de Novembro de 1843, fiquem avisados os titulares e mais pessoas que formam a corte para acompanharem Sua Majestade na Real Igreja de São Vicente de Fora durante ambas as mencionadas solenidades;
-Que do mesmo modo fiquem também prevenidos os tribunais, corporações e autoridades, para que possam concorrer a uma e outra função religiosa.
O que assim se participa ao Conselheiro Secretário Geral do Ministério do Reino, para sua inteligência e execução na parte que lhe toca.
Paço de Belém, em 27 de Novembro de 1861. Marquês de Loulé”.

II - Programa para a inumação de D. Pedro V
Programa em 15 artigos, elaborado sob orientação do Rei D. Fernando e do Ministro do Reino, com data de 11 de Novembro de 1861, publicado no Diário de Lisboa, Nº 258, 4ª feira, 13 de Novembro de 1861. O documento regulava o regime de luto oficial por seis meses, sendo três de luto pesado e os restantes de nojo aliviado.
Relativamente à colocação das insígnias reais (coroa e ceptro) sobre uma almofada aos pés da eça, apenas se menciona o assunto a propósito do préstito. A referida prática usou-se pela última vez no velório de D. Carlos I e do Príncipe D. Luís, em Fevereiro de 1908, pese embora o facto de as fotografias de época mostrarem não a coroa nem o ceptro, mas capacete militar e espada em ambos os casos (“Illustração Portugueza”, Nº 105, 24 de Fevereiro de 1908).
“Sua Majestade El-Rei o Senhor D. Fernando II, Regente em nome do Rei, há por bem ordenar que nos actos fúnebres para o enterramento de Sua Majestade Fidelíssima El-Rei Senhor D. Pedro V, seu sobre todos muito amado e prezado filho, que Deus foi servido chamar à sua santa glória, se observe o cerimonial constante do seguinte:
PROGRAMMA
- O real cadáver de Sua Majestade Fidelíssima El-Rei o Senhor D. Pedro V, de saudosíssima e nunca assaz deplorada memória, depois de embalsamado, vestido e encerrado em um ataúde, há-de ser conduzido da real câmara a uma sala do Paço, constituída em câmara ardente, e decorada de púrpura, sendo ali colocado em uma eça pelos oficiais mores da Casa Real, quarta-feira, 13 do corrente, pelas duas horas da tarde, mediante coadjuvação dos reposteiros para isso necessários.
As chaves do ataúde serão entregues ao duque mordomo-mor.
- Enquanto o real cadáver se conservar na câmara ardente, será velado pelos oficiais mores da Casa Real, tomando lugar, uns e outros, na forma de estilo, à direita e esquerda do ataúde.
- Quarta-feira, 14 do corrente, pela uma hora da tarde, terá lugar no Paço das Necessidades a cerimónia do último cortejo ao augusto monarca falecido, ficando para esse e para todos os mais actos fúnebres avisados pela publicação do presente programa, os oficiais mores, as outras pessoas da corte e as mais que a eles tiverem de concorrer.
- O enterramento do real cadáver há-de efectuar-se no dia 16 deste mês na Real Igreja de S. Vicente de Fora, devendo o acompanhamento fúnebre sair do Paço das Necessidades pelas dez horas da manhã desse dia.
Depois da chegada do saimento a S. Vicente de Fora, há-de ali celebrar-se uma missa de pontifical com as cerimónias e orações prescritas pela Igreja.
- O préstito fúnebre será precedido de uma força de cavalaria e seis porteiros de cana, vestidos de capa e volta, seguindo-se as corporações e pessoas particulares que, em memória das excelsas virtudes do soberano falecido, quiserem acompanhar os restos mortais de tão saudoso monarca.
Logo em seguida tomarão as carruagens a Câmara Municipal e mais corporações e empregados públicos, as dos Tribunais e Conselheiros, a carruagem do Governador Civil, as carruagens da corte, as dos Conselheiros de Estado e as dos Ministros de Estado.
- Após as carruagens dos Ministros de Estado irão os coches da Casa Real que tiverem de conduzir o porteiro da real câmara e moços do guarda-roupa, os oficiais mores da Casa Real, o oficial da casa, encarregado de conduzir a coroa real, e as pessoas eclesiásticas que forem designadas para acompanhar o augusto cadáver.
- Seguir-se-á o coche de respeito, e logo o ataúde do real cadáver. Ambos estes coches serão armados em camarim com panos e cortinas de veludo preto agaloadas a oiro. Aos lados do último coche irão seis moços da real câmara com tochas acesas entre duas alas de moços da estribeira e archeiros da Casa Real, caminhando uns e outros a pé e descobertos.
Atrás do mesmo coche irá a Guarda Real dos Archeiros. O seu comandante tomará lugar a cavalo junto à roda direita, seguindo-se os oficiais generais de mar e terra com o respectivo Estado-Maior, fechando o préstito um corpo de cavalaria.
A força de infantaria, postada em alas pelas ruas do trânsito, tomará a forma conveniente atrás do préstito fúnebre para o acompanhar até ao templo de S. Vicente de Fora, e dar oportunamente as descargas do costume.
- O estribeiro-mor, coadjuvado pelos empregados da sua dependência, e bem assim pelos archeiros da Guarda Real e soldados da Guarda Municipal, mandará prover à conveniente colocação dos coches da Casa Real, fazendo-os distribuir pelas pessoas que os devem ocupar, e dando as mais providências necessárias para a boa direcção e boa ordem do cortejo.
- As carruagens particulares que houverem de se incorporar no préstito fúnebre, descerão da Rua da Boa Morte e Calçada das Necessidades até à Praça de Alcântara, onde entrarão em lugar competente.
O préstito, no seu itinerário, seguirá do Paço das Necessidades à Travessa do Sacramento, Pampulha, Janelas Verdes, Calçada do Marquês de Abrantes, Boa Vista, S. Paulo, Corpo Santo, Arsenal, Terreiro do Paço, Ribeira Velha, Terreiro do Trigo, Jardim do Tabaco, Fundição, Paraíso, Campo de Santa Clara, Arco de S. Vicente de Fora.
10º - Em chegando o préstito a S. Vicente de Fora será o ataúde colocado pelos competentes dignitários sobre uma tarima no adro da Igreja, e dali conduzido em um esquife pela Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa até à primeira eça no meio do templo, onde a colegiada da mesma Santa Casa há-de cantar os devidos responsórios; sendo em seguida levado o ataúde pelos referidos dignitários à segunda eça, que estará levantada no centro da quadratura da Patriarcal.
11º - No templo, ornado com a devida pompa, haverá tribunas para o Corpo Diplomático, e para os Pares e Deputados que se acharem em Lisboa, e haverá cadeiras e bancos para a Corte, Tribunais e dignitários, e bem assim para a Câmara Municipal, corporações públicas e particulares, e mais pessoas que concorrerem ao enterro.
Dentro do templo, o porteiro-mor intenderá na direcção do cerimonial da Corte, devendo prover à regularidade deste serviço.
12º - Logo que o ataúde esteja colocado na segunda eça, o Em.mo. Cardeal Patriarca, tendo assistido com o Cabido da Sé Patriarcal à recepção do real cadáver, mandará rezar as orações próprias da ocasião, seguindo-se uma missa pontifical.
13º - Acabados os actos religiosos, será o augusto cadáver depositado no jazigo real; devendo os dignitários que ali o conduzirem servir de testemunhas e, nessa qualidade, assinar os dois termos de entrega do ataúde e de uma das suas chaves ao Em.mo. Cardeal Patriarca.
14º - A entrega ao Em.mo. Cardeal patriarca, mencionada no artigo antecedente, há-de ser feita pelo mordomo-mor, prestando este juramento de se acharem enterrados no ataúde os restos mortais de Sua Majestade Fidelíssima El-Rei o Senhor D. Pedro V, e de terem sido por ele vistos e reconhecidos antes do seu encerramento no ataúde, havendo ele mordomo-mor posteriormente a esse acto, acompanhado sempre o mesmo ataúde fechado com as chaves de que é portador.
A segunda chave e um dos termos de entrega devem ser depositadas no Real Arquivo da Torre do Tombo. O outro termo será guardado no Ministério do Reino.
15º - Todas as pessoas que concorrem aos actos fúnebres deverão ir com os seus uniformes ou trajes correspondentes, de luto pesado.
Paço das Necessidades, 11 de Novembro de 1861. Marquês de Loulé”.

