sábado, 10 de novembro de 2007


Foto 6
O Selo oficial da Universidade de Coimbra, estatutariamente definido, é objecto de consagração escrita pelo menos desde o século XVI, competindo a respectiva regulamentação ao Senado. A sua figuração é obrigatória em mobiliário de estilo, imóveis e propriedades da UC, cabeçalhos de diplomas de aparato, viaturas oficiais, publicações, bastões e varas ligadas ao cerimonial, Bandeira e pendões de charamelas.
Pouco ou nada utilizado nos imóveis da Cidade Universitária edificada sob a égide do Estado Novo, o Sigillum parece conhecer novo refluxo em tempos de grafismo dominado pelas tecnologias informáticas.
O Selo da UC, verde para a Casa Reitoral e suas dependências, mantém os elementos constitutivos basilares multisseculares, apesar de reformado logo após a Revolução Republicana de 1910 segundo desenho do docente da Faculdade de Philosophia Natural António Augusto Gonçalves. A principal diferença entre o antes e o depois radica na consagração da Sapiência em postura erecta, solução que colide com a tradição, e em alterações laicizantes incorporadas na legenda latina que sulca a tarja.
O Selo da Casa Reitoral, Secretaria Geral, Imprensa da UC, Biblioteca Geral, e demais dependências da Reitoria, sempre de formato elíptico, é em verde forte, adoptado a partir da cor da antiga Faculdade de Cânones. A estampagem do selo é geradora de algumas dificuldades no tocante aos contrastes, prevalecendo para todas as situações o exemplo da Bandeira oficial da UC, cujo selo verde é contrastado a nível dos contornos pelo branco (usança que já se observava desde finais da década de 1920 no emblema da AAC e respectiva bandeira. A bandeira da UC só viria a ser criada na década de 1980, durante a prelatura Rui de Alarcão).
A obrigatoriedade do uso do Selo da Casa Reitoral no património móvel e imóvel da UC respeita as seguintes excepções:
a) departamentos posicionados na esfera da Casa Reitoral, detentores de chancela própria, podem optar pelo seu uso em fundo verde. Possuem chancelas próprias a Capela de São Miguel e o Arquivo. O caso do Arquivo é bastante curioso, pois detendo esta instituição chancela privativa modernizada em 1929*, sobre ela paira uma espécie de esquecimento que tem feito os directores oscilarem entre o Selo da Casa Reitoral e uma apropriação vulgar de uma figuração da Sapiência em moldura circular, copiada dos candeeiros da Praça da Porta Férrea (prática espontânea também partilhada pela vizinha Faculdade de Medicina);
b) Faculdades que poderão optar: 1) pela reprodução integral do Selo da Casa Reitoral, mudando o verde para a cor oficial de cada Escola. Esta solução é a mais praticada, pese embora o facto de não identificar a Faculdade, como seria desejável, uma vez que na tarja do selo se reproduzem integralmente os dizeres específicos da Casa Reitoral ("Insignia Universitatis Conimbrigensis"), ficando assim por identificar em latim o nome de cada Faculdade; 2) figuração da alegoria específica de cada Faculdade, sobre campo na cor estatutariamente definida. Nenhuma das Faculdades segue esta tradição e algumas nem sequer conhecem qual seja a sua alegoria. Exemplificando, em Direito sabe-se que é a Ivstitia, em Medicina que é Esculápio, mas não é claro que se saiba que Hygieia representa Pharmacia, Mercúrio simboliza Economia ou a Philosophia congrega a plena representatividade da Faculdade de Letras.
Fazendo eco de uma tradição medieval, cujas raízes mergulham na cultura greco-romana, os estudantes de cada uma das Faculdades continuam a tentar figurar cada um dos ramos do saber ou especialidades académico-científicas, representação que tanto pode ocorrer por Disciplina ou por Curso. Estas figurações, em geral minimalistas e incorrectas, ocorrem à margem de qualquer regulamentação institucional. Não sendo regulamentadas por um Senado ou por Conselho de Veteranos, as opções são em geral incongruentes e pobres, aproximando-se muito do estilo gráfico praticado nos sinais de trânsito. Vãmente se procurarão elementos sobre tal assunto em actas do Senado, estatutos impressos ou códigos de praxe. Nem mesmo o mais recente código de praxe (2007) aflora a temática.
São os cursos reunidos em jantares, as comissões festivas efémeras e os grupos de escolares que em momentos de decoração de carros alegórico-festivos, decidem inventar arbitrariamente emblemas para capas e crachás de lapela. Aquilo que for inventado transita rapidamente para a ornamentação de pastas de luxo, capas de estudante, e para a esfera dos não menos espontâneos "anéis de curso", plaquetes de caricaturas e livros de curso.
