Virtual Memories

sábado, 25 de agosto de 2007

Hygieia, Hígia, Salvs

Hygieia
Pormenor de um painel de grandes dimensões (4,30mx3m), alusivo à Faculdade de Medicina, da autoria do artista Gustav Klimt (1862-1918), 1901. Com a inauguração dos pavilhões novos da Universidade de Viena (1883), Klimt recebeu em 1894 a encomenda de quatro painéis decorativos alusivos à Teologia, Filosofia, Medicina e Direito. Os trabalhos decorreram entre 1900-1907 e geraram reacções locais muito hostis, tendo o artista sido acusado de pornógrafo.
Apenas restam esboços e fotografias destes magníficos trabalhos, destruídos por um bombardeamento em Maio de 1945


Hygeia alimenta a Serpente Sagrada
Tela de Peter Paul Rubens, 1615, Praga, Národni Galerie


Esculápio e Hígia
Díptico romano. Hígia/Hygeia alimenta a serpente sagrada. Nesta figuração, telésforo é comum a Esculápio e a Hígia


Hygieia
Escultura da autoria de Tautvydas Soblinskas, República Checa

Higia
Escultura e vulto redondo, Viena, jardins da Schloss Schonbrunn



Símbolo da Farmácia/Hygieia

Grande parte dos símbolos adoptados pelos estudantes universitários em emblemas, crachás, anéis de curso, t-shirts, motivos em prata para pastas, é fruto de decisões amplamente espontâneas, surgidas a pretexto e contexto de jantares de curso e preparação de carros alegóricos. Estas tomadas de decisão discentes mais se fazem sentir no cosmos politécnico, campo onde cores e emblemas são inventados e circulam sem caução institucional.

No caso da História, Clio e a Esfinge egípcia poderão ceder arbitrariamente o lugar a um capacete militar sobrepujado por duas espadas cruzadas e, em listel, a célebre frase proferida por Júlio César na Gália.

Em Economia, Mercúrio e o seu caduceu alado podem ser alegremente omitidos em função do Cifrão lançado pelos estudantes da Faculdade de Economia da Universidade do Porto na passagem da década de 1950 para a de sessenta. Em Farmácia, uma serpente e uma palmeira avistadas na placa luminosa de um estabelecimento farmacêutico podem tornar-se alvo de apropriação e ser tomadas por signos substitutivos de Hygieia.

Quem acha que já viu tudo, quando confrontado com o à-vontade e discricionaridade com que são inventadas cores e emblemas para cursos (não raro à margem de qualquer decisão oficial tomada por um Senado ou órgão de direcção), nada melhor do que espreitar o modo displicente como os norte-americanos fizeram colar na imagem da Medicina o caduceu de Mercúrio


Hígia
Desenho reconstitutivo de Moyr Smith, 1882. A alegoria da Farmácia é acompanhada pelo Génio da Convalescença, Telésforo, figurinha mais associada à imagem de Esculápio

Hígia/Hygieia
Gravura de Bouillon, Paris, ca. 1830


Ara Salustis
Erecta, Hygieia/Salus apoia-se num longo bastão e estende a taça à serpente cuja cauda e parte inferior do corpo se apoiam numa ara cilindriforme


Saluti Augustae
Hygieia ou a Salus Publica Romana cultuada no Quirinal pelos menos desde 301 A. C.. A serpente apoia-se numa ara e avança em direcção à taça de Hygieia


Salus/Hygieia
Moeda romana, incorpora na identificação da filha de Esculápio atributos da Fortuna


Esculápio e Hygieia
Relevo votivo romano com devotos e ara. Paris, Museu do Louvre


Hygieia/Salus
Delicada figurinha em bronze, com tiara, cabelos entrançados, túnica, serpente e taça. Bronze romano do século I, integra do acervo do British Museum


Hygieia alimenta a serpente
Cópia romana de original grego, pertence ao acervo do Museu de St. Petersburgo