III - Câmara Municipal de Elvas.
O município de Elvas fez apregoar publicamente e deu a imprimir no “Diário de Lisboa”, Nº 283, de 5ª feira, 12 de Dezembro de 1861, o “Programma para a Quebra dos Escudos”, calendarizado para as nove horas da manhã do dia 16 de Dezembro, o qual seria antecedido de solenes exéquias na Sé Catedral. Durante as solenidades estariam encerrados todos os estabelecimentos comerciais e repartições públicas. Os sinos de todas as torres da cidade dariam dobres de finados e uma força militar postada na praça central dispararia salvas de 15 em 15 minutos, devendo encerrar o acto uma salva de 21 tiros.
Segue-se o translado do documento, com ortografia actualizada.
“Romperá o préstito, com armas em funeral, uma força de cavalaria, a qual será seguida por uma banda de música, tocando peças adequadas a tão fúnebre solenidade.
Seguir-se-ão:
Os oficiais de diligências do Juízo de Direito e da administração do Concelho, vestidos de rigoroso luto, com capa comprida e chapéu desabado com aba derreada.
Um dos vereadores da Câmara, que irá a cavalo, vestido com capa comprida, casaca, calção e meias tudo de lã preta, chapéu desabado grande com aba levantada do lado de trás, e derrubada do lado de diante, com fumo negro pregado do lado esquerdo, caindo sobre o ombro até à cintura. O cavalo irá todo coberto de preto, e o cavaleiro levará na mão direita a bandeira fúnebre, que será de baeta e de grande cauda com as armas da Câmara no centro, cobertas de fumo.
À estribeira direita, pegando na cauda da bandeira, irá a pé o contínuo da Câmara, vestido de capa comprida, casaca, calção e meias, tudo de lã preta, chapéu grande desabado com fumo pregado ao lado esquerdo, caindo sobre a cintura.
À estribeira esquerda irá o porteiro da mesma Câmara vestido de rigoroso luto.
Seguirão todos os empregados das diferentes repartições e mais pessoas que quiserem tomar parte no acompanhamento, e que se apresentarem vestidas de luto, como pede este acto solene.
Os eclesiásticos e os párocos das freguesias rurais e da cidade.
O reverendo Cabido da Sé Catedral.
O Juiz de Direito, o Delegado do Procurador Régio e o Director da Alfândega.
A Câmara Municipal e Administrador do Concelho, dando a direita aos Exmos. Generais da divisão e Governador da Praça.
O Estado Maior da divisão e Praça e a oficialidade de toda a guarnição.
O cortejo será fechado por uma guarda de honra com uma banda de música.
A Câmara irá vestida com capas compridas, casaca, calção e meia, tudo de lã preta, com chapéus desabados de aba derrubada e fumos caídos, levando varas pretas.
Os escudos serão quebrados: o primeiro no Largo da Misericórdia, pelo Presidente da Câmara, o qual, subindo a um estrado, com sua coluna, deverá proferir as seguintes palavras: “Chorai portugueses a muito deplorável e sempre sentida morte do Vosso Rei e muito amado Senhor D. Pedro V” -, e desde logo, quebrando o escudo, o lançará no chão. O segundo escudo, no Largo da Carreira, e pela mesma forma o quebrará o Vereador José António Ruivo. O terceiro escudo, no meio da Praça, e com as mesmas formalidades, será quebrado pelo Vereador Ferreira da Silva.
O itinerário a seguir para a Quebra dos Escudos é o seguinte:
-sairá da Sé, seguindo pela Rua do Juiz e de São Francisco, Largo da Misericórdia, Rua da Feira, Rua de Alcamim, Porta de Olivença, à Rua da Carreira, Rua da Cadeia e Praça, onde se dissolverá o préstito.
Elvas, 7 de Dezembro de 1861. O Presidente da Câmara, Joaquim José da Guerra”.