Da pragmática estatutária clássica, os inventores de emblemas pouco aproveitam, limitando-se as mais das vezes à cor oficial do curso, cor que passa a ser aleatoriamente combinada com outras não autorizadas. Das Faculdades mais antigas, ou com maior peso simbolizador clássico, poderão ser aproveitados eventuais conjuntos como a balança/espada (Direito), ou a cegonha/bastão de Esculápio (Medicina). Porém, o mais frequente é verem-se em circulação elementos destituídos de qualquer fundamentação em termos de história e de mitologia clássica, servindo de exemplos a palmeira (Farmácia), o cifrão/euro (Economia), capacete militar/espadas, tudo combinado com a frase proferida por César na Gália (História).
A arbitrariedade das combinações e a ausência de suportes históricos é de igual modo visível na falsa heráldica que sustenta o mercado dos anéis de curso. Não possuindo suporte estatutário, os chamados anéis de curso, com base em ouro e pedra na cor da especialidade científica, começaram a aparecer em Coimbra espontaneamente pela década de 1950, primeiro nas Faculdades consideradas detentoras de maior prestígio sócio-profissional como Direito e Medicina. Eram ofertados aos neo-formados pelas noivas e madrinhas, tal qual sucedia no século XIX com as pastas de luxo dos quintanistas. Não se sabe se estes anéis sugiram em Coimbra ou se foram importados de outras universidades. Na actualidade proliferam anéis de formatura para bacharéis, licenciados e mestres, tanto em universidades, como politécnicos, escolas militares e de polícia, em Portugal, nos EUA, Brasil e países da América Central.
No após 1974, a massificação do ensino superior ditou o sucesso dos anéis. Em muitas situações observadas, as cores presentes nestes anéis e os motivos cinzelados são puras invenções, sobretudo em escolas superiores onde os órgãos de gestão nunca aprovaram cores oficiais, insígnias ou emblemas. A pedra oval (modelo feminino), ou poligonal (modelo masculino), também não resulta de qualquer fundamentação heraldística ou estatutária, refectindo apenas convenções publicitárias socialmente inculcadas, do tipo o azul celeste representa os bebés e o cor-de-rosa as bebés.
Relativamente ao caso conimbricense, os anéis de curso, germinados à margem da instituição, faziam eco do desconforto resultante da prolongada ausência dos rituais de formatura no tocante ao bacharelato e à licenciatura, cujo cerimonial foi suspenso em 1910 e não retomado ulteriormente. Os anéis de bacharel/licenciado, proliferantes no mercado, configuram-se como falsas insígnias académicas, ventilando uma emblemática de difícil compreensão: 1) prémanufacturados e do tipo "pronto-a-comprar", os ourives cinzelam habitualmente nestes anéis elementos turísticos e falsos motivos como sejam a Torre da Universidade; 2) a pedra na cor da especialidade científica do graduando é em Coimbra tradição específica dos detentores do grau de doutor, não extensível a bacharéis, licenciados ou mestres (não obedecendo a uma configuração específica, o anel doutoral conimbricense admite duas cores quando estas representam a especialidade científica de uma Faculdade, mas nunca autoriza mistura de cores de Faculdades distintas, regra comum a todas as universidades católicas). Mas quem quereria usar um anel manufacturado integralmente em ouro, opção menos vistosa, contudo mais próxima de Oxford e Cambridge?
O contrário da arbitrariedade, vazado na regulamentação minuciosa, nem sempre conduz às soluções mais avisadas. Recorde-se o exemplo da longa reforma da heráldica municipal portuguesa, concretizada entre finais da década de 1920 e meados da década de 1930. A Comissão de Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses padronizou centenas de brasões municipais e de juntas de freguesia, tarefa que se prolongou pelas décadas seguintes e ainda hoje continua em aberto (a cargo do Instituto Português de Heráldica).
Nos esforços menos conseguidos dessa comissão conta-se a invenção nem sempre convincente de espigas de milho, cachos de uvas, peixes, barcos e pássaros... no caso concreto dos municípios açoreanos, o Coronel Linhares de Lima, movido por uma espécie de febre das aves, infestou a maioria dos brasões camarários com uma autêntica praga de milhafres (muitos deles a pairar sobre vulcões), fazendo tabula rasa sobre situações portadoras de alguma riqueza, como sucedia nos municípios cujas pedras de armas figuravam ostensivamente as armas de D. Manuel I.