Hygieia
Cópia romana de original grego em mármore. A escultura acha-se mutilada, tendo perdido o braço direito onde se enroscava a serpente.
Obra do acervo do Palazzo dei Conservatori/Musei Capitolini, desde 1876

A Hygieia "Meyers"
Desenho divulgado em 1890 na "Meyers Encyclopedia"
["Higia", http://es.wikipedia.org/wiki/Higia_(mitologia)-20k]

Hygieia e Esculápio
Este relevo, do período greco-arcaico, mostra o deus da Medicina, Esculápio, e sua filha Hígia ou Hygieia. Na civilização helénica, Hygieia aparece frequentemente ao lado de Esculápio. Simboliza a arte de conservar a saúde e em épocas ulteriores tenderá a congregar na sua pessoa os poderes de sua irmã Panaceia (a arte de curar).
Hygieia costumava ser representada em figura de uma jovem grega, com os cabelos apanhados, vestindo chiton e túnica talar, com uma serpente enrolada no corpo e uma taça ou almofariz numa das mãos. As representações oscilam entre as posturas erectas e as entronizações solenes. Nalgumas situações, Hygieia nutre a serpente, cuja cabeça se inclina para o interior da taça. Noutros casos, a jovem tem aos pés o misterioso Génio da Convalescença, Telésforo.
Hygieia teve culto em Epidauro, Corinto, Cós e Pérgamo. O referido culto persistiu no Império Romano, sendo Hygieia rebaptizada com o nome de Salus. A Salus Pública Romana teve direito a templo e culto anual no Quirinal (festividades de 30 de Abril), conjuntamente com outros deuses. Foi frequentemente representada em mármores copiados da Grécia, relevos e moedas. Na civilização romana, Hygieia/Salus, chegou a ser figurada com atributos colhidos na Fortuna, em particular o globo e o leme.
Hygieia é a alegoria da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, cuja cor distintiva é o roxo forte. O seu emblema abreviado é constituído por uma serpente enrolada numa taça ou num almofariz, embora espontaneamente predominem e circulem figurações à base da serpente+palmeira.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007


A Escola de Atenas
Monumental fresco encomendado pelo Papa Júlio II a Rafael Sanzio para a Stanza della Signatura, Vaticano (1909-1910).
A pretexto da Filosofia e dos saberes clássicos, Rafael glosa as Sete Artes Liberais presididas pelas estátuas tutelares de Apolo (Filosofia Natural, artes) e Minerva (Filosfia Moral, sabedoria). Rafael não se preocupou em emprestar a cada um dos retratados um cunho de autenticidade. Como que a antecipar os cenários pomposos e o virtualismo hollywoodiano dos "filmes históricos", o pintor divertiu-se, emprestando a alguns dos figurantes traços fisionómicos alheios.
Dos muitos retratados neste fresco, recordemos:
-Platão, com o "Timeu", e rosto de Leonardo da Vinci
-Aristóteles, com a "Ética", e traços fisionómicos de Péricles
-Alcibíades, como Alexandre Magno
-Anaximandro de Mileto
-Anacreonte
-Averróis, com o indispensável turbante
-Diógenes
-Epicuro, como Baco
-Euclides, como Donato Bramante
-Heraclito, como Miguel Ângelo
-Hipátia de Alexandria
-Ptolomeu, como rei Ptolomeu I do Egipto
-Plotino
-Parménides
-Sócrates
-Pitágoras
-Xenofonte de Atenas
-Zenão de Eleia
-Zaratustra
-pintor Apelles, como Rafael
Leituras de apoio

terça-feira, 21 de agosto de 2007

O Ciclo das Artes Liberais em Chartres

Platão de Atenas (428-347 A. C.)