IV - Câmara Municipal do Porto
Edital contendo a informação pública relativa à cerimónia da Quebra dos Escudos, agendada para o dia 9 de Dezembro, reproduzido na folha oficial, "Diário de Lisboa", Nº 282, 4ª feira, 11 de Dezembro de 1861.
“Havendo a Câmara Municipal desta Invicta Cidade deliberado praticar a mui respeitável e lutuosa cerimónia da Quebra dos Escudos, pela sentida morte de Sua Majestade Fidelíssima El-Rei D. Pedro V, que santa glória haja; cerimónia que costuma ter lugar pelo falecimento dos Senhores Reis destes reinos: faz público pelo presente, que esse acto lúgubre deve ter lugar no dia 9 deste mês, saindo o préstito, pelas doze horas da manhã, dos Paços do Concelho, e na forma seguinte:
Rompem a marcha quatro guias a cavalo, o Director dos zeladores com dois dos seus subalternos, a banda militar de música, cavalaria da Guarda Municipal, dez tambores, autoridades, corporações, associações e mais pessoas que concorrem, sem distinção de lugares ou precedências, o Guarda-Mor e dois Contínuos, Mestre de Cerimónias, o Tesoureiro e Procurador da Câmara, os três vereadores que levam os escudos reais, com os mais membros da Câmara e seu Escrivão, o Vereador fiscal conduzindo a bandeira municipal e real envolta em luto; seguem dois contínuos: formam alas laterais os porta-machados, e fecha o cortejo fúnebre a força de cavalaria e infantaria da guarnição da cidade.
Nas três praças, de D. Pedro, Ribeiro e Carlos Alberto, levantar-se-ão três tarimas cobertas de luto, sobre cada uma das quais se quebrará um escudo, e neste acto o Presidente levantará o seguinte brado, que será repetido nas ruas do trânsito: «Chorai portugueses, que é morto o nosso muito amado Rei e Senhor D. Pedro V».
O trânsito marcado para esta cerimónia é o seguinte:
Praça de D. Pedro, Rua da Porta de Carros, Largo das Freiras de S. Bento, Rua das Flores, Largo de S. Domingos e S. Crispim, Rua de S. João e Praça da Ribeira, ruas da Fonte Taurina, da Alfândega, dos Ingleses, do Ferreira Borges, de Bello-Monte, das Taipas, de S. Miguel e de S. Bento, passeios da Cordoaria, Praça de Carlos Alberto, retrogradando desta praça à dos Voluntários da Rainha, entrando nela pelo lado norte, e seguirá pelos ruas das Carmelitas e dos Clérigos até aos Paços do Concelho.
Da mesma forma se faz saber que as exéquias e preces religiosas, dirigidas ao Altíssimo pelo eterno descanso do sempre chorado monarca português, terão lugar na santa Sé Catedral, na tarde do dia 15 e manhã do dia 16 do corrente, com vésperas e matinas, laudes, missa, oração fúnebre e responsórios.
A Câmara Municipal, anunciando o desempenho destes actos públicos e soleníssimos, espera e confia em que hajam de continuar-se as demonstrações de profundo sentimento, que se têm tornado tão salientes nos cidadãos deste município.
Porto e Paços do Concelho, 5 de Dezembro de 1861. O Presidente, Visconde de Lagoaça, Joaquim José de Figueiredo, Joaquim Ribeiro de Faria Guimarães, António Leite de Faria Guimarães, José Carlos Lopes, Visconde de Pereira Machado, Alexandre Soares Pinto de Andrade, António Venceslau da Costa Dourado, Raimundo Joaquim Martins, Arnaldo Ribeiro de Faria, Domingos Augusto da Silva Freitas Menezes e Vasconcelos”.

