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sábado, 18 de agosto de 2007
Laon 1: a Teologia
Figura feminina entronizada, com livro aberto e fechado (a Sagrada Escritura), bastão e escada de acesso ao conhecimento.
A identificação da alegoria parece suscitar algumas dúvidas junto dos estudiosos. Em nossa opinião, não se trata da Filosofia, uma vez que na Catedral de Laon o programa decorativo dos saberes não se cinge às Septem Artes Liberales, enquanto curricula das Faculdades de Artes Liberais ou Escolas Menores. O ensaio decorativo proposto pelos mestres escultores de Laon é bastante mais abrangente, convocando também disciplinas das Escolas Maiores ou Faculdades Maiores, como a Medicina. Em tais casos, quando se curava de representar o conjunto geral dos Saberes, não sobram dúvidas quanto à indiscutível primazia da Teologia sobre todas as disciplinas e Faculdades de cada Alma Mater Studiorum.
A representação do livro aberto e fechado é muito curiosa e pertinente, sobretudo se lembrarmos que tal dispositivo era usado no ritual de ordenação dos bispos, nas investiduras de doutores e em algumas tomadas de posse de reitores
Laon 13: Pintor, Pintura (?)
A Catedral francesa de Laon consagra um dos mais ricos programas decorativos medievais alusivo aos saberes, extravasando as sete disciplinas do Trivium e do Quadrivium.
Pela extensão da abordagem, repartida pela escultura e vitrais, Laon supera largamente a torre sineira da Catedral de Florença, o portal da Catedral de Clermont, os vestígios da Catedral de Sens, o pórtico do Mosteiro de Friburgo e o portal da Catedral de Chartres.
Na Catedral de Sens (sec. XII) existiam pelo menos 12 esculturinhas celebrativas dos saberes, as quais chegaram ao século XIX substancialmente mutiladas. Em Laon, os estudiosos de oitocentos contaram pelo menos 10.
Nesta recolha seguimos o "Dictionaire Raisonné de l'Architecture Française du XIe siècle au XVIe siècle. Tome 2, Arts Liberaux", com digitalização em http://fr.wikisource.org/wiki/Dictionaire_raisonné_de_l'architecture_francaise_du_XIe_au_XVIe_Siècle_-_T...-37k.
O crescente prestígio da Matemática
Retrato de Fra Luca Paccioli (1445-1517), rodeado por livros e objectos de trabalho e experimentação. Trabalho atribuído ao pintor Jacopo de Barbari.
Paccioli leccionou em diversas universidades italianas e morreu coberto de prestígio, numa época em que se vivia uma crescente matematização do real graças a nomes como Tartaglia, Cardan, Viète, Stevin e Pedro Nunes. A tendência irá no sentido de autonomizar os estudos matemáticos dos antigos curricula das Artes Liberais, projecto consumado no século XVIII com as reformas iluministas
Rhetorica
Fresco no tecto da Biblioteca do Escurial. Esta biblioteca, mandada erguer por Filipe II, possui um extenso conjunto de frescos celebrativos das Sete Artes Liberais. O autor do programa decorativo foi Frei José de Siguenza, bibliotecário de Filipe II. Concretizou a vasta obra o pintor italiano Pellegrino Tibaldi (1527-1596). Neste caso concreto, a figura relativa à Retórica aparece rodeada por um leão e ostenta o caduceu de Mercúrio, elemento que nos EUA é erradamente considerado símbolo da Medicina, por confusão entre os atributos de Hermes/Mercúrio e os de Esculápio
(mais imagens em "Des Instruments Mathématiques anciens... dans les musées", http://dutarte.club.fr/; Escurial.htm)
Aritmética e Astronomia
Versão masculina dos saberes, com opção sobre Euclides (=Aritmética, e por vezes Geometria) e Pitágoras (=Astronomia, e por vezes Música). Relevo da autoria de Luca della Robia, torre sineira da Catedral de Santa Maria del Fiore, Florença, 1437. O "campanile Giotto" foi iniciado em 1334, tendo-se a empreitada arrastado pelo século XV
A Philosophia, Mátria do Conhecimento
Gravura renascentista alusiva às Sete Artes Liberais. A Philosophia, entronizada, distinguida com manto, tiara, livro e ceptro, alimenta e coordena todos os saberes que servem de esteio ao Trivium e ao Quadrivium.
Quem demorar os olhos na estatuária da fachada principal da Faculdade de Artes Liberais/Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (1951) depressa achará vestígios da tradição iconográfica medieval.
Não se sabe quem facultou ao escultor Barata Feyo as informações que conduziram à escolha das quatro estátuas: História (Tucídides), Filosofia (Aristóteles), Poesia (Safo), e Eloquência (Demóstenes). É possível que tenha sido Manuel Lopes de Almeida, mas não dispomos de dados confirmativos da intervenção daquele historiador e estadista.
A escolha e alinhamento das quatro figuras não constitui exemplo feliz, nem revela conhecimento bem fundamentado daquilo que fora a tradição iconográfica na Alma Mater Sudiorum Conimbrigensis. António de Vasconcelos, estudioso e profundo conhecedor destas matérias, teria seguramente enveredado por outro programa decorativo.