Platão e Aristóteles na "Academia" de Atenas
Reconstituição virtual da "Escola de Atenas", por Rafael Sanzio, Vaticano, 1508 e ss.. Platão, com o "Timeu" debaixo do braço, é retratado como um sábio mais velho, de barbas e cabelos brancos. Há que veja neste rosto um decalque dos traços faciais de Leonardo da Vinci. Aristóteles, com o livro da Ética, tem barbas e cabelos escuros, generosamente encaralocados. Neste caso, o motivo de inspiração teria sido não o busto-retrato do filósofo mas antes o rosto de Péricles


Platão e Aristóteles
Trabalho do artista Lucca dela Robia na torre sineira da Catedral de Florença, século XV, com vista a representar a Dialéctica

Retrato de Aristóteles
Pintura de Joos van Gent (ca. 1475)


Aristóteles
Iluminura em códice medieval


Busto-retrato de Aristóteles


Aristóteles
Esculturinha no portal da Catedral de Chartres. No período clássico das universidades ocidentais, a alegoria da Dialéctica e da Filosofia poderiam ser consubstanciadas no filósofo Aristóteles (384-322 A. C.) ou no seu mestre Platão


A Dialéctica
Figurinha no portal da Catedral de Chartres, com livro, serpente e archote (?). Os atributos da Dialéctica oscilaram eram as duas serpentes, acabeça de mastim e a balança. No último caso, embora se pretenda invocar a pesagem dos argumentos, a figuração peca por furtar à Justiça o seu símbolo. No primeiro caso, tanto aparece uma figura feminina com uma só serpente, como são erradamente convocadas duas serpentes enroladas no caduceu de Mercúrio. Noutras situações, é um mastim enraivecido que simboliza a rapidez do ataque e o ardor da "mordedura". Com efeito, durante o processo dialéctico, o combate entre as duas serpentes deveria saldara-se no apreciado "Dialectica Mordet", a mordedura ou beliscadura a inteligência



O sistema geocêntrico de Ptolomeu

O Ptolomeu de Rafael
Claudio Ptolomeu foi pintado de costas para o espectador, com cabeça coroada e globo terrestre na mão. Na sua frente posiciona-se Estrabão com uma esfera estrelada.
Pormenor do fresco de Rafael Sanzio, "A Escola de Atenas", Vaticano, 1508 e ss.. A breve trecho tornar-se-ia impossível continuar a concilar o humanismo cristão com o legado clássico. Na passagem do geocentrismo ao heliocentrismo, Claudio Ptolomeu seria um dos primeiros gigantes a tombar do pedestal do saber


Ptolomeu observa o firmamento
Iluminura na obra "Parisianus Graecus", 1401, Paris, Biblioteca Nacional


Claudio Ptolomeu
Retrato conjectural atribuído a André Thevet (1502-1590)


Retrato de Ptolomeu
Retrato conjectural por Joos van Ghent (Justus de Ghent), ca. 1476, Paris, Museu do Louvre. A esfera armilar exemplifica o geocentrismo ptolomaico. Nesta e noutras representações dos séculos XV e XVI, Claudio Ptolomeu é representado com coroa real, por confusão com a dinastia dos ptolomeus egípcios, nomedamente Ptolomeu I/Sóter


Ptolomeu e a Astronomia
Gravura de inícios do século XVI, extraída da obra "Margarita Philosophica"


Ptolomeu
Pórtico de Chartres. Na época clássica da emergência e consolidação das primeiras universidades ocidentais, Ptolomeu era considerado imagem substitutiva da Astronomia.
Claudius Ptolomaeus Pelusianus foi um reputado sábio da antiguidade, cujos conhecimentos astronómicos e geográficos chegaram ao Renascimento quase sem beliscadura. Não são conhecidas com rigor as datas relativas ao nascimento e óbito de Ptolomeu (ca. 90-168). Nesta representação, Ptolomeu traria na mão uma taça e água, em cuja superfície se reflectiriam os astros


Astronomia/Astrologia
Figurinha na arquivolta do portal da Catedral de Chartres. De olhos levantados em céu, em pose de observação, as alegorias femininas da Astronomia podiam ser identificadas através de atributos como o quadrante solar, o astrolábio ou a esfera armilar


Disputa entre Simmachus e Boethius


"BOETIVS"
Página iluminada do manuscrito "De Musica", do século XII, depositado na Cambridge University Library (MS Ii.3.12, fl. 61v)