V - Câmara Municipal do Porto
Relato da Cerimónia da Quebra dos Escudos, realizada na Cidade do Porto a 9 de Dezembro, conforme o “Comércio do Porto”, transladado no "Diário de Lisboa", Nº 282, 4ª feira, 11 de Dezembro de 1861.
“O quadro era de imponente e lúgubre majestade.
Logo pela manhã todas as lojas e casas de comércio cerraram. As repartições públicas, bancos, etc., fecharam-se. Na Associação Comercial, Associação Britânica, ponte pênsil, forte da Serra do Pilar, nos consulados estrangeiros, nos edifícios públicos e nos navios surtos no Douro estavam as bandeiras a meia haste, e alguns navios tinham as vergas encruzadas.
Nas ruas, por onde tinha de passar o préstito, todas as janelas estavam guarnecidas de lutuosas decorações e algumas com riqueza.
(…) Na escadaria fronteira da Igreja dos Clérigos estavam todos os parapeitos cobertos de crepe negro, e sobre a gradaria de pedra central, também coberta de panos pretos, via-se um fumo em festão, pendente das duas pirâmides laterais, tendo no centro colada uma coroa de perpétuas e no meio desta a data «26 de Agosto de 1861», pois foi naquela data e naquele sítio que o Senhor D. Pedro V se dignou assistir ao fogo de artifício com que os moradores da Rua dos Clérigos festejaram a última visita com que Sua Majestade honrou esta cidade. De sobre as pirâmides central e laterais, no cimo das quais se viam coroas de perpétuas, caíam largos e compridos fumos de escomilha.
(…) Antes da hora marcada para a saída do préstito (meio dia) já em todas as ruas do trânsito havia imenso povo, e as janelas estavam cheias de senhoras trajadas de rigoroso luto.
(…) Ao meio dia já se achavam nos Paços do Concelho as autoridades e chefes de repartições, as deputações de todas as diversas corporações e associações, cônsules de França, Espanha e outros, alguns representantes de diversas empresas e os da imprensa.
Ao meio dia começou a sair o préstito, precedido de uma banda militar, e com a ordem e disposição marcada no programa, conduzindo o Vereador fiscal a bandeira verde e branca do Senado, com as armas da Cidade, desenrolada e coberta de fumo.
Levavam os três escudos os Senhores Vereadores Alexandre Soares Pinto de Andrade, Visconde de Pereira Machado e José Carlos Lopes.
O préstito compunha-se de mais de mil pessoas.
Os presidentes das associações dos socorros mútuos levavam os livros, que continham os alvarás régios da aprovação dos seus estatutos, cobertos de fumo. O Secretário da Associação Industrial Portuense levava com o mesmo envoltório fúnebre o livro em que o finado monarca se dignou inscrever-se como sócio daquela associação, quando inaugurou a Exposição Industrial no dia 25 de Agosto deste ano.
O Vice-Presidente da Direcção da Sociedade do Palácio de Cristal levava, também coberta de fumo, a pá de prata com que o falecido Rei inaugurou, no dia 3 de Setembro do corrente ano, a obra do projectado templo da indústria. O Secretário levava o livro em que foi lavrada a acta da inauguração assinada por Sua Majestade.
Fechava o préstito um Esquadrão de Cavalaria Nº 6, outro da Guarda Municipal e uma força de infantaria deste corpo.
(…) Nas janelas muitas senhoras choravam, quando a espaços, parando a Câmara, o Presidente com voz comovida e lamentosa dizia: «Chorai portugueses que é morto o nosso muito amado Rei e Senhor D. Pedro V!»
(…) O Senhor Vereador Alexandre Soares Pinto de Andrade quebrou o primeiro escudo na tarima levantada na Praça da Ribeira, o Senhor Visconde de Pereira Machado quebrou o segundo na tarima levantada na Praça de Carlos Alberto, e o Senhor José Carlos Lopes quebrou o terceiro na Praça de D. Pedro.
Nesta praça, como é fechada pela gradaria de ferro nos quatro lados, entrou para dentro dela só o préstito, que guarneceu todo o quadrado, deixando o centro livre para a cerimónia que assim foi mais imponente.
Recolhendo a Câmara ao Paço Municipal (eram três horas), abriu-se a janela do centro e ali apareceu o Sr. Vereador fiscal com a bandeira do Senado, seguiram-se-lhe os outros vereadores, que abriram lugar no centro ao seu digno Presidente, o Senhor Visconde de Lagoaça, que, descobrindo-se, deu sinal para que todos se descobrissem, e com uma intonação em que se traduzia o mais vivo sentimento, disse: «Chorai portugueses que é morto o nosso muito amado Rei, o Senhor D. Pedro V!» E mal pôde acabar, porque as lágrimas lhe embargaram a voz: e tal foi o poder da comoção, que se comunicou a todos os que o presencearam, porque poucos tiveram força para conter as lágrimas!
(…) Junto da corporação municipal iam os senhores Governador Civil, Administrador dos Bairros, e cônsules de Espanha e França.
Alguns titulares, magistrados judiciais e outros funcionários iam no préstito, que era formado:
-pela Direcção da Associação Comercial, e grande número de associados nacionais e estrangeiros;
-deputações dos bancos, Comercial, Mercantil e Caixa Filial do Banco de Portugal;
-deputações da Alfândega e Administração do Correio;
-Direcção da Sociedade do Palácio de Cristal e grande número de sócios;
-representações da Direcção da Sociedade Humanitária e da Comissão Administradora do Asilo de Mendicidade;
-Intendência da Marinha;
-Director das Obras Públicas e Comandante das Barreiras;
-Director e lentes da Academia Politécnica;
-professores da Academia de Belas Artes e da Escola Industrial;
-representantes da empresa da ponte pênsil;
-deputações da Assembleia Portuense e Sociedade Filarmónica.
Direcções e muitos sócios das seguintes associações:
-Associação Comercial de Beneficiência;
-Associação Industrial Portuense;
-Caixa de Crédito de Socorros Mútuos da Associação Industrial Portuense;
-Associação Benéfica dos Ourives Portuenses;
-Sociedade do Monte Pio Musical;
-Associação dos Tipógrafos;
-Sociedade dos Operários Fabricantes;
-Associação Filantrópica dos Sapateiros;
-Associação dos Operários Marceneiros e Entalhadores;
-Associação das Classes Laboriosas;
-Associação dos Latoeiros;
-Associação União dos Tintureiros;
-Associação dos Pintores;
-Associação Fraternal de Beneficiência de todas as classes;
-Associação Filantrópica das Artes Portuenses;
-Associação União dos Sapateiros;
-Associação Fraternal dos Ferreiros e Serralheiros;
-Associação dos Alfaiates;
-Associação Artístico-Comercial;
-Associação dos Proprietários Fabricantes;
-Associação Fé, Esperança e Caridade, de Vila Nova de Gaia.
Por parte da imprensa imã representados os jornais Nacional, Jornal do Porto, Diário Mercantil, Diário do Povo e Comércio do Porto”.