Percorramos as imagens fotografadas por Rui Lopes:
Fotografia 1 - em cima, selo elíptico da UC, aplicado à Faculdade de Medicina, em campo amarelo ouro, com os contornos, cenário arquitectónico neogótico, Sapiência e dizeres da traja em branco. Solução correcta de adaptação do Selo da Alma Mater a uma das suas Faculdades, seguindo o exemplo configurado no tratamento da Bandeira da Casa Reitoral, pese embora o problema (não resolvido) da não identificação da Faculdade. Em plano inferior, falso selo da Faculdade de Medicina, contendo diversas arbitrariedades. Recorre a um desenho alternativo, que não consta do Selo da Casa Reitoral nem polariza a alegoria institucional (Esculápio). Esta solução não comporta originalidade alguma, constituíndo uma transposição de um ornato em bronze que remata os postes de iluminação da Praça da Porta Férrea e artérias adjacentes, inaugurados nas décadas de 1950/1960. Igual motivo chegou a ser impropriamente usado em publicações do AUC (Arquivo da UC), comportando na parte inferior um listel identificativo com o vocábulo «arquivo», quando o Arquivo tem chancela privativa. Outro erro bem patente nesta figuração resulta do usos indevidos dos contornos a preto, considerando que a cor deveria ser o branco. Embora identifique a Faculdade, a legenda deveria ser em latim, faltando à tarja o contorno interno;
Fotografia 2 - emblema da Faculdade de Medicina sobre escudete amarelo, contendo elementos antigos como a Cegonha, livros de Medicina e o Bastão de Esculápio. Figuração incompleta e com erros. Na parte superior deste tipo de escudetes à portuguesa deve constar uma estilização da Borla Doutoral na respectiva cor institucional e, em situação de contiguidade, a identificação da Escola em latim. Os contornos foram indevidamente estampados a preto, por imitação da ornamentação praticada pelos estudantes quartanistas nos carros alegóricos da Queima das Fitas. Ao lado, emblema de Curso de Medicina Dentária, contendo os mesmos erros e lacunas do anterior;
Fotografia 3 - emblema produzido para o Curso de Arqueologia, variante da especialidade em História (a Faculdade de Letras). Configuração sobre campo rectangular impróprio e bizarra bordadura em forma de selo postal à base de cores erradas. O selo deveria assentar em escudete azul escuro, contrastado a branco, e não em campo azul claro (cor da Faculdade de Ciências), não sendo aceitáveis os rebordos a castanho e preto. Na parte superior do escudete deveria constar o chapéu doutoral em azul escuro. A esfinge egípcia, apesar de correcta, apresenta desenho tosco. A legenda é insuficiente, omitindo a Faculdade que ministra o curso, e a tarja inexistente;
Fotografia 4 - emblema do Curso de Farmácia, enfermando das mesmas lacunas anteriormente apontadas. O roxo forte contrasta com o branco e não com o preto. A legenda, inscrita em tarja, deveria identificar o Curso e a Faculdade em dizeres latinos. Na parte superior do escudete falta o Chapéu doutoral. No tocante aos adereços de Hygieia, a Serpente enrosca no pilão do almofariz ou taça, sendo a palmeira um falso elemento popular colhido em antigas tabuletas de boticas e vasos cerâmicos usados pelos boticários anteriormente ao advento das farmácias;
Fotografia 5 - emblema adoptado pelos estudantes da Faculdade de Economia após 1974, primeiramente com o Cifrão do Escudo Português, e mais recentemente com o símbolo do Euro. Figuração de difícil descodificação. As cores oficiais, o vermelho e o branco, não são originárias de Coimbra. Terão aparecido pelos finais da década de 1920 no Instituto Superior de Comércio do Porto, donde transitaram em 1953 para a Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Em Coimbra registou-se alguma dificuldade na aprovação da cor oficial, uma vez que tendo a Faculdade de Economia debutado com uma comissão instaladora maioritariamente dominada por docentes da Faculdade de Direito, nela prevalecia uma facção inclinada para a escolha do vermelho tout court. Tal solução não poderia vingar, dado que o vermelho rubi era a cor oficial da Faculdade de Direito. Quando se iniciaram experiências para a estampagem do Selo da Faculdade de Economia, logo se verificou que o vermelho rubi não poderia ser adoptado, pois quando contrastado com o branco, resultava exactamente igual ao Selo da Faculdade de Direito. Assim, no tocante ao Selo e às Insígnias Doutorais, a cor da Faculdade de Economia, influenciada pela experiência prévia da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, é o Vermelho e o Branco, mas em vez do vermelho rubi (privativo da Fac. de Direito), o vermelho de Economia é de tipo carmezim ou bordeaux. Esta solução, de carácter institucional, nunca foi adoptada pelos estudantes, pelo que ao nível de grelos, fitas, cartolas e bengalas, continua a prevalecer incorrectamente o vermelho rubi combinado com o branco. E não se ficam por aqui as incongruências de Economia. O emblema, assente no Cifrão/Euro constitui importação directa de emblema germinado na Faculdade de Economia da UP, havendo fotografias do curso 1956-1961 que já o mostram em campo oval na pasta de uma aluna fitada (Cf. o álbum de António Almodovar, Faculdade de Economia do Porto. 