Boécio dá uma aula
Iluminura de uma das páginas do mauscrito italiano "Consolação Filosófica", comentado por Nicholas Trivet, 1385

Arithmetica
Gravura com a legenda "Haec Contemplandis Numeris ars gaudet"


A Aritmética/Boécio
Escultura do portal da Catedral de Chartres. Anicius Manlius Torquatus Severinus Boethius (480-524), filósofo romano cristão, funcionário de estado e mártir, destacou-se como tradutor de Platão e de Aristóteles, Euclides (Geometria) e Ptolomeu (Astronomia). No período em que esteve preso, Boécio escreveu "Consolação Filosófica".
Por vezes aparece como símbolo da Música, associado à obra "De Institutione Musica Libri Quinque". Mais vulgarmente, o nome de Boécio andou ligado à Aritmética, por força da tradução operada sobre a obra de Nicómaco, "De Institutione Arithmetica Libri Duo"



Aritmética

Figurinha alegórica no portal da Catedral de Chartres



A Rhetorica entre os Saberes

Alinhamento de alegorias femininas erectas: Teologia, Direito Civil, Gramática (?), Dialéctica, Rhetorica, Physica, Medicina, Mathematica e Direito Canónico.

Gravura da segunda metade do século XVII, inserta na obra "Ars Magna Sciendi", Tomo II, editor Athanasius Kircher, 1669

(http://www.she-philosopher.com/)

Rhetorica Sermoni Astuta Colores
Nesta gravura, a alegoria aparece adornada com o caduceu, em confusão com Mercúrio e com a Dialéctica (esta era, por vezes, representada com uma serpente no regaço)

Aula de Retórica
Santo Agostinho, sentado na cátedra, dá uma lição de Rhetorica em Cartago. O mestre usa um barrete doutoral preto, de estrutura semi-rígida, idêntico aos modelos consagrados por Lutero e Erasmo de Roterdão (algo parecido com o camauro papal). Em Inglaterra, este barrete clerical, doutoral e humanístico, é conhecido por "Canterbury Cap". Em Bolonha, no século XVI, era o barrete doutoral dos lentes canonistas.
Quadro da autoria do pintor Jan van Scorel (1495-1562)

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Rhetoriken
A Rhetorica ladeada pelos oradores clássicos Quintillanus, Demosthenes, Cicero, Gracchus e Roscius. Gravura extraída da obra de Matthijs de Castelain, "Const van Rhetoriken", 1555


Quintiliano
No Renascimento, outra figura histórica invocada para ilustrar a Retórica foi o romano Marco Fábio Quintiliano (35-96)

Demóstenes
Estátua do orador grego Demóstenes (384-322 A. C.), cuja figura partilhou com Cícero as honras de imagem substitutiva da Retórica/e Oratória. Para o átrio da nova Faculdade de Letras da UC, o escultor Barata Feyo optou por um Demóstenes para celebrar a Eloquência, lançando mão de uma escolha cuja fundamentação é vulnerável


Busto de Cícero
Marcus Tullius Cicero (106-43 A. C.), um dos expoentes da retórica na antiguidade clássica romana. O seu nome ficaria ligado a um movimento de "purificação" do latim e da fonética latina que conheceu algum esplendor na Faculdade de Teologia da Universidade de Coimbra na década de 1890. Nos combates pelo latim com pronúncia restaurada destacar-se-ia justamente o lente e sacerdote António de Vasconcelos, que em 1902 já era correntemente alcunhado entre os escolares de CÍCERO (leia-se QI-QUÉ-RÓ e não TSICH-TSICHÊ-RO)

Cícero
Uma das mais imagens substitutivas da Retórica mais glosadas foi a do orador romano Marcus Tullius Cícero. Retrato conjectural no portal de Chartres



Rhetorica

Figurinha no portal da Catetral de Chartres. Em algumas esculturas do período medieval, os atributos centram-se num feixe de estiletes fixados com argola, ou numa pena e numa tabuinha de cera

"Passeios de Euclides"
Tela de René Magritte, 1953