VI - Sé do Porto
Resumo das exéquias solenes, celebradas nos dias 15 e 16 de Dezembro do ano de 1861 na Sé Catedral do Porto, em memória do Rei D. Pedro V, conforme relato do “Comércio do Porto”, de 16 de Dezembro de 1861, e translado no “Diário de Lisboa”, Nº 289, de 19 de Dezembro de 1861.
“Começaram ontem da Sé Catedral, com vésperas e matinas, as solenes exéquias que a Exma. Câmara manda celebrar por alma do Senhor D. Pedro V.
A decoração funerária do tempo é majestosa. Na Capela-Mor está levantada uma rica eça, condigna da grandeza da solenidade. Na cúpula da eça vê-se (sic) a coroa e o ceptro real. Por baixo da cúpula está o busto do Senhor D. Pedro V, coberto de escomilha preta e cercado do emblema da eternidade, formando um círculo com oito zodíacos, alusivos aos oito anos de reinado do finado monarca. O emblema da eternidade é rodeado de vinte e quatro estrelas, representando os vinte e quatro anos que aquele monarca contara de idade. Em algumas das estrelas apareciam indicadas as principais fases da sua vida.
No catafalco vê-se o manto real e sobre este as medalhas da Sociedade Humanitária e da Febre Amarela, esta do lado da Epístola e aquela do lado do Evangelho.
Na base da eça está o escudo real ornado de bandeiras e velado de fumo, e em outro pano as quatro figuras simbólicas da Sabedoria, Virtude, Piedade e Afabilidade, com versículos da Bíblia.
No fecho do arco da Capela-Mor estavam as armas da cidade cobertas de escomilha. Nas colunas laterais da nave do centro estão as armas de Lisboa, Braga, Coimbra, Lamego, Viseu, Évora, Beja, Bragança, Guarda, Faro, Elvas e Leiria, por serem as cidades de Portugal em que há sedes episcopais.
Ontem, os salmos foram de cantochão, e os responsórios de David Peres, a grande orquestra.
Assistiram os senhores Governador Civil e Administradores dos bairros, alguns oficiais superiores e oficialidade dos corpos, deputações das diversas corporações e associações artísticas, etc.. A concorrência foi imensa. A Exma. Câmara e os seus principais empregados estavam com os vestidos camarários.
No Largo da Sé formavam o Batalhão de Caçadores Nº 9 e uma grande força da Guarda Municipal, com as suas bandas de música e respectivos comandantes”.