A Philosophia, pelo lugar central que ocupou desde a fundação da instituição, teria de figurar em lugar central e não lateral, como acontece naquele pátio. A escolha de Aristóteles afigura-se correcta.
A convocação de Tucídides para celebrar a História não é aceitável, uma vez que a alegoria correcta é a Musa Clio, tendo por atributos a coroa de louros, o clarim, a clépsidra, o rolo de papiro e a esfinge egípcia. Quando muito, o nome de Tucídides poderia ser epigraficamente inscrito na superfície do rolo de pergaminho de Clio!
A opção Safo, apesar das incursões de Rafaeal Sanzio na Stanza della Segnatura do Vaticano ("O Parnaso"), nã tinha eco na tradição coimbrã. A concretização de uma figura votada aos campos da poesia, literatura e talvez teatro, oferecia mais demorada e cuidadosa reflexão. Havia a tradição medieval da Gramática, a qual poderia ter sido modernizada, e as musas greco-romanas Érato e Calíope deveriam ser tido ponderadas. Um equivalente medieval deste micro-cosmo era Donato.
Por seu turno, a figuração plástica da Geografia ficou no esquecimento e a Música - esta com formulação artística desde o período medieval -, não foi sequer abordada.
Quanto à Eloquência, embora a opção Demóstenes seja convidativa, é bem de ver que se passou sem reflexão sobre as tradições multisseculares da Dialéctica e da Retórica. A figura histórica masculina mais solicitada no Ocidente nesta matéria era Marcus Tullius Cicero (384-322 A.C.) e não o grego Demóstenes
Philosophia Naturalis
Nas Faculdades de Artes Liberais, a simbolização do saber não era habitualmente reduzida a uma alegoria única, como acontecia em Teologia, Direito Canónico, Direito Civil (Leis) ou Medicina. Cada uma das disciplinas do Trivium e do Quadrivium tinha figuração plástica autónoma, padecendo de alguma oscilação entre modelos femininos e arquétipos masculinos. Apesar deste assumido poliformismo sapiencial, as Faculdades de Artes Liberais poderiam ser representadas ocasionalmente por uma única figura. Em tais situações, a primazia condensava-se sempre na Philosophia, ou Sophia, considerava a mãe aleitadora de todos os conhecimentos. A versão masculina da Philosophia era Aristóteles.
A gravura, de 1538, recria um diálogo entre a Philosophia Natural e Aristóteles
sexta-feira, 17 de agosto de 2007
Representação pétrea das Sete Artes Liberais no gablete do pórtico da fachada norte da Cathédrale de Clermont. A estrutura piramidal é encimada por um Pelicano, ave considerada símbolo da Alma Mater Studiorum na Idade Média
(http://cathedrale-catholique-clermont-cef.fr/)
As iluminuras (a) e (b) fazem parte do códice "Rotschild Canticles", produzido em França entre os séculos XIII-XIV. O documento pertence à Yale University.
A iluminura (a) representa a Gramática, a Astronomia, a Aritmética e a Geometria.
A iluminura (b) figura a Música, a Lógica e a Retórica
(Cf. "Las Definiciones de las Siete Artes Liberales y Mecánicas", http://www.ricardocosta.com/pub/artes/lib.htm)
Artes Liberais/Friburgo
A Gramática acompanhada pelas disciplinas convencionais do Quadrivium e do Trivium. Rara e excepcional representação gótica das Septem Artes Liberales no pórtico da fachada oeste do Mosteiro de Friburgo, ca. 1270-1290. A Gramática é identificada pela convencional figura da mestra com chibata e aprendizes. No entanto, a Dialéctia e a Retórica fogem à iconografia tradicional. A esculturinha da Dialéctica, considerada invulgar, está em pose argumentativa. A Retórica faz sair das mãos moedas de ouro, atitude que pode ser interpretada como tesouro que se pode ofertar a quem se dedicar ao estudo deste saber
(http://www.zum.de/; Rolf Toman/Birgit Beyer/Barbara Borngasser, "A Arte do Gótico. Arquitectura. Escultura. Pintura", Bonne, Konemann, 1998. Edição portuguesa de 2000, pp. 484-485)
Música
As quatro alegorias apresentadas neste lote de pinturas murais são parte integrante e património do edifíco sede da Câmara do Comércio de Savona, Itália. O Pallazo Lamba Doria, adquirido em 1953 para albergar a instituição, já comportava a ornamentação dos tectos e paredes, fruto de encomendas efectuadas pelas anteriores famílias possidentes.
(cf. Camara di Comercio Savona. Palazzo Lamba Doria, Savona, http://www.sv.cam.com/it/FR/Page/t04/view_html?idp=734)
Fresco da autoria do pintor italiano Sandro Botticelli, realizado para a Villa Lemmi, Florença, ca. 1483-1485. Encontra-se actualmente no Louvre. Cada um dos saberes está identificado pela inclusão de um objecto simbólico. O jovem será o político e mecenas florentino Lorenzo