50 anos, Porto, FEUP, 2003, p. 36. Outros elementos transpostos da UP para a Fac. de Economia de Coimbra no após 1974 foram a roseta de lapela e o papillon). A opção conimbricense é ponderosamente duvidosa, tanto mais que o símbolo mais correcto, longamente glosado por associações comerciais e ateneus comerciais, é o deus greco-romano Hermes/Mercúrio e respectivo caduceu. O Cifrão/Euro, parecendo insólito, explica-se. Nos atributos de Mercúrio constavam as sandálias aladas, o capacete alado, o caduceu de mensageiro, um bode, um galo e, na mão, uma bolsinha de moedas, simbolizando a fortuna/riqueza. De resto, são aplicáveis ao escudete deste emblema as demais observações formuladas supra. Quanto à escolha da cor, o escolhido escolhido está, mas o Senado da UC pode e deve prestar atenção às cores consagradas nas universidades históricas do Ocidente. Ora, no caso de Espanha, a cor oficialmente aprovada desde a década de 1940 para os cursos/faculdades de Ciências Políticas, Ciencias Empresariais e Sociologia era o cor-de-laranja! Nesta situação, o escudete à portuguesa deveria ser bipartido, tendo de um lado o branco e, do outro o carmezim, e a encimar a Borla doutoral com as cores misturadas. Os elementos mais correctos a figurar são o caduceu alado de Mercúrio e várias moedas sobrepostas, em cuja face se poderá aceitar a figuração do €. A identificação da Faculdade/Curso faz-se em legenda latina inscrita em tarja;
Fotografia 6 - emblema da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, em escudete sobre campo cor-de-laranja e contornos a preto. A letra PSI, extraída do alfabeto grego, está popularizada no Ocidente como símbolo da Psicologia. As razões da opção institucional conimbricense pelo cor-de-laranja não são muito óbvias. Terá havido alguma influência da então também muito jovem Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto? A diferença de nascimento entre as duas escolas é curta, mas a congénere portuense emergiu primeiro, não se sabendo em que data deliberou a cor entretanto institucionalizada. Em Coimbra, dado que a comissão instaladora da Faculdade de Psicologia surgiu no interior da Faculdade de Letras, seria eventualmente de esperar uma deriva para os terrenos do azul escuro. Alguns dos primeiros lentes do corpo docente de Psicologia, como o Prof. Doutor Joaquim Ferreira Gomes, usaram até borla, capelo e anel em azul escuro (docente da área da História).
A verdade é que a cor escolhida não reflecte as ligações umbilicais à Faculdade de Letras, nem a pragmática espanhola, que identifica Psicologia com o lilás e Ciências da Educação com o "verde Málaga". Segundo nos foi dado apurar, a opção pelo cor-de-laranja baseou-se nas existências prévias de universidades com as quais mantinham ligações científicas membros da comissão instaladora da Faculdade de Psicologia. Algures entre a Suiça de Jean-Piaget e o cor-de-laranja de Psicologia da Universidade Católica de Lovaina se encontarão as sementes da colheita conimbricense. Quanto ao emblema, os contrastes devem fazer-se a branco e não com recurso ao preto das flores dos carros alegóricos da Queima das Fitas. Na parte superior do escudete fenece o chapéu doutoral, e a identificação latina da Faculdade/curso está incompleta.
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* A chancela oficial do AUC é referida pelo menos desde o Decreto de 10 de Junho de 1903, artigo 21º, alínea 7. Em 1929 foi alvo de reforma, segunda proposta do respectivo Director. Aprovada pelo Ministro da Instrução Pública Artur Ivens Ferraz, veio o respectivo desenho publicado na Portaria Nº 6.575, de 9 de Dezembro de 1929. Trata-se de uma chancela oval, de estampagem verde, desenhada sob orientação do Doutor António de Vasconcelos, tendo ao centro a Sapiência entronizada e coroada, rodeada pelos atributos estatutários. A toda a volta da tarja ocorre a legenda latina «Sigillum Tabullarii Universitatis Conimbrigensis".
AMN

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