VII – Documentos
BASTO, Artur de Magalhães – “Na Morte de um Rei”, in Revista de Estudos Históricos, disponível on line em http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/artigo4331.doc (exéquias solenes realizadas pela Câmara Municipal do Porto aquando da morte do Rei D. Pedro II em 1707).
BENOLIEL, Joshua – foto-reportagem do velório e funerais do Rei D. Carlos I e do Príncipe D. Luís Filipe, in “Illustração Portugueza”, Nº 105, 24 de Fevereiro de 1908.
"Exéquias Solenes com que o Corpo Cathedratico de Coimbra suffragou a alma do sempre chorado monarcha, El-Rei o Senhor D. Pedro V" (nos dias 15 e 16 de Dezembro de 1861), in Diário de Lisboa, Nº 290, 6ª feira, de 20 de Dezembro de 1861, pp. 5224-5225 (idem, no jornal local “O Conimbricense”).
"JOSHUA BELONIEL (1873-1932). Repórter fotográfico", Lisboa, Edição da Câmara Municipal de Lisboa, 2005, pp. 180-189 (catálogo da exposição realizada na Cordoaria Nacional, Lisboa, de 18 de Maio a 21 de Agosto de 2005).
MONIZ, Manuel de Carvalho – “Uma Quebra dos Escudos em Monsaraz, Revista de Guimarães, Nº 71 (3-4), Julho/Dezembro de 1961, pp. 404-408, disponível on line no endereço http://www.csarmento.uminho.pt/ndat_63.asp?filtro_ano=1961 [cerimónia realizada em 2 de Setembro de 1816, por morte de D. Maria I, falecida no Rio de Janeiro em 20 de Março de 1816. O promotor desta cerimónia foi o Dr. António Justiniano Baptista Botelho, então Juiz de Fora e Presidente da Câmara Municipal, formado em Leis pela Univ. de Coimbra e executante de Guitarra Inglesa de certo renome.].
"PROGRAMMA" do funeral do Infante D. Fernando, in Diário de Lisboa, Nº 253, 5ª feira, 7 de Novembro de 1861 (agendado para 6ª feira, 8/11/1861, no Paço das Necessidades e em S. Vicente de Fora).

quarta-feira, 24 de outubro de 2007


O galero como objecto funerário
O chapéu de gala dos cardeais romanos, ou "galero", foi instituído pelo Papa Inocêncio IV em 1245, no Concílio de Lião, e abolido pelo Papa Paulo VI em 1969.
Nem todos os cardeais católicos concordaram com a supressão, pois o galero era colocado pelos papas na cabeça dos cardeais como ponto alto da incardinação, ritual em tudo comparável à coroação dos monarcas ocidentais e investidura doutoral praticada durante séculos em universidades como Bolonha, Salamanca, Coimbra e Oxford.
O galero escarlate, guarnecido de cordões e borlas, era frequentemente exibido em entradas solenes, cavalgadas, audiências papais e exéquias. Nos cortejos pedestres e cavalgadas, tanto poderia ser colocado na cabeça do portador (frequentemente sobre o capuz da murça de veludo e arminhos), como exibido por um pagem no alto de um varal, conforme documenta a sumptuosa entrada do Imperador Carlos V em Bolonha. Nas audiências concedidas pelos pontífices no Vaticano, os cardeais deveriam envergar trajes talares de audiência, sendo acompanhados por um camareiro que, postado na sua rectaguarda, conduzia o galero suspenso à altura do peito, como se capacete militar ou coroa real fora.
Durante o velório dos cardeais, o galero era depositado aos pés do esquife. Após a sua morte, em muitas catedrais ocidentais prevaleceu o costume de suspender o galero sobre a arca tumular do antigo detentor.
Um número diminuto de cardeais, pouco conformado com a simplificação das insígnias, continua a mandar confeccionar em alfaiatarias de Roma um chapéu próximo do antigo galero. Trata-se do chapéu romano, também dito "capello" e "saturno", em feltro e castorina, de copa esférica, aba curta e ornado de glandes.
O exemplar que se apresenta pertenceu ao Cardeal irlandês Michael Logue, que era Arcebispo de Armagh, e encontra-se suspenso no tecto do referido templo desde o ano de 1924.

terça-feira, 23 de outubro de 2007



Insígnias militares sobre o féretro

Bicórnio e espada de Lord Louis Mountbatten (1900-1979), colocados sobre o sarcófago, Londres, saída do cortejo fúnebre da Abadia de Westminster.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Cerimónia da Quebra dos Escudos
Cena alusiva à cerimónia municipal da Quebra dos Escudos realizada em Lisboa, num palanque armado junto ao pedestal da estátua equestre de D. José I, em 26 de Novembro, cremos que do ano de 1861, por morte do Rei D. Pedro V.
O autor, Morand, não representa os clássicos cavalos cobertos de panejamentos pretos, nem os estandartes levados de rojo pelo chão em sinal de pesar, nem as varas pretas. Em contrapartida, fixa as atenções no estandarte alçado pelo alferes da bandeira, no senador que bate com o escudo de madeira num espigão e nalguns edis que envergam capas de dó e chapeirões guarnecidos de amplas fitas pendentes.

Quebra dos Escudos
Raro exemplar de um escudo oitocentista em estrutura de madeira elíptica, ornado com as armas reais portuguesas e previamente golpeado a meio, na vertical, para facilitar a representação de rua e evitar embaraços ao vereador encarregue de proferir as falas rituais e de quebrar os escudos.
A cerimónia fúnebre da Quebra dos Esudos régios era encenada e representada pelas câmaras municipais portuguesas alguns dias após o falecimento do Chefe de Estado, prolongando uma tradição de raízes medievais que se realizou pelo menos até à morte de D. Pedro V.
O cerimonial não apresenta diferenças de município para município, uma vez que as autarquias mais jovens solicitavam às mais antigas cópia fiel da minuta protocolar, prática bem documentada através de um pedido feito pela Câmara de Viana do Castelo à sua congénere portuense.
Um relato da Cerimónia da Quebra dos Escudos por morte de D. Pedro II, realizada pela Câmara Municipal do Porto em 15 de Janeiro de 1707, pode ler-se proveitosamente em Artur de Magalhães Basto: "Na Morte de um Rei", http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/artigo4331.doc.
O escudo acima reproduzido pertenceu à Câmara Municipal de Guimarães, integrando actualmente o Fundo Vimaranense da Secção de Etnografia da Sociedade Martins Sarmento. Reprodução on line no site "Pedra Formosa. Blog Informativo", http://pedraformosa.blogspot.com/2006_02_01_archive.html.


Exéquias municipais
Em Portugal, o falecimento de um Chefe de Estado implicava a dinamização de um importante conjunto de rituais e cerimónias. Na memória oral ainda substiste lembrança da Quebra dos Escudos, uma autêntica peça de teatro de rua, encenada e representada pelos presidentes de câmaras e vereadores municipais, cujas palavras rituais ficariam para sempre associadas à letra do primitivo "Fado da Severa".
A gravura representa dois vereadores da Câmara Municipal do Funchal, aquando das exéquias solenes (ou Quebra dos Escudos?) realizadas em Outubro de 1816 após o falecimento da Rainha D. Maria I no Rio de Janeiro.
Um dos vereadores, de pé, enverga traje tradicional português comum aos edis, oficiais da Universidade de Coimbra e oficiais de Justiça (bem como deputados), merecendo destaque a vara, o espadim, e conjunto casaca/calção complementado por tricórnio emplumado, arcaica peruca de cachos, plastron e mantéu de estolas brancas. Um segundo vereador, sentado, ostenta traje de dó, marcado pelas meias altas pretas e colete de mesma cor. O chapéu será um abeiro de feltro ou de tela revestida de tecido, do qual pende longa faixa de pano preto, confirmando a antiga tradição que mandava desabar os chapéus e "arrastar" panos em sinal de pesar. As varas da vereação - que eram douradas em certos municípios, como Coimbra -, parecem-nos integralmente pintadas de preto, em conformidade com o protocolo observado nas Quebras de Escudos.
[gravura editada na obra "Official Drefs of Members of the Camara or Senate on the Death of the King and acession of his Sucessor", London, At R. Ackermann's, 1821, on line no endereço http://www.arquipélagos.pt/. Agradeço ao Prof. Doutor Nelson Veríssimo a notícia relativa a este documento]

domingo, 21 de outubro de 2007



A Câmara dos Comuns no cortejo fúnebre de Isabel I (1603)

O cortejo fúnebre da Rainha Elizabeth I de Inglaterra, havido em Londres, no dia 28 de Abril de 1603, foi documentado por William Canden (gravuras coloridas) e em extensos cartões, como é exemplo o trecho supra, pertencente ao Parlamento britânico.

(http://www.parliament.uk/parliamentary_publications_and_archives/parliamentary_archives/archives_elizabeth_i.cfm)

Uma vista completa de todos os desfilantes, pertencente ao acervo da British Library, pode visualizar-se apud http://www3.newberry.org/elizabeth/exibit/legacylegend/deathofliz.html.


Exéquias papais
Exposição do corpo do falecido Papa João Paulo II em esquife aberto, envergando vestes de Bispo de Roma e respectivas insígnias, aqui acrescidas de "pálio" (Basílica de São Pedro, Abril de 2005). O fechamento do sarcófago obedecia a um conjunto estrito de normas codificadas como a leitura solene do auto de óbito, a aposição no fundo do caixão de uma bolsinha com exemplares de moedas cunhadas durante o pontificado do papa e o resguardo do rosto com véu de seda branca.
Muitos destes procedimentos eram comuns à preparação dos corpos de monarcas, príncipes, juízes, advogados, reitores, bispos, abades, cardeais e militares de alta patente.


Cerimónias fúnebres do Papa João Paulo II
Roma, Abril de 2005: exposição do corpo em esquife aberto, guardado pela Guarda Pontifical Suiça.


Brasão do Camerlengo
Desenho de finais do século XIX (1878) com as armas tradicionalmente usadas pelo Cardeal Camarlengo durante a vacatura do poder, isto é, entre a morte de um papa e a eleição e coroação oficial do seu sucessor.
A regência do Camerlengo durante o período de "sede vacante" no Vaticano apresenta pontos comuns com os costumes praticados na Universidade de Coimbra pelo Decanus em situações de morte de reitor em pleno exercício de funções.


Proclamação oficial da morte do papa
Os rituais fúnebres relativos à morte, velório e inumação dos papas mantiveram até ao Concílio Vaticano II peculiarismos constitutivos de grande riqueza protocolar e cerimonializante.
O momento da proclamação da morte do papa pelo Cardeal Camerlengo marcava uma situação de irreversibilidade na governação do Vaticano, redundando na eleição de um novo pontífice romano.
A proclamação oficial era antecedida de um conjunto de rituais que requeriam o desferimento de três golpes com martelinho de prata e o chamamento do papa pelo seu nome original cristão. Ao proclamar oficialmente a morte do papa, o Camerlengo despojava o corpo do "anel do pescador", o qual seria partido na primeira reunião do Colégio dos Cardeais.
[gravura divulgada por W. J. Wintle, "How the Pope is Elected. A popular account of the Conclave at Rome", LONDON MAGAZINE, June, 1903, http://secrets.hidden-knowledge.com/rec/papacy/election1903p1.html]